Maravilhas do Mundo Prog: Kansas – Magnum Opus [1976]

Maravilhas do Mundo Prog: Kansas – Magnum Opus [1976]
Por Mairon Machado

Antes que você se pergunte: “O quê, esse cara tá louco? Que que o Kansas faz aqui???” saliento que eu não estou louco, e esse Kansas que você pensa (que gravou “Dust in the Wind” e “Play the Game Tonight”) é o mesmo Kansas citado. 

Fundado em 1970 por Phil Ehart (bateria), Kerry Livgren (guitarras, teclados) e Dave Hope (baixo), o Kansas em apenas dois anos teve várias formações, até estabelecer-se com os três acima mais Robby Steinhardt (violino, voz), Rich Williams (guitarras) e Steve Walsh (teclados, voz, percussão). Esse time foi contratado por Don Kirshner (do famoso programa Don Kirshner’s Rock Concert), e juntos, lançaram 8 vinis, dos quais 5 são fundamentais para qualquer colecionador de rock progressivo.

Sim, isso mesmo. Os álbuns Kansas [1974], Song for America [1975], Masque [1975], Leftoverture [1976] e Two for the Show [ao vivo, 1978] apresentam tudo o que uma banda progressiva necessita para ser considerada como a tal, ou seja, virtuosismo, dificuldade nas composições e longas suítes. Várias canções dessa fase do grupo (que sofria uma forte dúvida entre concentrar-se no blues e rhythm’n’blues ou investir pesado no progressivo) podem estar presentes aqui no Maravilhas do Mundo Prog, e talvez aos poucos eu comente sobre elas, mas nenhuma delas é tão maravilhosa quanto “Magnum Opus”.

Lançada no álbum Leftoverture, “Magnum Opus” foi o último suspiro do Kansas mezzo progressivo mezzo bluesy  antes de gravar o álbum Point of Know Return, onde encontra-se “Dust in the Wind” e onde o grupo finalmente estourou. Na verdade, “Magnum Opus” nunca foi uma música pensada para ser como tal, e sim uma junção de seis partes que sobraram das suítes que o Kansas havia gravado anteriormente. Porém, o trabalho para fundir essas seis partes em uma complexíssima canção que fizesse sentido tornou “Magnum Opus” uma das canções mais difíceis de serem executadas na história do Kansas, e a nossa Maravilha do Mundo Prog dessa semana.

 Kansas no início da carreira. Da esquerda para direita: 
Dave Hope, Rich Williams, Robby Steinhardt,
Phil Ehart, Steve Walsh e Kerry Livgren.
Não é a toa que o grupo batizou-a com esse nome, que traduzindo do latim, significa “Grande Trabalho”. Tudo começa com “Father Padilla Meets The Perfect Gnat”, uma sessão lenta, onde o violino faz o tema da sessão, com as guitarras, baixo e bateria marcando pesadamente para Walsh, nos teclados, repetir o riff do violino, já dando o primeiro soco no estômago do ouvinte. O baixo então passa a solar acompanhado apenas pela bateria, com um virtuosismo não comum para Hope, e então a canção muda o clima, com Walsh solando ao xilofone enquanto a banda faz um leve acompanhamento. 
Do xilofone, surge o solo de Williams, ainda com a banda tocando suavemente, e então surge “Howling at the Moon”, onde Walsh começa a cantar sobre o poder da música na vida de todos nós, dizendo que  “the music is all for you It’s really all we’ve got to share” e que os roqueiros estão “apenas uivando para a lua“, uma analogia um tanto confusa, mas enfim, a partir de então o lobo uiva, ou melhor, o bicho pega!
Tudo muda! Preste atenção em cada detalhe da canção por que aqui posso não conseguir narrar o que acontece nos próximos seis minutos de insanidade geral. Os teclados de Walsh apresentam “Man Overboard”. Baixo e bateria surgem fazendo pequenas marcações, e então Livgren no moog, Hope no baixo e Steinhardt no violino, duelam em cima do mesmo riff, enquanto Walsh faz acordes no órgão acompanhando o ritmo de Ehart e Williams, baixando então um tom no duelo para Steinhardt viajar no violino enquanto agora Williams e Hope duelam ao fundo em um outro riff com Walsh e Livgren marcando o tempo junto com Ehart.

Steinhardt, Williams e Walsh agora fazem um novo tema enquanto Hope, Ehart e Williams marcam o tempo (doideira pura) e então novamente sobem o tom. Steinhardt viaja novamente no violino, enquanto a banda inteira fica repetindo o mesmo tema. O que vem a seguir é algo complicadissimo. Intrincadas sessões de um duelo entre teclados, baixo, violino e guitarra apenas, e o teclado puxando “Industry on Parade”, a parte mais pesada da canção, onde em uma caixa de som, Hope, Williams e Livgren (agora com a guitarra) ficam repetindo um riff intrincadissimo, enquanto na outra caixa de som, Walsh e Steinhardt fazem um tema nada a ver com o que as cordas estão fazendo, degladiando-se entre si de uma forma descomunal, tendo como juiz apenas Ehart, que faz a marcação do tempo dessas duas batalhas de uma forma precisa.

O tom sobe mais uma vez, entrando em mais uma sequência fantástica, onde em uma caixa fica apenas a guitarra de Williams, enquanto na outra Livgren delira na sua guitarra. Ehart novamente é o fiel da balança, marcando o tempo com viradas a la Peart. Recém passou-se um minuto e meio! Ainda tem muito mais.

Baixo, guitarras e teclados fazem mais um tema, pesado ao extremo, com Ehart acompanhando, e, do nada, o violino viajante de Steinhardt surge. O clima fica sombrio. O tema é repetido pelos músicos com o volume mais abaixo, e novamente o violino delirante aparece assombrando o recinto. Então, Livgren faz um riff bem thrashzão, com marcações da banda, passando a bola para Williams reproduzir o riff e depois os dois juntos, até os teclados fazerem uma cama para uma rápida sequência onde enquanto as guitarras e o teclado sobem uma determinada escala, violino, baixo e órgão descem outra, tudo com um acompanhamento fenomenal de Ehart, que mantém o nível desses distintos duelos lá em cima.

Então, todos passam a fazer o mesmo riff, ainda mais pesado do que os outros que você já ouviu, de onde surgem Livgren nas guitarras e Steinhardt batalhando entre si. Mais uma curta sessão de doideiras e os 40 segundos que se passaram foram o golpe no queixo (tudo o que narrei desde onde avisei que tinha muito mais foram em apenas 40 segundos).

“Release The Beavers” acalma os ânimos, como que a poeira baixasse após a gigantesca batalha proporcionada pelo Kansas. Uma guitarra dedilhada faz a base para o xilofone solar apenas, então, aos poucos baixo e bateria vão surgindo, até Steinhardt mandar um lindo e ao mesmo tempo assustador solo de violino enquanto Livgren passa acompanhar no órgão o que o xilofone faz.

A canção vai ganhando ritmo, e num último fôlego, a batalha pega fogo de novo em “Gnat Attack”. Enquanto Williams, Ehart e Hope fazem o riff anterior, Livgren sola. Livgren faz um riff novo enquanto a banda inteira marca o tempo em outro tema. Todo mundo se junta, mas não por muito tempo, pois é a vez de Walsh viajar no moog enquanto o que acontece no fundo é uma sonzeira infernal. Em clima de “vamos resolver essa situação“, pomposamente todos vão crescendo nas escalas juntos, até retomarem ao riff lá do início de “Father Padilla…”, encerrando majestosamente e imponentemente, num “mata-cobra” que você cai no solo se debatendo, perguntando a si mesmo: “não pode ser, eu não ouvi isso, não é o Kansas!” (confesso a todos e tenho testemunhas aqui no Consultoria que comprovam essa reação com quem vos escreve).

 Kansas durante turnê de Leftoverture.
No sentido horário, esquerda para direita:
Phil Ehart, Rich Williams, Robby Steinhardt,
 Dave Hope, Kerry Livgren e Steve Walsh.
O magistral trabalho de Ehart é o principal destaque entre os diversos duelos da faixa. O mais incrível é ouvir essa canção ao vivo. O Kansas sempre a deixava como a faixa de encerramento, logicamente, já que o desgaste para tocar uma canção tão rápida, pesada e intrincada como essa, não é brincadeira.

Como eu disse, o Kansas tem muitas maravilhas perdidas em seus álbuns, desde “The Pilgrimage” e “The Pinnacle” até “Incomudro”, todas com sua virtuose e intrincações. Ainda dentro de Leftoverture temos pelo menos mais duas pérolas: “Cheyenne Anthem” e “Mysteries and Mayhem”, e também “Carry on My Wayward Son”, que deu o pontapé para a guinada AOR que o grupo sofreria no álbum seguinte. 

Mas nada dentro do Kansas, nada mesmo, e digo até nem nas bandas mais progs como Yes, Gentle Giant ou Van der Graaf Generator, se compara ao Grande Trabalho de “Magnum Opus”.

21 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Kansas – Magnum Opus [1976]

  1. Grande canção! Obra prima mesmo. Para quem curte algo mais "maluco" com o Gentle Giant dos bons tempos, é totalmente recomendável!

    O interessante é que tanto eu quanto o Mairon conhecemos essa música numa versão ao vivo executada pela orquestra sinfônica da Ulbra… para quem conhece a música, tentem imaginá-la com uma orquestra e vislumbrar a perfeição que é aquilo. Fantástico!

    Mairon, essa versão de orquestra podia pintar num podcast, não é mesmo?

  2. Outro detalhe é que essa música tem quase nove minutos, mas é tão boa e a "viagem" é tão empolgante que parece que tem uns três… Você ouve e não acredita que se passaram nove minutos…

  3. Os discos que mais gosto e conheço do Kansas são Song for America, Leftoverture e Point of Know Return. Esse último cai para o AOR? Sim…e daí? É bom demais também.
    Sobre essa Magnus Opus realmente impressiona, porque o Kansas era uma banda de progressivo porém nem tanto já que tinha muita influencia de música americana tb, como bem descreveu o Mairon. Mas essa música é uma pérola do estilo.
    Só pela discussão: existem grandes bandas americanas de progressivo? Alguma que possa estar à altura das inglesas?
    Ao meu ver essas bandas estariam num segundo escalão…

  4. Micael, essa versão de Magnum Opus com a ULBRA já rolou em um podcast "numa outra emissora", mas já estou planejando um podcast que ela entre. Fernando, também concordo que o Point of Know Return é um bom disco. Não é o meu favorito, mas assim como o Monolith, tem muita coisa boa registrada nele. Eu acho que de todas as bandas prog dos EUA, a unica que conseguiu manter uma linha para se igualar aos ingleses foi o Happy The Man. Se o Kansas tivesse acabado no Monolith eu até acharia Kansas melhor que muita banda inglesa, mas ai entrou o elefante e a banda virou AOR, e de AOR sim, os EUA batem os ingleses longe.

  5. Excelente, Mairon! Surpreendente e ousado, parabéns pela descrição. Li enquanto ouvia a faixa em questão. Apenas uma correção: Misteries and Mayhem" é do disco anterior, "Masque".

    Bah, tenho muito assunto pra falar do Kansas, tanto que até acho melhor enumerar:

    1. Desde que o conheci, "Leftoverture" entrou fácil para minha listinha imaginária dos melhores álbuns de todos os tempos. Posso até apontar destaques, como "Carry on…", "Magnum Opus" e minha favorita de toda a carreira da banda, "The Wall", mas TODAS as canções são ótimas. Nota 10.

    2. Kansas é progressivo sim, e nada dessas bobajadas de prog-related e afins. Desde quando precisa seguir alguma linha ou escola para se enquadrar no rótulo? Isso vai justamente contra os princípios desse gênero onde a liberdade é a principal característica.

    3. Eu disse que o Mairon foi ousado, e ele mesmo tem noção disso, como está explícito nos primeiros parágrafos. Kansas é o tipo da banda da qual "pega bem" falar mal, assim como o Styx, apenas para citar outro exemplo. A partir disso, o que tem de gente que não ouviu e não gostou não é mole, dado que os críticos muderninhos descem a lenha nos caras.

    4. Até o "Audio-Visions" a banda fez bonito. Ou dá pra ignorar um álbum com no mínimo três canções ótimas, "Hold On", "No One Together" e "Relentless"?

  6. bah Diogo, o Wooden Knickel é outra bandaça. Os primeiros 6 discos deles são excelentes (para quem não sabe, estou falando do STYX). Tem uma faixa do Styx que é mais que certo que vai entrar aqui no maravilhas.

    E valeu a correção, apenas entenda Misteries and Mayhem como Miracles Out of Nowhere. Pensei numa e escrevi outra acabou passando. Eu não acho o Audio Visions tão bom, mas tenho um certo carinho pelos discos com o Morse. O problema mesmo para mim foi o Drastic Measures. as medidas drásticas que eles tomaram não foram as melhores, e acabaram rendendo um disco fraco

  7. Mairon, Wooden Nickel é a gravadora que lançou os primeiros álbuns do Styx, por isso a expressão está tão presente quando nos referimos aos discos dessa época.

    Eu acho que o Kansas tem sim coisa boa após o "Audio Visions", mas em menor quantidade por disco. Mesmo a fase com JohnElefante tem coisas muito interessantes. Adoro "Fight Fire With Fire", por exemplo, mas em se tratando desse gênero, eles são uma banda de segunda linha, assim como o Asia, que contava com grande músicos, mas nunca chegou perto das verdadeiras grandes bandas de AOR, como o Journey, o Foreigner e o Survivor.

  8. Peraí…
    O Asia é sim uma PUTA banda AOR. Os primeiros dois albuns são clássicos e são muito bons sim. Muita gente não gosta do Asia por que dizem que era desperdício de talentos, mas cara vamos ser sinceros. Eles teriam feito alguma diferença no prog em meados de 1982? Certamente a idéia era mudar mesmo.
    Sobre o Styx…temos que fazer alguma coisa aqui no blog por essa banda. Discografia comentada, podcast ou algo do tipo "para conhecer"…

  9. Sim Diogo, o Wooden Knickel era a gravadora. O fato é que muitos não acreditavam que o nome da banda era Styx, e assim, costuma-se chamar até hoje a fase inicial da banda de Wooden Knickel por causa dos dois maravilhosos álbuns.

    Também concordo com o Fernando em relação ao Asia. Os caras nasceram para ser AOR, e fizeram isso muito bem feito na minha opinião. Os discos com o Steve Howe são ótimos (diferentemente do que aconteceu com o GTR, que é uma bomba) dentro do gênero, e a unica banda na minha opinião que fez algo PROG de verdade na década de 80 vai estar no próximo maravilhas para vcs me jogarem as pedras.

    Fernando, um discografia comentada do Styx acho q seria muito extenso, é disco demais, mas um podcast é bem vindo, e ja vou adicionar a lista (esse ano pelo menos tem podcast garantido, hehehe). E o Styx tb lançou umas coisas bem AOR, mas eu gosto do Kilroy e principalmente do Paradise. Nada que se compare aos dois primeiros ou ao Serpent, mas é bom mesmo assim.

    Vou fazer um texto sobre o DVD do Styx com orquestra para a próxima quinta. Me deu vontade de ver aquilo de novo!

  10. Olha pessoal, eu até acho que rola uma discografia comentada do Styx sim, mas teria que ser em duas partes, pois ela é um tanto extensa. Até me candidato a fazê-la caso alguém não ache que consiga, mas antes preciso explorar melhor os discos do "Edge of the Century" para a frente.

    Pelo visto tenho opiniões diferentes do Mairon e do Fernando quando se trata de AOR, mas beleza, hehe… aliás, logo entra no ar uma coluna nova sobre esse gênero, para o ódio dos detratores e deleite dos bregas como eu, hahahaha…

  11. Li o post reouvindo essa faixa que nunca me prendeu taaaaanto assim a atenção. Foi uma boa experiência, mas continuo sem achar que essa música seja o 'magnum opus' do Kansas.
    Deles eu só conheço bem o Leftoverture e o Song for America, e um pouco do Poin of Know Return, mas posso dizer que "Cheyenne Anthem" é uma das melhores músicas feitas por uma banda progressiva! É daquelas que sempre pego pra ouvir quando canso de ouvir coisa nova.. xD
    Em segundo lugar, eu coloco "The Wall", citada pelo Diogo, que não é tão prog mas é fodônica!

  12. Pra quem gosta da fase AOR do Kansas (eu pelo menos gosto de todas), está sendo relançado o primeiro disco com o Jonh Elefante no vocal ("Vinyl Confessions", de 1982). Não sei porque cargas d´agua todos os discos do Kansas estão em catálogo, menos esse, até agora. Ok, um disco um tanto quanto comercial (vide "Play the Game Tonight"), mas fica aí a dica para os fãs da banda, como é o meu caso.

  13. Eu também curto todas as fases do Kansas, e, mesmo sendo um grande entusiasta de AOR, não sou fã dos discos com John Elefante. Sem dúvida existe bom material, eu, por exemplo, adoro "Fight Fire With Fire", mas passa longe da exuberância do álbum "Leftoverture".

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