A polêmica dos plágios no rock/pop

A polêmica dos plágios no rock/pop

Por Ronaldo Rodrigues

Plágio é um assunto que rende e gera discussões apaixonadas. Nos fóruns de discussão sobre música é muito comum esse assunto surgir, ou alguém apresentar um caso “novo” de suspeita de plágio envolvendo um desconhecido (ou alguém que tem apenas fama local) e uma banda consagrada. O objetivo desse texto é lançar um pouco mais de lucidez no assunto, a partir de alguma fundamentação musical, que ajude a distinguir aquilo que são estruturas padrão da música, o que é influência, o que é coincidência e o que é plágio per se.

O primeiro ponto que se deve avaliar é a questão geográfica/temporal. Por exemplo, é difícil supor que uma banda famosa de rock dos anos 70 tenha tido acesso a um disco ou compacto de um artista de algum país “exótico” e dela tenha se inspirado para compor algum hit de sucesso ou uma faixa emblemática de algum álbum. Primeiro porque não era fácil ter acesso a esse tipo de material, seja porque não era veiculado nas rádios (streaming não existia), seja porque o disco não tenha sido lançado em vários países, seja porque o artista supostamente plagiado nunca tenha tocado em países diferentes de sua origem. Segundo porque não havia muito tempo para se ficar “garimpando” música. Lembre-se que nessa época as bandas lançavam um disco (ou mais) a cada ano, numa pesada rotina de ensaio-gravação-turnê-ensaio-gravação-turnê. A situação de uma banda famosa ter plagiado algum artista desconhecido ou de fama local não é impossível, mas é pouco provável.

Outro ponto a ser avaliado é o aspecto musical. Para o ouvinte médio, apesar de parecer que as possibilidades musicais são infinitas, em termos de estrutura musical as possibilidades definitivamente não são infinitas, apesar de permitirem muita coisa. Existem apenas 7 notas musicais. São séculos de música baseada nas mesmas 7 notas. Então, é racionalmente aceitável supor que exista muita coincidência. Se pensarmos em pintura, por exemplo, a quantia de cores também não é infinita. Se um pintor vai desenhar uma paisagem ao ar livre, ele usará amarelo ou branco para o sol, azul para o céu, verde para as matas, etc. Um ou outro artista vai tentar fazer diferente, mas a maioria vai seguir o padrão do que se vê. Na música, esse raciocínio também existe em termos de escala (distribuição das notas nas melodias) e campo harmônico (distribuição dos acordes sob as melodias). Também o número de escalas e de variações do campo harmônico são limitados. Quanto entramos em um estilo específico, como o rock, a identidade musical do estilo é construída em cima de um conjunto ainda mais limitado de escalas e harmonias. Por exemplo, a escala pentatônica é a base da grande maioria das músicas do rock. Do blues, poderia dizer que ela representa 90% de tudo o que existe no estilo. No pop, por exemplo, a sequência de acordes I – V – VI – IV é consagrada em centenas de música (veja aqui um vídeo bastante engraçado que ilustra isso). Nenhuma delas é plágio uma da outra. Então, antes de sair atirando aos ventos que algo é plágio ou não, pense nisso.

Para que se caracterize algo como plágio é preciso que um determinado trecho da melodia da música seja copiado integralmente. Ou então trechos da letra da música. A avaliação depende de uma perícia, podendo envolver na atestação do plágio uma sequência de acordes muito específica e fora do padrão, ou um padrão rítmico muito peculiar. Além disso, é preciso caracterizar que o suposto plagiador tenha comprovado conhecimento da obra plagiada. Apenas os acordes, ou uma sequência de 4 ou 5 notas ser igual (como um riff de guitarra) pode ser uma coincidência, especialmente quando essas sequências são padronizadas, consequência das limitações discutidas acima. É o caso dos chamados 12 compassos do blues, uma sequência de acordes que inúmeras músicas do blues seguem. São incontáveis as músicas de blues, compostas em Mi que usam o padrão dos 12 compassos. São plágios uma das outras? Não. Os detratores até costumam falar que blues é tudo igual. É uma conclusão simplória baseada no intensivo uso do mesmo padrão dos 12 compassos.

Obviamente que quando temos uma sequência de acordes, somada a uma melodia com notas coincidentes, em um ritmo parecido (por exemplo, uma música lenta) e com os mesmos instrumentos existe indícios mais fortes de termos um plágio, mas mesmo assim pode não ser. Foi esse o veredito dado para o caso de “Stairway to Heaven” do Led Zeppelin quando confrontada com “Taurus”, do Spirit. A sequência de acordes das duas músicas não foi “criação” do Spirit; é um tipo de construção harmônica muito comum na música. Houve ali coincidências em termos de acordes, arranjo (violão dedilhado junto a um arranjo orquestral) e ritmo em um trecho. Apenas isso. Foi intencional da parte do Led Zeppelin essa coincidência? Aquele trecho foi “inspirado” pelo Spirit mas a banda não admite? Nunca saberemos! Mas em termos legais, a conclusão do caso é muito razoável quando observada do ponto de vista estritamente musical. Caso não fosse, o precedente aberto transformaria a música em um campo de batalha judicial.

Influências, existem sim e são muito comuns. O mais recente caso dessa questão influência x plágio é o Greta Van Fleet. Quando a influência é muito forte, o público mais exaltado é levado a pensar em plágio, mas não é. Influência é uma coisa muito ampla – envolve adoção de timbres, sonoridades, arranjos, estrutura de composição, forma de gravação, postura em palco, formação da banda (ser um trio, quarteto, etc.) muito similar a uma outra banda, sem ter plagiado nada. Plágio é uma coisa muito específica, uma cópia muito deliberada e que pode ser identificada precisamente, e não de forma difusa. Em suma, há mais similaridades na música do que uma análise rasa pode sugerir. As possibilidades são limitadas e pensar que é possível criar algo 100% original é um mito. E por isso, casos comprovados de plágios são relativamente raros no meio musical (haja a vista a repercussão que provocam) considerando a quantia de música lançada diariamente no mundo.

Um comentário em “A polêmica dos plágios no rock/pop

  1. Esse é um tema quente!
    Concordo com o autor, no geral. É comum acusar de plágio (digo uma acusação informal, não um processo judicial) músicas que tenham padrões que nos lembrem outras. É impossível não fazer associações com sons lançados anteriormente, justamente pela limitação das notas pela física do som existente no planeta terra (reclamem com a natureza!), e porque conceitos e estéticas sonoras também são uma eterna inspiração e reciclagem um do outro. Chegamos em um ponto da humanidade que dificilmente algo cem por cento original vai surgir, então é óbvio que um som vai lembrar algum outro — quase sempre.

    Já caí muito nessa paranoia do plágio nas minhas composições e rascunhos, inconscientemente acabamos repetindo padrões, especialmente fazendo referência a artistas consagrados que ouvimos muito. É claro que em algum lugar do nosso cérebro uma sequência harmônica que ouvimos muitas vezes vai acabar “contaminando” o que nós criamos (digo uma contaminação no bom sentido, porque é uma inspiração fruto do processo natural da criação de arte).

    Acho que os ânimos mais exaltados e as mãos cheias de dedos que costumam apontar plágios de forma leviana deviam fazer um exercício compondo as próprias canções, ou analisando as influências dos seus artistas favoritos. Talvez despertem pra inevitabilidade dessa coincidência na música. Acontece e não é ruim. Plágio é uma coisa séria e inspiração e repetição de padrões não é plágio. Na literatura acontece muito, em determinados gêneros de ficção, e na lírica das canções então… nem se fala! Não existem tantos assuntos ou palavras no mundo assim. Sempre voltamos pro que já foi dito, cantado, escrito, tocado, pintado.

    O caso do Led Zepp é clássico, uma banda constantemente acusada de plagiar e de ser plagiada. Vai ver é só o processo natural das coisas mesmo.

    Acho que é isso.

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