Tocando A Distância – Ian Curtis e Joy Division [2014]

Tocando A Distância – Ian Curtis e Joy Division [2014]

Por Micael Machado

Quase trinta e seis anos depois de sua morte, a figura de Ian Curtis, letrista e vocalista do Joy Division, continua a encantar uma multidão de fãs da banda, muitos dos quais ainda se questionam sobre os motivos que levaram o músico a a se suicidar a 18 de maio de 1980, na casa em que morava na cidade de Macclesfield, na Inglaterra. Algumas das respostas poderiam estar no livro Tocando A Distância – Ian Curtis e Joy Division, escrito pela viúva de Ian, Deborah Curtis, e lançado lá fora em 1995, mas que recebeu uma edição nacional apenas em 2014, a cargo da editora Edições Ideal (inclusive em uma bela e luxuosa versão com capa dura). Infelizmente, não é bem isso o que se encontra após a leitura da obra.

Deborah e Ian Curtis, em foto presente no livro

Deborah se casou com Ian quando tinha dezoito anos (e ele dezenove), e teve com ele uma filha, Natalie, nascida em 1979. Mas também teve uma vida muito difícil, passando por grandes dificuldades financeiras (apesar do sucesso em escala cada vez maior da banda do marido), sofrendo com o ciúme doentio de Ian (que o fez se afastar dos amigos e, por um tempo, de sua própria família), com sua personalidade distante e não muito atenciosa (ou carinhosa), e, sobretudo, com a epilepsia do cantor, doença que mudou radicalmente a vida do casal quando foi diagnosticada, tornando o convívio íntimo em algo beirando o insuportável. Além disso, Ian ainda cometeu dois pecados extremamente graves, pelo menos na visão de Deborah: arrumou tempo para ter uma amante (a belga Annik Honoré, que inclusive chegou a acompanhar a banda em uma turnê pela Europa, e manteve seu caso com o músico até a data da morte deste) e, o maior de todos, tirou a própria vida em um momento onde a convivência do casal já estava extremamente abalada, com Deborah inclusive já tendo iniciado o processo do divórcio, apesar do amor que sentia pelo distante e ausente marido.

Sendo assim, não chega a ser uma surpresa constatar que o livro foi escrito do ponto de vista de uma pessoa que, por mais que quisesse bem a Ian Curtis, guarda ainda uma grande mágoa do ex-marido e das circunstâncias em que ele morreu. Desta forma, o retrato que Deborah pinta de Ian é de alguém distraído, distante, que parecia não se interessar pelos amigos e família, que “criava” diferentes personagens para diferentes setores de sua vida (a esposa, os pais, os sogros, a banda, os conhecidos e os fãs), e interpretava estes papéis conforme a situação precisava. A vida pessoal dos dois, da forma como Deborah relata, nos leva a questionar o porquê de ela ter mantido sua união com Ian até próximo de sua morte, pois fica claro que nenhum dos dois conseguiu ser feliz com o casamento, um pouco por causa da doença do músico, mas em muito por causa da banda.

Páginas com fotos presentes em Tocando A Distância – Ian Curtis e Joy Division

Esse ressentimento da autora com o Joy Division é algo que também se torna facilmente perceptível após a leitura. Sem a permissão de Ian para acompanhar o quarteto em seus shows (ou simplesmente assisti-los), especialmente depois que o cantor passou a levar a amante aos mesmos, e sem ter um convívio de amizade com os demais membros do grupo (os quais aparecem apenas superficialmente ao longo das páginas do livro), é muito pouco o que Deborah tem a dizer a respeito da banda, ou de sua convivência interna e criativa.  A autora chega a citar que Ian dizia aos membros do conjunto (e àqueles que conviviam com este) que a convivência entre os dois era insuportável, e que seu casamento era apenas “de fachada”, mesmo quando ele ainda dormia todas as noites na casa do casal e quando ela ficou grávida da única filha dos dois, e que este seria um dos motivos pelo qual os amigos e companheiros do músico a teriam excluído do convívio deles. Desta forma, algumas críticas de apresentações são reproduzidas aqui e ali, e curtos comentários da própria escritora sobre alguns poucos shows a que esteve presente também são registrados nas páginas da obra (e servem para indicar que ela também não gostava da música do grupo), mas a participação do quarteto ao longo das páginas do livro é ínfima, decepcionando quem gostaria de saber mais sobre o período em que os ingleses estiveram na ativa em sua encarnação original (lembrando que, após a morte de Ian, os membros restantes “reencarnaram” na forma de uma nova banda, o New Order, seguindo em frente com suas carreiras e suas vidas).

Sobram então pouco mais de 170 páginas de muita mágoa, rancor e amargura destiladas por Deborah em relação a seu finado marido, além de algumas poucas páginas com fotos (a maioria da vida pessoal do cantor, e uma ou outra relacionadas á sua vida profissional), a relação de todos os shows feitos pelo Joy Division, uma extensa e bastante completa discografia do grupo, alguns escritos inacabados de Ian e, talvez o maior tesouro deste livro, todas as letras compostas pelo cantor para a banda (algumas delas inéditas), as quais foram traduzidas com competência na edição nacional pelo jornalista José Julio do Espirito Santo, também responsável pela tradução do texto, o que faz com que o volume fique com um total de 322 páginas, sendo curioso notarmos que pouco mais da metade apenas é dedicada realmente à trajetória do cantor homenageado no título (cuja versão original em inglês, Touching From a Distance, é retirada de um verso de uma das letras que ele compôs, assim como os títulos dos capítulos da obra).

Contracapa de Tocando A Distância – Ian Curtis e Joy Division

Ian Curtis pode até ter tido uma existência tão sofrida, melancólica, miserável e dolorosa quanto Deborah parece passar com este livro, e tornado a vida de sua esposa tão insuportável quanto parece ter sido após lermos a obra, mas isso não é motivo para perdermos tempo com a destilação do rancor da ex-esposa pela perda de seu marido (primeiro para a indústria musical, depois para a amante, e, finalmente, para a vida). Infelizmente, Tocando A Distância – Ian Curtis e Joy Division não é uma obra que justifique sua existência (apesar de ter servido como base para o excelente filme Control, o qual tratou da vida do cantor com resultados muito melhores do que aqueles obtidos por este livro), ainda mais se você está procurando saber mais sobre a banda ou o músico do qual o caro leitor é fã. Se for este o caso, honestamente, passe longe desta obra. Ela não vai lhe acrescentar nada de bom.

9 comentários sobre “Tocando A Distância – Ian Curtis e Joy Division [2014]

  1. Caro Micael. Não li o livro, mas discordo de algumas colocações suas. Com certeza, a carência de material sobre rock em geral, e Joy Division em especial, lançado no Brasil (embora esse quadro já tenha sido muito pior e as editoras parecem finalmente ter descoberto o filão) justificaria a edição de um livro mais focado na bio da banda. Mas o fã não vive só de exaltações. É preciso crítica aos seus ídolos também. Para isso existem esse livro da viúva dele, e também aquele da primeira esposa do Lennon (não lembro agora o nome dela e nem do livro, hehe…), só para citar outro exemplo. Quem quer historinha exaltação que vá ler revista Amiga ou as matérias publicadas por aqui sobre bandas de metal (me perdoem, ó deuses do metal, mas não resisti ao veneno).

    1. “Quem quer historinha exaltação que vá ler revista Amiga ou as matérias publicadas por aqui sobre bandas de metal (me perdoem, ó deuses do metal, mas não resisti ao veneno).”

      Dá para incluir rock progressivo, rock clássico, hard rock, blues, mpb… tipo o site inteiro e praticamente tudo o que publicamos aqui é exaltação.

        1. Marco, o problema do livro, a meu ver, não é não ser um “livro exaltação” do Joy Division, mas sim o fato de NÃO SER sobre o Joy Division, e sim uma choradeira da ex-mulher do Ian Curtis. Se contasse só os podres da banda, ainda assim seria válido, mas o livro mal fala no grupo, e foi isto que me decepcionou!

  2. Já achei o filme (apesar de muito bom) totalmente centrado na figura da ex-mulher dele, que além de tudo foi produtora do filme, se não me engano. Já tinha passado essa impressão de que estava vendo apenas um lado da história. Se o livro é ainda mais desta forma, então realmente deve ser duro de encarar.

    1. Esqueçam o livro e foquem nos discos. Joy Division ainda influi em inúmeras bandas mundo afora e tem a melhor música romântica dos anos 80: Love will tear us apart, que deixa qualquer balada mela cueca do Bon Jovi no chinelo. Mais uma matéria com o selo Micael Machado de qualidade.

      1. “Esqueçam o livro e foquem nos discos”! realmente, a música é muito melhor que este texto! Grato pelo elogio, Antonio Marcos, e pela participação, Marcel!

  3. Apesar de ser um relato de uma ex mulher com muita mágoa…sempre tem algo a somar…o filme achei muito bom…joy division é irresistível, simplesmente contagiante…gosto muito.

    1. Eu gosto bastante do filme, e mais ainda da banda! O livro sempre soma, mas, como já deixei claro, eu esperava mais da leitura! Obrigado pelo comentário, Roberto!

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