Maravilhas do Mundo Prog: Pink Floyd – Echoes [1971]

Maravilhas do Mundo Prog: Pink Floyd – Echoes [1971]

 

Por Mairon Machado

Um gigantesco polvo emerge do lago localizado no Crystal Palace Garden Party, em Londres, após duas horas e meia de show do Pink Floyd. Naquele momento do dia 15 de maio de 1971, era a primeira vez que o grupo britânico apresentava ao mundo a suíte “Echoes”, canção que a partir de então, passou a encerrar as apresentações do grupo pelos próximos sete anos. A Maravilha Prog desse mês é outra incluída no Hall of Fame das principais suítes do rock progressivo.

Depois que Roger Waters (baixo, voz, percussão), Rick Wright (teclados, voz, instrumentos de sopro), David Gilmour (guitarras, voz) e Nick Mason (bateria, percussão), gravaram Atom Heart Mother (1970), o grupo fez uma gigantesca turnê, divulgando seu quinto álbum de estúdio, e durante os intervalos das apresentações, começou a planejar o sexto disco.

Algumas canções eram sobras antigas, dos tempos de Ummagumma (1969), e receberam pequenas modificações em seu formato. Outras, assim como nossa Maravilha anterior, foram moldadas em pleno palco. Ambas as situações encaixam-se na criação de “Echoes”.

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Capa interna de Meddle

A suíte por si só surgiu como peças instrumentais individuais de cada membro do Floyd, não utilizadas em Ummagumma. No total, foram “arrecadadas” vinte e quatro partes, que acabaram batizadas como “Nothing, Parts 1 – 24″.

As partes acabaram sendo encaixadas aos poucos, assim como a letra para a canção começou a brotar nas mentes (principalmente) de Wright e Gilmour. Como não se tinha ideia do que a letra iria tratar, veio o título provisório de “Son of Nothing” para a canção, que, por dificuldades na interpretação ao vivo, acabou sendo abandonada.

O grupo então concentrou-se nas demais composições, até que Waters (sempre ele), decidiu resgatar “Son of Nothing”, retirando partes da mesma e incluindo outras, além de criar uma história conceitual para a canção que encaixasse com a proposta instrumental. Assim nasceu “The Return of the Son of Nothing”, já no final de 1970, semanas antes do Natal daquele ano.

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Roger Waters em Pompeia

Com alguns ensaios para ajustes, não demorou para a longa suíte de mais de vinte minutos entrar no set list do grupo, e em fevereiro de 1971, quando o Floyd passava pela Alemanha, os fãs eram apresentados a agora batizada “Looking Through the Knotholes in Granny’s Wooden Leg”, e ainda “The Dam Busters”, mas na maioria dos espetáculos, “The Return of the Son of Nothing” ainda era seu título.

Foi exatamente na apresentação em Londres citada no início do texto, que Waters chamou a canção de “Echoes”. O público ficou fascinado com o espetáculo visual e musical, já que além do polvo, o Floyd utilizava pela primeira vez jogos de luz e lasers, além de toneladas de equipamento sonoro que ocupavam boa parte do palco.

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A orelha na capa de Meddle

O sucesso da suíte nas apresentações acabou alavancando ainda mais a já bem sucedida reputação do grupo, e quando Meddle, o sexto álbum da banda, foi lançado em 30 de outubro de 1971 nos Estados Unidos (13 de novembro do mesmo ano no Reino Unido), rapidamente entrou entre os 100 mais vendidos em ambos os países, alcançando a terceira posição na Inglaterra. Tirando a parte musical, talvez o principal fato a se destacar é o crescimento de Gilmour como músico, fazendo a voz principal em duas canções e ainda dividindo as honras vocais com Wright em “Echoes”.

Assim como seu antecessor, temos em Meddle dois lados bem diversificados. No lado A, estão “One of These Days” (uma sequência instrumental para “Carefull With That Axe, Eugene”), criada antes de Ummagumma para o fracassado projeto “The Man and the Journey”; “A Pillow of Winds”, belíssima faixa acústica que poderia estar na trilha de More, ou até mesmo em Ummagumma, cantada por Gilmour; outra balada, “Fearless”, também cantada por Gilmour e destacando a inclusão de “You’ll Never Walk Alone”, cantada pelos torcedores do Liverpool em pleno estádio do clube de futebol; a jazzística “San Tropez”; e o blues experimental “Seamus”, tendo o cachorro que dá nome a canção fazendo o vocal principal (!).

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“Palco” no anfiteatro de Pompeia

Já o lado B é totalmente dedicado para “Echoes”. Em vinte e três minutos, e vinte e nove segundos, passeamos por uma belíssima composição, recheadas de variações, e que por íncrivel que pareça, é de uma simplicidade tão grande que parece que não é uma canção composta por seres humanos. O próprio David Gilmour certa vez declarou para uma revista inglesa: “Colocamos ‘Echoes’ no final dos shows por que já estamos cansados, e assim, fica mais fácil tocar ela, já que os seus acordes são muito simples“.

Diferentemente de “Atom Heart Mother”, “Echoes” consiste de uma única peça musical, com letra voltada para problemas pessoais como a dificuldade de relacionamentos, principalmente em encontrar as pessoas certas para se relacionar. Ela é recheada de experimentações e criações saídas das cabeças inventivas do quarteto, a começar pelas estonteantes notas do início da canção, geradas pela amplificação de uma nota executada em um grand piano através do famoso amplificador Leslie Speaker (um amplificador especial que distorce o som através da aplicação de Effeito Doppler em suas caixas de som, gerando ondas sonoras com frequências alternadas).

Lentamente, o slide guitar de Gilmour surge, acompanhado por acordes de órgão, criando um clima especial para a canção, muito suave. Gilmour executa leves notas, e então, baixo e bateria passam a acompanhar o bonito crescendo inicial da canção. As notas fantasmagóricas do piano saltitam entre as notas da guitarra e o slide, além de uma levíssima marcação do chimbal. O crescendo é repetido e então, Wright e Gilmour passam a cantar.

Narrando sobre a facilidade como os seres marinhos encontram seus objetivos no mar, a dupla canta com um acompanhamento suave do chimbal e do órgão, enquanto a guitarra faz um som muito bonito ao fundo. Os vocais ganham força, encerrando a primeira estrofe da letra e apresentando o riff central de “Echoes”, executado pela guitarra de Gilmour.

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Gilmour interpretando “Echoes”

A segunda estrofe fala sobre as pessoas que passam pelos homens como estranhos, sem serem reconhecidas, com o mesmo acompanhamento da primeira estrofe, e então, o riff retorna, trazendo então o solo de Gilmour. Essa longa sessão instrumental inicia magnificamente, com órgão, baixo e bateria fazendo um acompanhamento singelo, para as guitarras sobrepostas de Gilmour mandarem ver. O solo vai recebendo a força de piano, distorções e mais guitarras, e Gilmour abusa do slide em seu solo, enquanto o riff central vai aumentando sua potência.

Encerrando o solo, somos levados para um reggae feito pelo órgão, com um acompanhamento cadenciado de órgão, baixo e bateria, no qual Gilmour sola com notas rasgadas, sem usar de nenhuma técnica extravagante ou de algum virtuosismo, somente a guitarra, crua, sendo tocada nota por nota, com pequenos vibratos e bends.

O embalo perambula pela canção, sempre no mesmo ritmo, e então, efeitos na guitarra aparecem, com o volume do embalo diminuindo. Entramos na viajante sessão central de “Echoes”, no qual barulhos assustadores dos sintetizadores, fazem a cama sonora para os “gritos de baleia” serem entoados pela guitarra de Gilmour através de uma incrível aplicação do slide nas cordas iniciais da guitarra, além de muita distorção e aplicação do wah-wah.

Barulhos de vento, imitando a brisa do mar, aparecem ao fundo (barulhos esses gerados por Waters em seu baixo), e aos poucos, o órgão começa a se fazer a aparecer, além de sons de gaivotas e albatrozes. Os uivos da guitarra seguem assustando o ouvinte,

O órgão então ganha espaço, com dois longos acordes, trazendo as notas iniciais do piano, e alternando-se entre eles. Baixo , bateria e guitarra aparecem aos poucos, aumentando o volume suavemente, e novamente, o Pink Floyd nos propicia um belíssimo crescendo musical. O sintetizador executa um tímido tema, e o crescendo continua, explodindo na sequência de notas da guitarra, acompanhadas apenas pela marcação nos pratos, enquanto Gilmour aplica distorção ao fundo.

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“Echoes”, ao vivo em Pompeia

Chegamos então na terceira e última estrofe de “Echoes”, tratando o homem como que finalmente encontrando a forma de descobrir-se como ser-humano, no mesmo ritmo das estrofes vocais anteriores, repetindo o riff central por diversas vezes, aumentando cada vez mais sua potência e destacando a pegada e as viradas de Mason.

A canção encerra-se com piano e guitarra solando levemente, um seguindo ao outro, refletindo a opinião da letra de que sempre um irá encontrar outro ser para seguir e ser seguido, enquanto o órgão executa longos e lindos acordes, além de diversos efeitos surgirem ao fundo, diminuindo seu volume até a agulha do toca-discos atingir os sulcos sem gravação do vinil.

“Echoes” virou um hino para os fãs do Floyd, e além de sua maravilhosa construção, foi fundamental para a guinada que o grupo deu com Dark Side of the Moon dois anos depois. Uma das principais apresentações da canção foi realizada no show de Pompeia (Itália) em 1972, onde para os camera-men e os fantasmas da cidade soterrada pelas cinzas do vulcão Vesúvio em 79. a. C., o grupo fez um show incrível dentro do anfiteatro local.

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Gilmour, Waters, Wright e Mason em Pompeia

Diversos outros registros, como uma apresentação na BBC de Londres em 1971, ou ainda, quando o grupo tocou no Festival de Jazz de Montreux, em 1971, são pérolas preciosas de registros fantásticos de “Echoes” ao vivo, com pequenas variações, mas sempre maravilhosa. Durante as turnês de Dark Side of the Moon e Wish You Were Here, “Echoes” sempre esteve presente no encerramento dos shows, sendo abandonada somente na turnê de Animals (1977). Posteriormente, em alguns shows da turnê de A Momentary Lapse of Reason (1987), o grupo voltou a apresentá-la, só que agora abrindo os shows e sem os seus vinte e três minutos de duração, mas ainda com a mesma força e imponência da época em que foi registrada.

Mês que vem, contaremos a história de uma maravilhosa homenagem feita por Waters, Gilmour, Mason e Wright para o fundador do Pink Floyd, Syd Barrett, através de “Shine on You Crazy Diamond”.

5 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Pink Floyd – Echoes [1971]

  1. Obra-prima, de fato! Até hoje a harmonia vocal de Gilmour e Wright me soa como a melhor coisa que o Floyd fez em termos de vocais, e até dá para entender porque Gilmour “aposentou” a composição após a morte de Rick Wright.
    “Meddle”, para mim, sempre esteve um pouco abaixo de “Atom Heart Mother” no todo, porque somente “One of These Days”, “Fearless” e “Echoes” me soam como clássicos da banda, mas é um disco muito bom e dá vontade de voltar a ele novamente. “Seamus” era o cachorro de um músico famoso, treinado pelo dono para uivar sempre que ouvisse um blues (acho que pertencia ao Steve Marriott), e sem dúvida, mostra que no auge do progressivo o Pink Floyd tinha senso de humor!

  2. Eis aí a primeira grande obra-prima do Pink Floyd, e não o insosso Atom Heart Mother (álbum anterior). Meddle é um clássico do rock progressivo e sua canção principal, a longa suíte “Echoes” analisada aqui, é verdadeiramente soberba! Aqui a banda realmente começa a acertar o passo, passo este que levaria ao tão sonhado ápice com o lançamento de The Dark Side of the Moon, dois anos depois…

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