Discografias Comentadas: Colosseum

Discografias Comentadas: Colosseum

Por Ronaldo Rodrigues

 

No último dia 12 de junho, o mundo da música assistiu a triste partida de Jon Hiseman aos 73 anos de idade, vítima de câncer no cérebro. Tempos atrás, este grande baterista foi pauta da nossa seção “Cinco Discos para Conhecer” (vide texto completo aqui), no qual passeamos por diversas fases de sua carreira. A história da banda foi também contada aqui na Consultoria do Rock pela caneta mágica de Marco Gaspari, um texto de leitura obrigatória! (leia aqui). Hiseman consolidou sua fama e reconhecimento sendo o líder de um cometa que passou pelo rock do fim dos anos 60, o Colosseum. Foram 3 anos de atividade intensa com o Colosseum – 4 discos gravados, centenas de apresentações em diversos países, aparições frequentes em grandes festivais ao ar livre e um legado musical dos mais influentes. Apesar do fim precoce, a banda retornou nos anos 90 e de lá pra cá foram mais 4 álbuns e muitos shows.  Agora é hora de dissecarmos a obra discográfica desta grande banda, que contou em seus quadros com alguns dos mais celebrados músicos britânicos dos 60’s e 70’s.

 

Those Who Are About to Die We Salute You [1969]

O título do disco repete o bordão que era dito nas apresentações dos gladiadores na Roma Antiga. O disco começa e o duelo entre os instrumentos já é emocionante logo de cara. O Colosseum coloca todas as cartas na mesa em seu primeiro disco. Ali há blues, r&b e lambiscadas de jazz como muitos outros faziam no período, mas com um DNA único e um corpo de músicos de primeira ordem. Essa fartura de talento instrumental permitiu a banda criar uma assinatura própria de imediato e ser referência para muitos outros grupos. “Walking in the Park” é um empolgante blues-rock com um instrumental arrasador; “Plenty Hard Luck”, na sequência, traz novidade aos onipresentes 12 compassos do blues, com a guitarra envolvente e os vocais possantes de James Litherland, junto da bateria magnânima de Jon Hiseman, o verdadeiro maestro deste supergrupo. “Mandarin” dá um rasante na psicodelia sessentista, como se fosse o equivalente ao Cream em “We’re Going Wrong” com um fantástico solo de baixo de Tony Reeves, algo ainda bastante incomum em 1969. “Debut” dá um sabor diferente ao r&b britânico e “The Road She Walked Before” é pura elegância. Litherland e Heckstall-Smith dão um show a parte em “Backwater Blues” e “Those About to Die” é o grande momento do disco para Dave Greenslade pilotar seu Hammond.

1. Walking in the Park
2. Plenty Hard Luck
3. Mandarin
4. Debut
5. Beware the Ides of March
6. The Road She Walked Before
7. Backwater Blues
8. Those About to Die


Valentyne Suite [1969]

Confirmando toda a empolgação do público quanto a sua estreia, em poucos meses o Colosseum voltaria em disco, ainda mais inovador e ousado. “The Kettle” é um heavy rock refinadíssimo, com James Litherland humilhando o wah-wah, Tony Reeves arrotando distorção e Jon Hiseman tocando como se tivesse 4 braços. “Buty’s Blues” é um blues chapado e “The Machine Demands a Sacrifice” é certeira em melodia. O lado B do disco é ocupado com uma enorme suíte, que traz uma grande contribuição para o desenvolvimento de todas aquelas experiências batizadas como “art-rock”, que gestariam o rock progressivo. Contando com muitas alternâncias de andamento e compasso, “Valentyne Suite”, a faixa título, é repleta de surpresas, com a sonoridade exótica do vibrafone alternada entre o Hammond e o piano acústico executados magistralmente por Dave Greenslade, que faz inserções de música sinfônica e improvisações jazzy com muita fluência. O coro na seção central da música traz a dramaticidade tão comum a esse tipo de som; a guitarra de Litherland e o baixo cavernoso de Reeves trazem um ar misterioso para os trechos finais da obra. O álbum seria lançado nos EUA poucos meses depois contendo a mesma capa mas um nome diferente (The Grass is Greener) e um tracklist diferenciado. Na época de seu lançamento, a banda já contava com Dave Clempson na guitarra e vocais. As faixas inéditas “Jumping off the Sun” e “Lost Angeles” exploram a mesma veia de “The Kettle” e são psicodélicas até o osso. A banda incluiu uma versão para “Rope Leader to the Moon”, de Jack Bruce, em versão melhor que a do autor. Para fechar a versão americana, inclui-se o trecho final da suíte “Valentyne Suite”, batizado como “The Grass Is Always Greener”.

1. The Kettle
2. Elegy
3. Butty’s Blues
4. The Machine Demands a Sacrifice
5. The Valentyne Suite
i. January’s Search
ii. February’s Valentyne
iii. The Grass is Always Greener…


Daughter of Time [1970]

O ritmo da banda era frenético, com participações frequentes em festivais ao ar livre por toda a Europa e apresentações concorridíssimas. Além do ingresso de Dave Clempson (ex-Bakerloo e futuro Humble Pie), a banda permaneceu firme com Hiseman, Greenslade e Hackestall-Smith. Os vocais foram assumidos com exclusividade por Chris Farlowe, um frontman bastante celebrado no período. O baixo seria assumido por Mark Clarke, mas o disco também contou com a participação de Louis Cennamo (futuro Renaissance, Steamhammer e Armaggedon). Participaram também a flautista Barbara Thompson e uma série de outros músicos convidados para compor os naipes de metais e cordas presentes no disco. Daughter of Time é o lançamento mais pomposo da banda. Dave Greenslade prioriza igualmente o piano acústico junto do Hammond, a bateria de Hiseman é embebida integralmente no jazz e a guitarra de Clempson tem papel mais discreto, apesar de sempre certeira quando acionada, como no caso da faixa título. Chris Farlowe se derrete para interpretar outra canção do parceiro Jack Bruce, “Theme from an Imaginary Western”. “Downhill and Shadows” vem para lembrar a todos que o Colosseum tem sua base no blues e “Take me Back to Doomsday” é uma das mais emblemáticas canções do grupo, com pegada e sofisticação.

1. Three Score and Ten, Amen
2. Time Lament
3. Take Me Back to Doomsday
4. The Daughter of Time
5. Theme for an Imaginary Western
6. Bring Out Your Dead
7. Downhill and Shadows
8. The Time Machine


Live [1971]

Este disco (duplo em LP) seria a despedida prematura da banda em sua primeira fase e, não à toa, mostraria que o palco era o habitat natural do Colosseum. Gravado em Brighton, Inglaterra, registra de forma poderosa a verdadeira identidade da banda e suas miraculosas fusões entre blues, jazz e rock n’ roll. O álbum é tão possante e rico, que o ouvinte pode escolher livremente o que destacar – o solo incrível do Hammond de Greenslade em “Rope Ladder to the Moon”, ou a performance irretocável de Clempson em “Walking the Park” ou os improvisos vocais de Farlowe nela; se quer o trecho solo de Hackestall-Smith em “Tanglewood ’63” ou a demolição promovida por Jon Hiseman indistantemente ao longo de todo os loucos minutos desse disco. Uma das encores do álbum fica com outro blues maravilhoso, a chorosa “Stormy Monday”, que nas mãos do Colosseum vira pura luxúria.

1. Rope Ladder to the Moon
2. Walking in the Park
3. Skelington
4. Tanglewood ’63
5. Encore … Stormy Monday Blues
6. Lost Angeles


The Reunion Concerts 1994 [1995]

23 anos separaram o Colosseum dos palcos, mas a volta da turma é repleta de garra e intensidade. O álbum lançado no ano seguinte ao retorno do grupo capta performances realizadas na Alemanha. As rugas chegaram e a calvície apareceu, mas a musicalidade colossiana permaneceu intacta. Com extrema fidelidade ao repertório da época de sua fundação, a banda passeia pelos momentos mais marcantes de sua discografia. Greenslade volta com um poderoso órgão Hammond, Clemson com a elegância de outrora em sua Gibson Les Paul e Farlowe com agudos intactos e maravilhosa interpretação. Hiseman, soberbo na bateria, apresenta todos os seus dotes em “Valentyne Suite”, repleta de improvisações de guitarra e baixo. Quando você escuta a plateia aplaudindo a banda antes do término da música (e isso acontece em várias músicas deste disco), já percebe que o bicho pegou pra valer. A repercussão positiva destes shows motivaram a banda a tornar perene o retorno e trabalhar em material inédito.

1. Those About to Die …
2. Elegy
3. The Valentyne Suite
4. Theme for an Imaginary Western
5. The Machine Demands Another Sacrifice
6. Solo Colonia
7. Lost Angeles
8. Stormy Monday Blues


Bread & Circuses [1997]

Antes de tudo é bastante importante destacar dois aspectos principais sobre esta volta tardia do Colosseum aos estúdios: trata-se de um disco que reuniu o mesmo line-up que a banda tinha quando encerrou suas atividades em 1971 e, sobretudo, é um bom disco. A banda executa um blues-rock muito vigoroso e com suas tintas jazzistas características, com bastante cuidado a sonoridade (bateria, guitarra e teclados estão impecáveis). Contemporanizada, mas mantendo a identidade. A abertura com “Watching Your Every Move” traz um riff quente da Gibson Les Paul de Dave Clempson e teclados venenosos de Greenslade; a faixa título tem um swing stoneano e “Whenever I Go” é uma balada na qual brilha a bela voz de Chris Farlowe. “The Playground” e “I Could Tell You Tales” relembram os momentos mais introspectivos de Daughter of Time e a instrumental “The One that Got Away” é outro grande destaque.

1. Watching Your Every Move
2. Bread & Circuses
3. Wherever I Go
4. High Time
5. Big Deal
6. The Playground
7. No Pleasin’
8. I Could Tell You Tales
9. Storms Behind the Breeze
10. The One That Got Away (Instr.)
11. The Other Side of the Sky


Tomorrow’s Blues [2003]

Seguindo as mesmas premissas que o disco anterior, o Colosseum emplacaria mais um consistente trabalho em sua discografia. A abertura com a faixa título tem uma levada malandra de Hiseman e uma melodia grudenta. Como o nome pode supor, a vertente blues da banda grita mais forte nesse trabalho com faixas maravilhosas que atendem pelos nome de “Come Right Back”, “In The Heat of the Night” e “Hard Times Rising”. “Arena in the Sun” e “The Net Man” são mais jazzistas e exploratórias, com os teclados de Dave Greenslade e a bateria de Hiseman em destaque. O saxofone de Dick Hackestall-Smith é efusivo em “Leisure Complex Blues”, cantada por Clempson. Pouco tempo depois do lançamento deste álbum, o saxofonista viria a falecer, mas a banda permaneceu ativa.

1. Tomorrow’s Blues
2. Come Right Back
3. In the Heat of the Night
4. Hard Times Rising
5. Arena in the Sun
6. Thief in the Night
7. Take the Dark Times With the Sun
8. The Net Man
9. Leisure Complex Blues
10. No Demons


Time on Our Side [2014]

A despedida do Colosseum acabou sendo mediana – momentos insossos, algumas partes constrangedoras e poucos momentos realmente marcantes. O saxofone foi assumido por Barbara Thompson, substituta natural para o posto deixado por Dick Heckstall-Smith. O restante do time se manteve – Hiseman, Clarke, Clemson, Greenslade e Farlowe. As duas primeiras faixas (“Safe as Houses” e “Blues to Music”) passam batidas e a coisa começa a crescer em “The Way You Waved Goodbye” apesar da tintura um bocado desbotada em algumas partes. “Dick’s Licks” e “City of Love” são os arranhões que uma discografia como a do Colosseum não mereciam e “Nowhere to be Found” é, em essência, música de elevador. O restante passa do esquecível ao pouco memorável. A versão ao vivo para “Morning Story”, do parceiro Jack Bruce, finaliza bem o álbum.

01 – Safe as Houses
02 – Blues to Music
03 – The Way You Waved Goodbye
04 – Dick’s Licks
05 – City of Love
06 – Nowhere to Be Found
07 – You Just Don’t Get It
08 – New Day
09 – Anno Domini
10 – Morning Story

6 comentários sobre “Discografias Comentadas: Colosseum

  1. Banda fantástica. Num mundo justo, Jon Hiseman teria sido presença constante nas listas dos maiores bateristas de rock de todos os tempos. Colosseum Live é um disco perfeito, apesar de não ser fã de Chris Farlowe.

    1. Com toda a certeza, Marcello! o Hiseman é um cara pra lá de subestimado. Nos anos 70 creio que ele tenha tido o devido reconhecimento, mas nas décadas seguintes ele foi sendo esquecido pela crítica musical. Quanto ao Farlowe, eu gosto dele, mas confesso que tem momentos que acho exagerado…prefiro o Litherland cantando, uma voz boa e um estilo mais sóbrio!
      Obrigado pelo comentário, abraço.

  2. Bandaça do carvalho. Confesso que os dois últimos álbuns me soam intragáveis, mas os anteriores, principalmente os ao vivo, são FUNDAMENTAIS.

    O que me impressiona mais é a galera importante que está aqui. Só nomes fora do comum. Chris Farlowe já era super gabaritado na época, um dos principais vocais de todos os tempos. Valentyne Suite, o disco, é com certeza seu melhor álbum de estúdio.

    Sensacional Ronaldo. Valeu!

    1. Valeu Mairon! ali era “cobra comendo cobra”…só cara sinistro…os dois guitarristas que gravaram com a banda eram muito incríveis, tanto o Clemson quanto o Litherland. Um verdadeiro supergrupo!
      Engraçado que eu gosto dos discos ao vivo (as performances são arrebatadoras), mas prefiro os discos de estúdio, talvez pela qualidade de gravação!
      Abraço,

      1. Isso é verdade. A qualidade de gravação é impecável! Vai vir o Colosseum 2? Outra bandaça, mas essa só no papel. Acho os discos bem meia boca

  3. Chris Farlowe colaborou com outra banda importante, que merece uma discografia comentada: Atomic Rooster.

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