Lista – 1969 em discos: por Ronaldo Rodrigues

Lista – 1969 em discos: por Ronaldo Rodrigues

Por Ronaldo Rodrigues

Listas de álbuns favoritos são uns dos assuntos mais disputados quando se trata de música. Não à toa, textos com listas são algumas das publicações mais populares do nosso site em relação a cliques e comentários.

Para fazer um retrospecto aos leitores que nos acompanham há menos tempo, durante cerca de 2 anos fizemos mensalmente listas de melhores discos, de 1963 em diante. O trabalho foi árduo mas bastante gratificante e repleto de histórias engraçadas. Infelizmente, a maior parte desse material se perdeu por incompetência do UOL Host, o servidor de nosso site na ocasião, que foi devidamente processado judicialmente por nós.

Posteriormente, entre 2016 e 2017, fizemos um novo movimento de publicações deste tipo, em que cada um dos colaboradores elaboraria uma lista geral incluindo “aqueles que faltaram”. Mas ainda sim, continuamos sentindo saudades das listas!

Num bate-papo entre os redatores do site, surgiu a ideia de resgatar esse tipo de texto, principalmente para fazer justiça a tantos e tantos discos incríveis que nenhuma lista de apenas 10 álbuns (ou mesmo duas listas de 10) seria(m) capaz(es) de contemplar. Aproveitando que estamos em 2019, a ideia foi resgatar mais uma leva dos mais incríveis álbuns que estão completando 30, 40 ou 50 anos de lançados.

Adotando este critério, os leitores verão pipocar textos com listas de álbuns valiosos de 1969, 1979 e 1989. Vamos começar por 1969.

Fim de década sempre representou época de transformação na música. No fim dos 50, o rock começou a tomar vida própria e deixar de ser apenas uma versão acelerada do blues. No fim dos 60, o rock virou um grande conceito no qual cabia uma incomparável ecleticidade de formas, sonoridades e abordagens musicais. A chegada do homem à lua foi bastante simbólica, já que para o rock parecia não haver mais limites ou fronteiras. Havia Beatles e Rolling Stones como as grandes referências de música jovem, mas cujo trono começava a ser desbancado pelo Led Zeppelin. Havia ainda viva a explosão elétrica de Jimi Hendrix e todo o movimento do blues-rock britânico, que gestou parte do hard/heavy rock da década seguinte. Havia psicodelia aos borbotões no EUA, Bob Dylan e uma fartura de folk de altíssima qualidade; o funk e o soul se sofisticaram e adquiriram uma potente popularidade, assim como as fusões
com o jazz tomavam corpo. Tudo isso e muito mais era (ou poderia ser) rock.

Na lista de melhores, feita por votação coletiva dos nossos redatores na época, os seguintes clássicos foram elegidos (em ordem de votação)

1) King Crimson – In the Court of Crimson King
2) The Who – Tommy
3) Led Zeppelin – II
4) Beatles – Abbey Road
5) Rolling Stones – Let it Bleed
6) Neil Young – Everybody Know this is Nowhere
7) Led Zeppelin – Led Zeppelin
8) Blind Faith – Blind Faith
9) David Bowie – David Bowie
10) Santana – Santana

Em minha lista de melhores álbuns que não constaram das listas gerais (veja aqui), citei ainda a estréia homônima de Crosby Stills & Nash, Mountain (Leslie West) e Valentyne Suite (Colosseum), os três lançados em 1969. Abaixo então, cito e comento outros 10 incríveis anos de 50 anos atrás:


Creedence Clearwater Revival – Green River

Difícil falar de uma banda que lançou nada menos que 3 álbuns maravilhosos no mesmo ano e foi uma verdadeira linha de produção de hits e clássicos do rock de raíz americano. Algo semelhante só poderia ser feito por Beatles e Rolling Stones. Com estes é que o CCR deve ser comparado. Poderíamos escolher até outro dos discos do CCR lançados em 1969, mas por questões particulares entrou Green River nessa lista, que já começa com as sensacionais guitarras e o eco radiofônico na voz do genial John Fogerty. Outros rocks rurais venenosos e absurdamente cativantes se seguem, quando não interrompidos por uma balada linda e tocante como “Wrote a song for everyone” ou canções country eficazes como “Bad Moon Rising” e a maravilhosa “Lodi”.


Jehtro Tull – Stand Up

A blenda blues-jazz apresentada no primeiro álbum do Jethro Tull foi banhada com novas tintas em Stand Up e representam um incomensurável acerto na carreira da banda. Trazendo referências do folk e da música étnica, as linhas vocais de Ian Anderson e a guitarra inteligente de Martin Barre tornaram o som do Jethro Tull totalmente original. Somando isso temos a poderosa cozinha da banda na época (Clive Bunker e Glenn Cornick) concretizando a receita para um trabalho rico em musicalidade e intensidade. Nada se parecia com o Jethro Tull de Stand Up na ocasião e isso ajudou a banda a cavar um espaço muito próprio para si, o que já vinha acontecendo desde sua estréia com relação a presença da flauta. Poucos grupos eletrificaram o folk com tanta qualidade com o Jethro Tull e esse tipo de fusão, ainda muito embrionária nessa época, é que gestaria o rock progressivo.


Tony Williams Lifetime – Emergency

Álbum que reuniu três geniais e virtuosos músicos – Tony Williams, baterista e líder da parada, John McLaughin, guitarrista, e Larry Young, organista. Todos da seara do jazz e dois deles pupilos de Miles Davis. Ou seja: credencial de sobra. Assim como o hard rock teve vários “pais e mães”, o mesmo aconteceu com o jazz rock/fusion. Eis aqui um dos álbuns cuja paternidade para o que veio pela frente é inconteste. A violência dos primeiros segundos de execução do álbum já nos mostram que estamos de algo ainda hoje soa surpreendentemente fresco. Jazz virtuoso e com uma pegada atípica para o estilo é a tônica do álbum, do qual é difícil destacar algo, já que tudo é soberbo e absolutamente intenso. Três coisas ainda hoje colocam esse álbum como algo distinto no panorama do jazz-rock – a presença do Hammond (que foi um teclado pouco usado por grupos fusion), a ausência do baixo (Young completava alguns graves com o próprio Hammond) e de músicas com vocais.


Steppenwolf – Monster

Apesar de terem passado para a posterioridade com o mega-hit “Born to be Wild”, faixa que ajudou a cunhar o hard rock no fim dos anos 60, o Steppenwolf vai bem além dessa canção, tenho um punhado de álbuns consistentes e de grande qualidade. O grupo capitaneado pelo competente vocalista John Kay passeou pela psicodelia, mas sua base sempre foi o blues e rock n’ roll. Monster é um de seus principais álbuns, no qual fica cristalizada boa parte da essência do rock americano do período – guitarras ardidas, boas composições e aquele ar ao mesmo tempo inconformado (o álbum tem várias pinçadas políticas) e alheio a tudo. Tudo embalado em grooves suculentos e com precisas intervenções de teclados e gaitas. Diversão e qualidade musical sendo aliadas em uma parceria de sucesso. A faixa título que abre o álbum, é uma  espécie de suíte de mais de 9 minutos, e uma das músicas mais emblemáticas do período.


Sly and The Family Stone – Stand!

Stand! é um avanço dentro da musicalidade do funk norte-americano, no qual uma intensa preocupação melódica oriunda do soul encontrou-se com o poderio de uma banda interracial da pesada. Os pequenos detalhes nos arranjos (palmas, percussões, backing vocals, gaitas, sopros) e na sonoridade (efeitos de guitarra, baixo e teclados) fizeram com que o grupo saísse do esquemão repetitivo do funk que se praticava no período, ao que alguns até batizaram como “progressivo”. Toda essa usina sonora não teria o êxito que obteve se não tivesse como combustível composições excelentes e certeiras como a faixa título, “I Want to Take you Higher” e “Everyday People”.


Ten Years After – Ssssh

Visceralidade é o que define o lançamento do Ten Years After em 1969. A guitarra afiadíssima de Alvin Lee berra movida a licks ligeiros de blues e a base da banda é de primeira grandeza. É um disco empolgante e que retrata com clareza as metamorfoses no rock pesado que dominaria os primeiros anos da década de 70. Ainda por cima mantem a fleuma suja oriunda do blues-rock psicodélico de grupos como o Canned Heat ou os Amboy Dukes. Especialmente pela sonoridade pouco polida, retrata bem que tipo de som estava ficando na década de 60 e as luzes que estavam sendo lançadas para o que tomaria seu lugar.


Frank Zappa – Hot Rats

Inovador em larga dose, Hot Rats é outro pilar do jazz rock. Não só a estrutura musical veio trazendo novidades coladas de diversos outros estilos, mas também na sonoridade Zappa foi sacando da sua sacola de loucuras. Baseado em um estilo de arranjo da música erudita, os instrumentos entram e saem da música como se fossem parte de um naipe orquestral. O interessante em Hot Rats é que as composições são algo fora do esquema tema-improviso-tema e nem são algo do tipo estrofe-refrão-estrofe-refrão; ou seja, trata-se de algo ainda pouco tentado. Frank Zappa era exímio compositor e um competente guitarrista. Essas qualidades somadas a sua ousadia e senso visionário são as bases que construiram Hot Rats, um trabalho avançado que ainda conserva uma preocupação em estabelecer uma boa comunicação com o ouvinte. Os longos solos de guitarra de “Willie the Pimp” são um marco no estilo.


Grand Funk Railroad – Grand Funk (Red Album)

Alicerce do rock pesado da virada dos 60’s para os 70’s, o Grand Funk mostrou como os power trios deveriam se comportar pós-Cream e Jimi Hendrix Experience – bateria e baixo o mais pesados e sólidos possíveis com a guitarra voando e vocais agudos brotando das caixas de som. Eis aí a fórmula do Grand Funk – canções simples e eficientes, instrumentação de respeito e vocais azeitados. Seu segundo álbum tem o baixo de Mel Schacher chacolhando a casa e a guitarra de Mark Farner estalando um rock vibrante e ao que nenhum rockeiro ficaria indiferente. Ainda que a descrição possa soar genérica, o som do GFR é único justamente por sua simplicidade e a vibração que emana.


Chicago Transit Authority – Chicago Transit Authority

O Chicago é sem sombra de dúvidas uma das bandas mais produtivas da história: em um intervalo de menos de 3 anos (1969 – 1971), gravaram e lançaram 3 álbuns duplos! E o melhor de tudo é que são 3 ótimos álbuns, aos quais se atribui a gênese do estilo brass-rock (rock com naipe de metais) e uma substantiva contribuição ao desenvolvimento
do jazz-rock. O Chicago (nessa época ainda como Chicago Transit Authority) era um combo numeroso de músicos experientes que se juntaram para fazer uma coisa que hoje chamamos genericamente de “sonzeira”. No álbum é possível ouvir arranjos elaborados, mudanças de andamento e compasso, solos instrumentais dos mais variados, ótimas linhas vocais e backing vocals caprichados, tudo com uma fluidez e uma naturalidade que só saem
de músicos de altíssima qualidade. O guitarrista Terry Kath é um dos principais destaques do grupo, pela interpretação poderosa, e arrancava frequentes elogios de Jimi Hendrix.


Janis Joplin – I Got Dem Ol’ Kozmic Blues Again Mama!

O disco em que Janis Joplin resolveu voar por si só e abraçou tudo o que havia de saboroso na música americana e estava turvo nas fumaças da psicodelia – soul, funk, blues e folk. Todas as faixas são belas com diferentes belezas – “Try” e “As Good as You’ve Been to this World”, com seu balanço, “Maybe”, “Kozmic Blues” e “Work me Lord” com sua interpretação emotiva e tantas outras passagens com arranjos caprichados e a voz inigualável da garotinha texana incompreendida. Algo mais para ser sentido do que para ser analisado.


Free – Tons of Sobs

Enquanto os Beatles e os Rolling Stones eram a linha de frente do rock/pop inglês, nos bastidores, os freaks e antenados estavam tocando ou curtindo as “traduções” do blues norte-americano. Uma safra farta de grandes músicos sairam desse meio e dentre esses muitos que poderiam ser destacados, a garotada do Free era especial, porque desde o princípio já foram além do blues e o fizeram com uma maestria e um apelo muito original. Paul Rodgers, Paul Kossof e Andy Fraser eram músicos que buscavam uma assinatura própria. Já na estreia em disco, é possível ver o quanto eles soam distintos no prolífico cenário do blues-rock britânico, ao incorporar ideias do soul, do r&b e do folk americano e o fazê-lo com um vigor invejável, sem deixar de soar com classe e elegância.
Um disco que conta com faixas como “Walk in my Shadow”, “I’m a Mover”, “The Hunter” e “Sweet Tooth” não deve ser preterido por ninguém.

7 comentários sobre “Lista – 1969 em discos: por Ronaldo Rodrigues

    1. De questionável aí só a experiência soul de Janis Joplin que resultou num disco infeliz. O resto só o “crème de la crème” do pop de 69!

  1. Texto ótimo.Escolha meia boca do grupo.Desculpem..Vivi bem a época e estes LPS que cito abaixo eram os que realmente rodavam a toda!!!
    LED ZEPPELIN- III e IV (estes são sacramentados até por Page & Plant)
    THE WHO- Who’s next de longe o melhor e mais falado da banda!
    DEEP PURPLE-Machine Head
    THE GUESS WHO-American Woman
    CREEDENCE-bayou Country
    BEATLES-Sgt.Peppers
    GRAND FUNK-Pluribus Funk
    BLACK SABBATH-Vol.IV
    YES-Yes Album
    GENESIS-Foxtrot

    Lógico que acrescentaria porradas de coisas como Pink Floyd/Gentle Giant/Van Der Graaf/ Sweet/Gary Glitter/Tangerine Dream/etc…etc…mas em 10 estes eram os realmente mais rodados….

      1. Esse Guess Who é realmente maravilhoso demais, Amyr. Fosse de 1969, com certeza entraria, mas saiu no ano seguinte. O de 69, Canned Wheat tb é ótimo. Obrigado pelo comentário! abraço!

  2. 69 é tão foda mas tão foda que virou até posição sexual … Na minha lista de Melhores que faltaram adicionei o Volunteers (Jeferson Airplane) e o I’ Got Dem que o Ronaldo cita aqui. Mas teriam muito mais … Ótimas indicações Ronaldo!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.