Bruce Dickinson – Para que serve este botão? – Uma autobiografia [2018]

Bruce Dickinson – Para que serve este botão? –  Uma autobiografia [2018]

Por Felipe Lemos

Os apreciadores de grandes séries televisivas podem estar familiarizados com aquele sentimento de orfandade, que aparece ao finalizarem uma obra que acompanharam por algum tempo, e que lhes impactaram significativamente. Produções de nível altíssimo, que nos passam o desejo de poder acompanha-las por muito mais tempo, e que nos transmitem um “vazio” quando chegamos ao fim, pois os episódios já faziam parte de sua rotina diária, e, inevitavelmente, teremos que “partir pra outra”. Esta é exatamente a sensação que What Does This Button Do?: Bruce Dickinson, An Autobiography (2017) nos passa ao terminarmos a leitura.

Bruce como piloto na The Book Of Souls World Tour (2016).

Lançada no Brasil no início de 2018 Bruce Dickinson, Uma Autobiografia – Para que serve este botão? (editora Intrinseca, tradução: Jaime Biaggio) nos traz com detalhes toda a jornada do lendário vocalista pelo mundo da música, dos aviões, da esgrima, dos livros e entre outras de suas inúmeras atividades. Iniciando pela infância complicada, sendo ele filho de pais muito jovens e criado pelos avós maternos, além de frequentar um colégio interno sofrendo com bullying; passando pelo descobrimento da paixão pela música e toda loucura exaustiva das turnês nos anos 80 com o Iron Maiden, e por fim contando com detalhes impressionantes como surgiu e como ele desenvolveu todo o amor pela aviação (Dickinson chega até a descrever especificações técnicas de algumas aeronaves e testes de Brevês para voo.)

A qualidade, a fluidez e o ótimo humor na escrita dispensam comentários, escancarando como Bruce Dickinson escreve bem, o que não é surpresa, visto que Bruce já havia lançado dois livros de ficção: The Adventures of Lord Iffy Boatrace (1990) e The Missionary Position – The Further Advances of Lord Iffy Boatrace (1992). Desta maneira, a leitura é super agradável e não cansa em nenhum momento, diferentemente da Biografia lançada em 2006 por Joe Shooman “Bruce Dickinson: Flashing Metal with Iron Maiden and flying solo” (“Bruce Dickinson: Os altos voos com o Iron Maiden e o voo solo de um dos maiores músicos do Heavy Metal”, lançada no Brasil em 2013 pela editora Gutenberg e tradução de Eliel Vieira) que se desenvolve de maneira muito mais densa e cansativa . Dickinson conta situações cômicas vividas em turnê como, por exemplo, quando o alter ego do grande produtor Martin Birch “Marvin” resolvia dar as caras; quando conheceu seu maior ídolo Ian Gillan; ou até mesmo quando passou por apuros em um avião de pequeno porte pilotado por ninguém mais ninguém menos que o baterista Nicko Mcbrain. Outra passagem que vale destaque é a turnê do álbum Powerslave (1984) em toda sua extensão e exaustão, evidenciando o show da banda no primeiro Rock In Rio de 1985, onde Bruce relata toda a histeria dos fãs brasileiros, a novidade de estar em um continente nunca visitado e os desastres técnicos do show em si.

Bruce Dickinson na World Slavery Tour (1984/1985)

Não espere encontrar detalhes da vida particular de Dickinson como casamentos, filhos, esposas, relacionamentos e minúcias de sua vida empresarial. Sua saída do Iron Maiden no final de 1993 também não recebe nenhuma grande descrição. Segundo o próprio, ele não quis introduzir em sua autobiografia elementos que poderiam tornar a leitura entediante. Até mesmo o fatídico episódio com Sharon Osbourne no Ozzfest em 2005 foi deixado de fora, talvez até mesmo para não dar holofotes ou a menor importância à atitude no mínimo infeliz da esposa de Ozzy Osbourne.
Vale destacar ainda dois capítulos do livro que são, de certa forma, especiais: O primeiro, chamado “Sob fogo cruzado”, narra o show que Bruce fez com sua banda solo na cidade de Sarajevo (hoje capital da Bósnia e Herzegovina), em pleno cerco da Guerra da Bósnia em 1994, na turnê de promoção de seu segundo disco solo Balls to Piccasso (1994), mas já contando com a formação da banda que gravaria o álbum Skunkworks em 1995. Bruce narra à maneira de como o fato de presenciar uma cidade sitiada e em guerra faz com que passemos a enxergar a vida de uma forma completamente diferente. Vilas inteiramente destroçadas, crianças órfãs e sem nenhum rumo, dentre outras situações terríveis, são contadas aqui. A banda decidiu fazer o show, mesmo com condições de segurança muito longe das ideais para trazer um pouco de alegria e luz a vida de toda aquela comunidade. Ambos, banda e público, arriscaram suas vidas para vivenciarem o show. Em 2017 foi lançado nos cinemas o documentário Scream for me Sarajevo, mostrando cenas e tudo o que envolveu este show. Posteriormente foi lançado em DVD e Blu-ray, além do CD e LP duplo com a trilha sonora do documentário (contendo algumas faixas raras, lançadas anteriormente apenas como faixas bônus em edições especiais de seus discos).

Bruce no show de Sarajevo (1994)

Já o segundo “Foda-se câncer”, apresenta toda a luta recente de Bruce contra a doença, desde o incômodo inicial de alguns sintomas e as pesquisas feitas por ele mesmo sobre os problemas, até o diagnóstico e toda batalha diária, causada por um tratamento devastador. Dickinson em nenhum momento apela para narrativas demasiadamente emocionais e com clichês de sofrimento mórbido. Os fatos são narrados aqui de forma direta e crua. Como o mesmo escreveu, vencer o câncer era o seu novo “trabalho” a partir de então. Assim, ele conta tudo o que fez para combater a doença, como por exemplo, suas imensas pesquisas sobre o tratamento e até medicamentos ou substâncias alternativas para auxiliá-lo no período. Em nenhum momento Bruce se demonstrou excessivamente pessimista ou otimista. Sempre se focava nos números reais das possibilidades calculadas pelos médicos. No fim, como todos sabemos, o multitalentoso frontman teve uma recuperação completa e muito mais rápida do que a esperada, como de praxe para ele, superando seus limites.

A autobiografia de Bruce Dickinson é uma leitura essencial para todo fã da Donzela ou até mesmo de Rock e Metal em geral. Mesmo para aqueles que já conhecem muitos detalhes da vida e carreira do vocalista, sua autobiografia consegue nos aproximar mais ainda de seu lado pessoal, pois nos passa a impressão de estarmos sentados em um pub ouvindo Bruce contar suas histórias.

Dickinson, Bruce. Uma Autobiografia: Para que serve este botão? [tradução Jaime Biaggio]. 1° Edição. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.

12 comentários sobre “Bruce Dickinson – Para que serve este botão? – Uma autobiografia [2018]

  1. Comprei recentemente em uma promoção, estou esperando chegar para ler, mas este texto já aumentou a ansiedade!

    Eu gostei da outra biografia citada na matéria, e, se esta for mesmo melhor, então sei que tenho uma grande leitura pela frente!

    Valeu, Felipe!

    1. Sim Micael. Acho que você vai curtir. Aqui temos o senso de humor característico de Bruce em muitas histórias, deixando a leitura mais leve e divertida. Muito obrigado por comentar. Abraço!

  2. Bom, eu já esperava que Bruce fosse detalhar bastante sua outra grande paixão na vida em sua autobiografia, o que na minha opinião, não desmerece em nenhum momento o livro. Obrigado por comentar João!

  3. O War Room de “Powerslave” não entrou dessa vez nessa semana, mas entrou a autobiografia do Sr. “Air Raid Siren”! Enfim, quem só tem a ganhar somos nós, fãs dele e do Maiden também.

    1. Todo dia o Igor Maxwell pedindo a mesma coisa de anos atrás num post diferente mesmo depois de ser avisado que não vai rolar disse:

      🤔

    2. Igor…a ideia do War Room é sempre ter alguém das pessoas que participam que NUNCA ouviu o disco. Para conseguir isso nem a minha avó pode ser escalada pois quando eu ouvia lá no fim dos anos 80 ela deve ter enjoado do disco.

      1. Mas Fernandão, sabe o por que dessa minha insistência com o site fazer um War Room de “Powerslave”? É por que eu não gostei muito daquele War Room de “The Number of the Beast” feito em 2012, quando o terceiro disco do Maiden completava 30 anos de lançamento. Eu achei que ficou faltando alguma coisa nele… A ideia da Consultoria fazer esse War Room muito sugerido por mim, não é apenas para comemorar os 34 anos de Powerslave recentemente completados na segunda-feira dia 3 de setembro (um daqueles discos que não tem o que tirar nem pôr), mas também para compensar o que foi feito na já citada homenagem ao TNOTB, que pra mim, saiu um pouco meia-boca por um detalhe ausente, que eu acho que você sabe qual é esse detalhe… Mas enfim, que seja essa a última vez (definitivamente) em que falo desse assunto à exaustão aqui na Consultoria.

  4. Achei o livro bacaninha, mas poderia ter sido melhor. A parte da infância e adolescência achei muito bacana. Bem detalhada, bastante curiosidade legal. Gostei do texto que ele escreveu sobre a batalha contra o câncer. Achei muito bacana a maneira como ele lidou com a doença e o tratamento. No entanto, acho que ele poderia ter detalhado um pouco menos o lado piloto e explorado um pouco mais sua trajetória com o Maiden. Ele menciona, mas não explica sua saída nos anos 90. As gravações dos álbuns poderiam ser mais detalhadas, com curiosidades que ocorreram nos estúdios, inspirações para as canções, mais curiosidades de bastidores. A mesma crítica faço em relação aos discos solo. A impressão que me deu é que hoje ele está mais empolgado em ser piloto do que em ser vocalista de heavy metal, mas foi uma leitura agradável.

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