Gene Simmons – The Vault (2018): primeira parte

Gene Simmons – The Vault (2018): primeira parte

Por Davi Pascale

Não é segredo para ninguém que o Kiss possui alguns dos fãs mais dedicados do universo. E não é segredo para nenhum desses fãs que os mascarados possuem inúmeras gravações que nunca viram a luz do dia (ao menos, oficialmente). Parece que, de uns tempos para cá, os mascarados resolveram fazer a alegria de seus fãs. Depois de lançarem a série Kissology com inúmeros shows da cultuada série kissvision, agora, Gene Simmons resolve fazer uma compilação de materiais que ficaram presos em seus arquivos. Bem-vindos ao The Vault.

Se existe uma banda que soube usar o marketing ao seu favor, essa banda é o Kiss. Seja você um fã ou não dos caras, não dá para negar o timbre comercial dos rapazes. E grande parte dessas jogadas saem da cabeça da dupla Stanley/Simmons. Principalmente, do baixista linguarudo. Existem pouquíssimos músicos por aí com a visão de mercado que esses caras têm. A sacada aqui é genial.

Qualquer fã de música que se preze, sabe que a indústria da música está indo ladeira abaixo. Como então, em pleno ano 2018, lançar um box set de 10 CD´s, com acabamento de luxo e fazer com que seus fãs gastem com isso? Gene teve uma sacada. Todo fã sonha em conhecer seu ídolo. O que poderia ser mais emocionante e ter maior valor, para o fã, do que receber o novo trabalho das mãos de seu artista favorito? Pois bem, essa é a jogada do cara.

Gene Simmons reservou um ano para promover seu box (o Kiss volta à excursionar em 2019). Selecionou alguns países e algumas cidades onde se julgava mais popular e resolveu ir até lá entregar o item para seus admiradores. Criou 3 pacotes: The Producer, Home Experience e The Vault Experience. O The Producer foi disponibilizado apenas para os EUA e apenas para quem comprasse na pré venda. Você ouviria 1 hora de músicas presentes no box, em um estúdio de gravação, em companhia do Gene Simmons, depois tiraria um retrato com ele, pegaria autógrafos e teria seu nome nos agradecimentos (daí o motivo de pré-venda apenas). Foram poucas datas disponibilizadas. O Home Experience, o linguarudo iria até sua casa te entregar o box, passaria 2 horas com você, seus amigos e sua família e, é claro, rolaria a sessão de fotos e autógrafos no final. O The Vault Experience é o esquema do velho meet and greet. Rola uma apresentação de 50 minutos (podendo ser um Q&A ou um show acústico, onde quase sempre é acompanhado por um músico ou ex-músico do Kiss), depois recebe um a um para entregar o box, tirar o retrato e assinar os itens da pessoa. Os 3 pacotes são muito legais, sejamos sensatos.

Parte interna do box

Mas o que há de tão especial no box? Simmons deixou claro que gostaria que o produto não fosse apenas um box qualquer e que gostaria que tivesse uma aparência artística. Quando começou a desenvolver esse projeto há 10 anos, tinha pensado no nome Monster. Como todos sabem, esse nome foi utilizado pelo Kiss em seu ultimo álbum e, com isso, a ideia caiu por terra. Sua primeira ideia foi de que box tivesse o formato de uma bigorna, mas achou que seria difícil fazer algo parecer artístico com esse formato. Partiu, então, para outra ideia. Algo relacionado à segurança. Algo que você guarde à sete chaves. E ao apresentar essa ideia para a gravadora, um dos funcionários sugeriu o nome The Vault.

Vault é um termo utilizado pelos norte-americanos para se referir à armazenagens de segurança máxima. É muito utilizado para cofres bancários e a ideia é meio por aí. Daí a razão de você ter o botão onde gira como se estivesse cadastrando um código. Do lado de dentro, temos um livro, com capa aveludada, escrito pelo próprio músico onde ele comenta um pouco da sua trajetória, da ideia para o box, além de comentar música à música de cada um dos CD´s. Desde quando surgiu, onde surgiu, até como foi gravado e acompanhado de quem. Dentro do livro, temos os CD´s. Além disso, vem um action figure exclusivo e a imitação de uma moeda com os dizeres: In Gene We Trust (Em Gene, acreditamos) e  If It´s Too Loud You´re Too Old (Se está muito alto, você está muito velho). Ambas, escritas em latim.

Como queria algo artístico, o acabamento é de primeira. A caixa é no formato de um cofre mesmo, com porta que você abre e fecha. Cada vez que abre a porta, uma luz se acende. E ainda há um compartimento secreto intitulado A Gift From Gene Simmons para você guardar os brindes que recebe do músico. Cada comprador recebe brindes diferentes que, segundo a lenda, são retirados do arquivo pessoal do Gene Simmons. Se isso é verdade ou não, nunca saberemos, mas a ideia é bacana porque faz com que cada box se torne único. Não existem 2 boxes iguais no mundo. No meu caso, recebi: um pôster que acompanhava o press kit do Alive 2 (original de época), o tourbook do Animalize (original de época), um prato 3D, 2 backstage pass, 1 ingresso vip laminado virgem da tour de 2012, um adesivo, um boneco catman daqueles que chacoalham a cabeça, além de uma foto do Gene com autógrafo personalizado.

Sim, bastante brinde, né? A razão disso é que o evento que aconteceria no Brasil foi cancelado pela gravadora, então os fãs daqui receberam brindes extras (a foto é uma delas, já que quem participa do evento recebe a assinatura no topo do cofre). A Warner também se responsabilizou pelo frete internacional e pelo pagamento dos impostos, inclusive alfandegários. Com isso, não tivemos que desembolsar valor extra para recebermos o produto. Ufa!

Mas, afinal, o que vem nos CD´s? Vamos lá. Bem, os principais compositores do Kiss sempre foram Paul Stanley e Gene Simmons (ok, no inicio da carreira tinha o Ace também). Existem 2 tipos de demos, no caso da banda. A demo que a banda fazia para a produção do disco (que são as que existem nos bootlegs espalhados por aí) e as demos que os músicos faziam para apresentar para a banda e produtor, para ver se deveria ou não ser trabalhada para o disco. Segundo palavras do próprio Gene: “Paul chegava com umas 7 ou 8 e eu entre 20 e 40”. Bem, é esse material que deu origem ao box. Não são demos do Kiss e, sim, do Gene Simmons.

Livro com CD encartado

Gene não separou as musicas por ano e sim, por gênero. Segundo o baixista, muitas das músicas que escrevia não eram utilizadas pela banda porque não soavam como Kiss. De todo modo, o material dos dois primeiros discos são formados por canções que mais se aproximam da sonoridade da banda.

“Are You Ready” foi gravada por ele, Eric Singer e Tommy Thayer. Não foi escrita para nenhum álbum em particular. Simplesmente teve a ideia e decidiu registra-la. Hard rock de primeira que poderia estar em álbum como o Revenge ou até mesmo o Monster. “Turn to Stone” vem na sequencia e é mais um destaque com uma ótima melodia e um riff de guitarra àla ZZ Top. “Juliet” é uma parceria com o musico Ken Tamplin e chegou a ser cogitada para o álbum Revenge. Faixa bacaninha, mas realmente estava abaixo das composições que foram para o disco. “Hey You” é mais uma parceria com Tamplin. Mais interessante que a anterior, mas soaria mais empolgante se tivessem gravado a demo com um baterista e não com uma bateria programada.

É claro que algumas músicas que ele escreveu para o Kiss aparecem aqui em sua primeira versão. A primeira a surgir no box é “I Confess”, utilizada no disco Carnival of Souls. Algo muito bacana de ter o box original em mãos é que no livro ele conta a historia das músicas e o real significado de suas letras.  “Para quem um padre se confessa? Essa musica é sobre um padre católico que não consegue dormir. Ele escuta a confissão de todas aquelas pessoas, mas não tem ninguém para ouvi-lo, para conversar sobre seus problemas. Essa é a ideia da musica”. “Legends Never Die” também é conhecida por seus fãs de carteirinha. A música chegou a ser cogitada para o álbum Creatures of The Night, mas foi deixada de lado. A cantora Wendy O Williams (Plasmatics) chegou a gravá-la em seu álbum solo, produzido por Gene. Aqui temos a versão cantada por Simmons. Ficou muito legal! “Something Wicked This Way Comes” foi gravada por Doro Pesch (Warlock) e aqui temos também na voz de Gene. Versão simplesmente matadora.

“Hand of Fate” é uma das faixas reprovadas para o álbum Sonic Boom. Registrada por Gene, Tommy e Eric em uma sala de ensaio, sem overdubs. Boa faixa, com um ótimo riff e um ótimo solo de guitarra. “Hunger” é uma faixa perdida, escrita em 1987, e registrada ao lado de Bruce Kulick e Eric Carr. Canção bacana e bem rock n roll. “In My Head” é mais uma que foi utilizada em Carnival of Souls. Para o musico, a versão do disco não captou a essência e diz preferir a demo apresentada aqui à versão que saiu no trabalho oficial. Embora seja pesada, com uma vibe meio Alice in Chains, Gene queria uma referencia de Beatles e encontrou isso ao gravar o som do ximbal ao contrário (técnica de gravação que os rapazes de Liverpool utilizaram bastante na sua fase mais psicodélica). A faixa “Carnival of Souls” acabou não entrando no disco de 97, mas mantém a pegada moderna. Curiosamente, o musico revela que o riff inicial nasceu inspirado em uma obscura banda de LA chamada Love, que nada tem a ver com essa sonoridade. Anos mais tarde, acabou utilizando em seu disco Asshole.

“Are You Boy Or Are You a Girl” é mais uma que foi abandonada. Ao seu lado, estão Eric Carr e Tommy Thayer (sim, a parceria vem dessa época). A faixa não foi terminada e o refrão está em formato scat vocals (quando o músico cantarola a melodia). Uma pena porque era muito boa. Bem rock n roll, excelente riff. A ideia veio de uma zoação. Quando os rapazes começaram a deixar seus cabelos a crescer nos anos 60, era batata ouvirem: “Corte isso. Você é um garoto ou uma garota?” A ideia da letra veio daí. “Say You Don´t Want It” e “Mongoloid Man” são a mesma música com letras diferentes. A primeira registrada em 2001, a outra em 1979. A versão dos anos 70 acaba sendo mais interessante por contar com um solo de guitarra do Joe Perry (Aerosmith). O primeiro disco se encerra com “I Wait”. Uma parceria de Gene com Darren Leader, baterista do Steel Panther. Gene escreveu a ponte e o refrão. Com clara referência de Beatles, é uma das melhores faixas desse primeiro disco.

Box + Brindes

O segundo CD abre com “Weapons”. Uma faixa rejeitada para o álbum Psycho Circus que Gene acabou utilizando em Asshole com o nome de “Weapons of Mass Destruction”. Os riffs foram inspirados em Marilyn Manson (artista em grande destaque na época). “Weapons (Power To Raise The Dead)” é a mesma canção, mas aqui registrada com Ace. Gene ofereceu para Ace canta-la no Psycho Circus. Frehley gostou da musica, mas disse que gostaria de fazer algumas alterações. Essa é a versão de Ace Frehley, com o spaceman nos vocais. Nova melodia vocal, novas letras. As guitarras ficaram por conta de Bruce Kulick, os baixos por Gene Simmons e a bateria com Eric Singer. “Hate” vem na sequencia. Mais uma das canções utilizadas em Carnival of Souls. “Todo mundo tem um lado sombrio. A ideia dos dez mandamentos e das criações de Deus é simplesmente para controlar nossa escuridão. Caso contrário, ninguém seria punido por ter agido mal. Se o homem das cavernas quisesse matar alguém, não iria te falar sobre seus sentimentos. Iria simplesmente matá-lo”. A ideia da letra nasce daí. Do mau que há dentro de cada um de nós.

Depois de mais uma versão de “Carnival of Souls”, entra “Master of Flesh”, uma musica que Gene literalmente comprou de Jon Montgomery. Simmons admite que é uma das musicas que gostaria de ter escrito. Ele ouviu a canção em uma apresentação que o rapaz fez com sua banda em Nova Iorque e abriu o jogo para o garoto. “Sua banda é ótima, mas acho que não vai acontecer porque o cenário está mudando, mas gostei de “Master of The Flesh” e gostaria de ter os direitos dela. Te pago em dinheiro”. O rapaz vendeu e Gene fez a demo. Sim, o nome do rapaz está creditado sozinho na autoria da composição. Simmons não omitiu o nome do autor e nem adicionou o dele. Trata-se de uma balada voz/violão bonitinha, mas não é minha favorita do disco.

“Heavy Rain” foi gravada por Gene e Bruce Kulick. Os dois gravaram todos os instrumentos. Faixa pesada, com um bom riff. “Within” foi utilizada em Psycho Circus. A demo contava com Gene, Bruce e Eric Singer. Mais uma vez, se inspira nos Beatles. Inclui solos de guitarra gravados ao contrario de fundo nos versos, fora a ideia inicial da letra. “Minha referência foi Lennon. ‘Cry without tears… sleep without dreams’, frases bem no espírito de Lennon”. A letra ainda não estava terminada e ainda continha alguns scats. O refrão ainda não existia e a bateria era bem diferente. Tinha um ‘q’ de psicodelia. “In Your Face” é mais uma do disco de 98 e aqui temos duas versões. A primeira é a versão inicial com Gene em todos os instrumentos. A segunda é a versão com Ace. Mais uma vez, spaceman pegou a musica e deu sua cara. Acho a versão com Ace melhor.

“Rain #2” foi criada em cima de uma faixa chamada “Rain Keeps Falling Down”. Uma de suas faixas abandonadas. Mais uma vez, tentou emplacar no disco Psycho Circus, sem sucesso. A ideia era bacana, o refrão é bem legal, mas o arranjo ainda soava meio bagunçado, na minha opinião. “I Wanna Live” é uma das primeiras composições que Gene escreveu ao lado de Vinnie Vincent, ainda na época de Creatures of the Night. A demo é Gene, Vinnie e o baterista do Silent Rage. Vale pela curiosidade, mas ainda acho o material que entrou no Creatures e no Lick It Up mais forte.

Foto autografada

“If Its Too Hot, You´re Too Cold” é mais uma registrada com o auxilio do Silent Rage. Anos mais tarde, essa musica foi dividida em 2 canções. Os versos viraram “Eat Your Heart Out” (Monster) e o refrão virou “Hot & Cold” (Sonic Boom). “Rain Keeps Falling” é a versão original de “Rain #2” e, mais uma vez, conta com o Silent Rage por trás. O refrão é bem bacana e remete ao Kiss fase Hot In The Shade.

“Bells of Freedom” foi mais uma das faixas negadas pelo Kiss por não ter o jeitão da banda. Gene admite que criou a sequencia de acordes inspirado em “Baba O´ Riley” (The Who). Segundo explica, trata-se de uma homenagem ao Pete Townshend. Honestamente, não achei que ela soe como The Who, mas é uma pena que tenha sido rejeitada já que a composição é bem forte. E não acho a sonoridade tão distante de Kiss, não. Acho que caberia em um álbum como Hot In The Shade fácil, fácil.

Como já deixei claro no inicio do texto. O material dos discos é criado através de demos de diferentes fases. A qualidade de som varia, mas não há nada inaudível. Como já deu para sacar, para quem é fã, o box é uma preciosidade. Encerrarei o texto por aqui, para não ficar muito extenso, e em alguns dias retorno com a segunda parte, comentando a partir do disco 3.

13 comentários sobre “Gene Simmons – The Vault (2018): primeira parte

  1. Mas que material incrível Davi. Imagino a frustração por não ter recebido direto das mãos de Gene, mas que o material é incrível, é. Como foi essa frustração? E não vai ter oportunidade de rolar um contato com o cara?

    1. Oi, Mairon. Ah… Dá uma frustrada porque você fica na espera do evento, né? É que nem quando cancelam o show que você estava esperando e está com o ingresso em mãos. hehehe

      Comprei o material em Outubro, o evento ocorreria em Maio e a gravadora cancelou em Março, depois de já ter enviado o pre-kit (estarei comentando sobre o que vem no pre-kit na segunda parte). Então, a galera já estava a milhão….

      Infelizmente, não. Bom, eu já conheci o Gene Simmons, de toda forma. A gravadora me deu a opção de ir retirar com ele em outra cidade. No nosso caso, seria outro país. A maioria nos Estados Unidos. Algumas datas na Austrália, se não me engano. Mas o custo da viagem (hotel, passagem, alimentação, etc) era por minha conta e eu não tenho certeza se eles me enviariam o box. Eu acho que eu teria que trazer o box. E daí eu teria problemas na alfândega. O custo começaria a ficar muito alto, para mim. Então pedi para que me enviassem para casa. Nesse caso, eles cobrem o custo já que foram eles quem cancelaram o evento no país. Me pareceu a melhor opção. A terceira opção seria o cancelamento da compra. Como o evento foi cancelado por eles, você pode pedir o dinheiro de volta, mas como é tudo material inédito, sou fã dele desde criança, isso não vende em lojas e eu já estava na expectativa do material, optei por receber o material.

  2. Eu não sou fã do KISS, tenho apenas o básico da banda e me contento com isso, mas confesso que fiquei com inveja! E eu achando que a box The Vintage Years do Wishbone Ash tinha sido caprichada ao extremo, hehehe…

  3. Cara, que sensacional! Tesouro pro fã! Apesar de não poder encontrar pessoalmente com o cara, acho que você se livrou de um belo custo por não pagar o frete e principalmente os impostos! Seria 60% sobre o que pagou, no mínimo!

    1. Ah, sim, sem dúvidas. Se não bancassem, eu provavelmente iria cancelar a compra. Mas, no fim, deu tudo certo.

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