Maravilhas Do Mundo Prog: O Terço – Suíte [1982]

Maravilhas Do Mundo Prog: O Terço – Suíte [1982]

Por Mairon Machado

Encerrarei hoje, sete de setembro, data especial para o Brasil, as Maravilhas Prog criadas pelo O Terço, uma das maiores bandas que esse país pariu. Não que não existam mais além das que já apresentei (“Amanhecer Total“, “1974“, “Solaris” e esta “Suíte”), mas que daqui, iremos partir para outros mares brasileiros em setembro. Retomando a história, o grupo Terço em 1976 lança Casa Encantada, após um período em um sítio no interior de São Paulo, na “casa encantada” que deu nome ao álbum. Porém, a formação deste disco não avança, já que o vocalista e tecladista Flávio Venturini decide ir gravar junto de Beto Guedes, enquanto Cesar de Mercês retorna definitivamente para o Terço (Cesar havia participado dos dois primeiros discos da banda), e junto com ele apresenta o novo tecladista, Sérgio Kaffa.

O compacto “Amigos”/”Barco de Pedra”

A estreia da nova formação, agora como quinteto (além de Cesar e Kaffa temos Sergio Hinds na guitarra e vocais, Sergio Magrão no baixo e vocais, e Luiz Moreno na bateria e vocais) ocorre no compacto “Amigos”/”Barco de Pedra” e também do álbum Mudança de Tempo, lançado em 1978. Contendo músicas instrumentais e belos arranjos, esse disco completa uma trilogia essencial em qualquer armário de colecionador, destacando o clássico “Gente do Interior”, com um lindo arranjo orquestral de Rogério Duprat, “Terças e Quintas”, que lembra bastante as canções progressivas de bandas como Gentle Giant e PFM, principalmente pelo trabalho de piano feito por Kaffa, com bastante marcações e viradas, a fantástica faixa-título, com dois temas e momentos muito distintos, o primeiro carregado pelo baixo pesadíssimo de Magrão e violões, e o segundo mais ameno, privilegiando solos de violão, piano elétrico e guitarra, a jazzística “Descolada” e a complexa “Hoje É Domingo”, que encerra com chave de ouro esse grande disco.

Anúncio do lançamento de Mudança de Tempo, na revista Pop
Anúncio do lançamento de Mudança de Tempo, na revista Pop

É neste álbum que surge o logotipo que caracteriza a a banda nos anos oitenta e noventa, e que foi criado por Guernot. A capa do álbum também teve duas versões, assim como Criaturas da Noite; uma com o logotipo sobre um fundo azul, e outra com o grupo olhando por uma janela, sendo que a primeira é muito rara. Na divulgação de Mudança de Tempo, O Terço fez os seus primeiros shows internacionais, no chamado Concerto Latinoamericano de Rock. Foram três no Brasil (São Paulo, Campinas e Belo Horizonte) e dois na Argentina (em Buenos Aires, no Luna Park, e em Rosário), sempre acompanhados pela banda Crucis, que vem a ganhar uma homenagem no futuro álbum do O Terço, chamado Time Travellers (1993), com a faixa “Crucis”.

Problemas com a gravadora e também a sensível mudança na sonoridade acabaram abalando as estruturas da banda, bem como um grave acidente com Hinds, que o impossibilitou de continuar a tocar por um bom tempo, sendo substituído para completar a turnê de divulgação do álbum por Ivo de Carvalho. Ao fim da turnê, ainda em 1978, O Terço anunciava seu término. Luiz Moreno montou a banda Original Orquestra e participou do álbum de Elis Regina Ao Vivo, de 1979. Sérgio Magrão fundou, ao lado de Flávio Venturini, Cláudio Venturini, Vermelho e Hely Rodrigues, o super grupo 14 Bis, que estourou no Brasil com sucessos como “Caçador de Mim”, “Todo Azul do Mar”, e as versões fantásticas para “Canção da América” e “Nos Bailes da Vida”, de Milton Nascimento, enquanto Hinds seguiu em carreira solo.

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As duas capas de Mudança de Tempo

Mas em 1982, com Hinds, Ruriá Duprat (teclados), Zé Português (baixo) e Franklin Paolillo (bateria), O Terço volta às suas atividades, e em 1983 lança Som Mais Puro. O disco foge dos padrões progressivo que fizeram do’O Terço uma das maiores bandas do estilo no país durante os anos 70, mas resgate com propriedade “Suíte”, Maravilhosa faixa instrumental dos tempos de Venturini. Ela começa com o riff de guitarra de Hinds e o piano elétrico de Duprat, trazendo então as batidas de bateria, a marcação do baixo e os sintetizadores repetindo o riff de Hinds. Então, a guitarra despeja seu solo sobre um andamento percussivo e quebrado. Uma breve pausa leva ao piano elétrico, seguido pelo bonito solo de guitarra de Hinds, no qual ele usa o botão de volume para criar belos efeitos, até que guitarra e piano repetem o mesmo tema por alguns momentos, levando a um magistral solo de Hinds. Ao fundo, o baixão estoura as caixas de som, com um andamento peculiarmente encantador da bateria e dos sintetizadores. Lindo trecho!

Guitarra, bateria e baixo fazem marcações pesadas, que nos remetem a “1974”, enquanto o piano martela forte ao fundo, passando por um solo mais virtuoso de Hinds, que vai crescendo com a entrada do órgão e do andamento de Paolillo. Então, mais uma breve pausa modifica a canção novamente. Enquanto Hinds sola explorando novamente o pedal de volume e longas notas, bateria, piano e baixo dão um show de marcações e passagens marcadas igualmente, que encaminham nossa Maravilha para sua segunda metade. Agora o andamento é festivo, comandando pelo piano e pelo baixo. A guitarra faz leves notas, e embala a canção para uma sequência de batidas que trazem o solo de sintetizadores (imitando um trompete) feito por Duprat, sobre um ritmo percussivo, São várias mudanças no tempo da canção, extremamente complexa, para chegarmos a reta final dessa joia com longos acordes do órgão elétrico, acompanhado apenas pelo piano. As tradicionais vocalizações que marcam tanto a carreira do grupo se fazendo presentes, e então, temos o último solo de Hinds, com um espetáculo de Paolillo na bateria, fechando os 10 minutos e 20 segundos de “Suíte” com o riff da guitarra sendo cantarolado em sua memória. Sensacional!

Ruriá Duprat e Sergio Hinds (acima). Zé Português e Franklin Paolillo (abaixo). O Terço em 1983

As demais faixas soam bem oitentista, focando na MPB de”Asa Delta”, e trazendo a colaboração de Cantuária em “Coração Cantador”, “Linda Imagem” e “Nunca Duvidar”, bem como o emocionante reencontro, depois de 10 anos, entre Cantuária, Hinds e Jorge Amidem (a primeira formação do grupo, ainda como O Têrço) em “Tambores da Mente”, mesmo que seja somente como compositores, nesta que é outra boa faixa de Som Mais Puro.  Destaque também para “Viajante Relógio”, com um belo trabalho de teclados e sintetizadores por Duprat, e a viajante “Luzes”, magnífica faixa instrumental de mais de sete minutos de duração que também pode ser considerada uma Maravilha Prog, com um espetáculo a parte de Hinds usando o botão de volume na guitarra sobre camadas de teclados e intervenções de baixo e percussão durante a primeira metade da canção, e um fervilhante show santaniano na segunda metade, na qual a cozinha Paolillo/Português comanda o ritmo para Hinds e Duprat brilharem em seus solos, e tendo incluso breves solos também de Paolillo e Português. Baita faixa!

Depois de Som Mais Puro, o grupo seguiu com diversas mudanças de formação, chegando a fazer os shows de abertura do Asia e do Marillion quando os mesmos passaram por aqui ao mesmo tempo em que lançaram O Terço (1990), o já citado Time Travellers (1993), Compositores (1996), Spiral Words (1998) e Tributo a Raul Seixas (1999), além do ao vivo Live at Palace (1994). Em 2001, A formação clássica – Sérgio, Venturini, Mercês, Magrão e Moreno – se reuniu para participar de um show de Venturini. Foi o pontapé inicial para uma reunião, que começou a tomar forma rapidamente. Porém, devido a uma parada cardíaca, Moreno veio a falecer em 2003, adiando o retorno por mais algum tempo.

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Sérgio Hinds, Sérgio Mello, Sérgio Magrão e Flávio Venturini, em 2012

Em 2005 O Terço voltou a ativa com Hinds, Venturini, Magrão e Sérgio Mello substituindo Moreno, feito registrado no CD/DVD Ao Vivo, onde o grupo tocou, entre outras, “1974″, “Tributo ao Sorriso” e “Criaturas da Noite”, e também teve a participação especial do talentoso Marcus Vianna (Saecula Saeculorum, Sagrado Coração da Terra). Venturini retornou para sua carreira solo, até que em 2015, surpreendem com o lançamento, via crowfunding, do CD 45 Anos de Estrado – Ao Vivo, e do DVD O Terço 3D, no qual a banda – agora com Hinds, Mello, Magrão e Fred Barley na bateria – inova mais uma vez, com uma apresentação trazendo efeitos tridimensionais para quem assiste em casa, e tendo, entre suas quinze canções, nada mais nada menos que “1974” e “Suíte”, esta finalmente gravada por Venturini, e numa versão mais completa que a de Som Mais Puro, atingindo os 16 minutos de duração). O DVD é marcante também pelas participações especiais de Cesar de Mercês e de Vinicíus Cantuária, e foi lançado como forma de comemorar os então 45 anos da banda.

Em 2021, foi lançado o livro 50 Anos, escrito em parceria entre Nélio Rodrigues e Hinds, trazendo muitas histórias sobre a banda e também – inovando mais uma vez – cinco imagens em realidade aumentada. Da formação que gravou os principais discos da banda nos anos 70, Hinds segue em carreira solo, fazendo shows regularmente. Venturini lançou em 2020 Paisagens Sonoras Vol. 1, e desde então, deu uma sumida dos holofotes, assim como Magrão. O presente da banda é de lembrança apenas na memória dos fãs, e a esperança de que um dia, possam voltar aos palcos para mais uma vez arrebatar o coração dos fãs com lindas Maravilhas Progs e tantos sucessos que o grupo gravou.

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