Caminhada nos 80 Anos de Roberto Carlos

Caminhada nos 80 Anos de Roberto Carlos

Por Eudes Baima

Um depoimento pessoal

A caminhada matinal destes últimos dias foi ao som da incrível playlist de Roberto Carlos que Nelson Augusto botou pra tocar de sol a sol em seu site. A audição destas canções me levou a certas meditações peripatéticas. Roberto tem uma carreira com praticamente meu tempo de vida. Ninguém de minha geração, de um modo ou de outro, escapou de sua influência. Entre as inumeráveis canções de sua discografia em 60 anos de carreira, centenas entraram incontornavelmente para a memória coletiva e para o imaginário popular.

Ao longo de tanto tempo, minhas relações pessoais com Roberto se alteraram várias vezes. Cantor “oficial” da casa dos meus pais, as canções de Roberto são provavelmente as lembranças musicais (ou lembranças de qualquer tipo) mais antigas que tenho, graças a meu irmão, um fã da primeira hora, e mesmo de meu pai e de minha mãe, pois Roberto tem esta rara qualidade de tocar diferentes gerações e gente de toda classe social, fenômeno de poucos além dele, como Tim Maia e Raul Seixas. Foi com Roberto que eu e um primo querido sonhamos com os primeiros amores platônicos, ao som do megaclássico disco de 1971 (“Detalhes”, “Como Dois e Dois”, “Todos Estão Surdos”, …). Na clássica ruptura com a tradição familiar, na adolescência e primeiros anos de juventude, Roberto foi junto, como um item das tradições das quais queria então me afastar. Muitos anos depois, com a cabeça um tiquinho mais assentada, fui separando as coisas que se misturavam caoticamente neste impulso juvenil de rompimento. Reatei com o futebol e, por outro caminho, com Roberto Carlos.

Roberto Carlos, 1972

Quando soou o dobre de finados para o rock’n’roll na longa noite musical dos anos 80, corri para o soul, o funk e o samba das décadas anteriores e, surpresa (!) esbarrei na chamada fase soul de Roberto e Erasmo. Claro, como todo mundo, tinha aquelas canções todas gravadas na memória, mas passei a ouvi-las com outros ouvidos: a intensidade soul, os ritmos irresistíveis, as instrumentações escaldantes… tudo que tinha passado sem que eu prestasse atenção, eu ouvia agora. Mesmo as canções de amor extremadas dos anos 70 se revelaram como melodias imaginativas e arrebatadoras. E, ainda que a produção que está no piloto automático há mais de 40 anos não me interesse (embora a playlist do Nelson venha revelando que, meia-volta, em meio ao lugar comum, Roberto e Erasmo reencontram a verve de outrora), os pecados dos homens não extinguem suas virtudes pretéritas.

Caminhando pelas ruas, becos e vilas do Joaquim Távora, nas ruas desertas da madrugadinha, noto como a música de Roberto se harmoniza com a paisagem suburbana. Roberto não seria o que é se não fosse o subúrbio. Sua música ressoa o cotidiano do Montese, das Damas, do São João do Tauape, da Itaoca, do Antônio Bezerra, destes bairros do meu tempo, que a expansão da cidade deixou pra trás. Suas canções nunca deixaram de ecoar os Sputniks, banda primitiva (que, com Jorge Ben, Tim Maia e Erasmo, seria hoje uma superbanda) que dava voz à juventude da Tijuca.
Nessa sensibilidade suburbana, fico imaginando o que significou a ascensão de Roberto para o rapaz dos anos 60 que de repente podia tocar aquelas melodias tão imaginativas, mas que se podia reproduzir com facilidade na simplicidade de seus três acordes, derivados do blues, da surf music, dos roquinhos italianos.

Roberto Carlos, 2018

O que significou para o jovem rabo-de-burro que agora podia sentar no muro da esquina com seu violão Giannini e tocar os sucessos do rádio, impressionar os amigos e fazer serenata pra namorada… Roberto popularizou entre nós o “Do It Yourself”, lema punk rock, 15 anos antes do dito cujo. Algo como os Beatles da fase iê-iê-iê e, anos depois, os Ramones. Tudo isso me ocorreu enquanto caminhava…

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