Quando as Cifras que Importam Não São as Musicais

Quando as Cifras que Importam Não São as Musicais

Por Mairon Machado

* Imagens retiradas dos sites Globo.com, Uol e Terra

E passou-se mais um Rock in Rio, o terceiro dessa década no Brasil, o sexto na história de 30 anos do evento – isso sem contar as edições internacionais.

Dessa feita, o evento que durou sete dias entre 18 e 27 de setembro, com uma pausa entre os dias 21 e 23, trouxe muitos nomes de peso do cenário mundial, a maioria consagrados, e não deu para os fãs reclamarem que não rolou rock ‘n’ roll. Pelo contrário, dos sete dias do evento, em cinco tínhamos pelo menos um GIGANTE do rock como atração principal no Palco Mundo.

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Fã com roupa inusitada salta diante de um dos brinquedos do Rock in Rio

Mas, será que um evento desses, com as dimensões infinitas que circulam pelos arredores da Cidade do Rock, tem como seu objetivo principal a música? Esses GIGANTES são representativos da cena musical atual?

Acompanhei o Rock in Rio via televisão – infelizmente, o fato de o evento ser realizado em pleno setembro impede que eu possa ir na cidade maravilhosa conferir os shows – e depois de ouvir quase todas as bandas que se apresentaram no Palco Sunset e no Palco Mundo, cheguei em algumas conclusões que gostaria de repartir com vocês.

Primeiro: sempre acompanhei o Rock in Rio pela TV. Nunca pude ir, mas o que passava no canal aberto era visto por meus olhos aguçadíssimos – e ouvidos mais ainda – desde a edição de 1991. A transmissão desse ano pude ver por canal fechado, e parabéns para a Multishow, que foi impecável. Som bom, imagem boa e nenhuma interferência nas transmissões dos shows. Muito bom, com exceção do retardado do Bruno di Luca, que podia ter ficado jogando fliperama em casa que renderia muito mais.

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Elenco do Multishow que acompanhou o Rock in Rio: Dedé Teicher, Didi Wagner, Luisa Micheletti, Guilherme Guedes, Beto Lee, Rodrigo Pinto, Bruno De Luca, Dani Monteiro, Laura Vicente e Mari Cabral.

Segundo: o festival tinha que voltar a ser em janeiro. Além de ser possível acompanhar os shows em casa até mais tarde (ou poder ver os shows da tarde no Palco Sunset), possibilita que mais pessoas que estão em férias possa ir ao Rio. Isso talvez permitiria que o ingresso fosse mais barato, ou trazer shows maiores. Mas aí é que vem a questão: será que é isso mesmo o que os organizadores pensam?

Afinal, se analisarmos os grandes artistas que vieram para essa edição, poucos lançaram álbum esse ano. System of a Down, Elton John, Mastodon, Queens of the Stone Age, Metallica, Slipknot e Mötley Crüe são os exemplos principais, mesmo com o Slipknot tendo lançado um álbum ano passado. Apenas Faith No More, A-ha e Rod Stewart, trouxeram algo de novo para seus fãs, e fizeram shows muito distintos.

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Rod Stewart

Rod Stewart (20/09) concentrou sua apresentação em clássicos que colocaram o asilo para dançar, mas que no geral foi bem monótona e sem sal, principalmente por saber que o cara já liderou a voz do Faces e do Jeff Beck Group, mas isso era esperado. Antes dele, passou o Rei Elton John, com um show extremamente burocrático, recheado de clássicos executados em marcha lenta, e que já tinha feito o pessoal do asilo dar uma sacolejada no esqueleto.

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Elton John

Para mim o show do Elton foi melhor do que Rod Stewart, mas a apresentação em si não foi das mais empolgantes, e foi ali que me deu o estalo na mente de “estou aqui mais pelo $ do que pelo show em si“. Ainda no domingo do dia 20, Seal e Paralamas do Sucesso abriram o mundo relembrando o seu passado – Seal até tentou trazer algo novo, mas ninguém conhecia – e nada conseguiu superar o que aconteceu de tarde.

Sim, os shows da tarde no Palco Sunset foram muito mais animados no dia 20 do que o Palco Mundo. Alice Caymmi só não fez chover. A mulher tem um vozeirão rasgado de arrepiar, e ainda vai dar o que falar. Magic! e John Legend foram gratas surpresas para acompanhar o fim de tarde. Não conhecia eles e gostei do que vi, tanto que estou buscando mais informações.

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Pepeu Gomes, Baby do Brasil e Pedro Baby Gomes

A união de Baby e Pepeu foi simplesmente de chorar. Acompanhados do filho Pedro Gomes, o ex-casal Novos Baianos colocou o Rio de Janeiro em um córrego de lágrimas de saudades. Pepeu é um monstro na guitarra, e Baby ainda é uma das melhores vozes de nosso país. A lamentar apenas o excesso de dedicações religiosas feito entre as músicas, mas nesse caso, via-se claramente a felicidade por estar diante de uma plateia enorme tocando aquilo que gosta, até por que há algum tempo Baby não colocava no seu repertório canções do Novos Baianos e/ou de sua carreira solo. Foi outro show revival, mas com muito mais feeling do que os grandiosos do Palco Mundo.

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Paul Waaktaar-Savoy e Morten Harket

Uma semana depois, o A-ha foi a Ovelha Negra do dia 27. Entre Katy Perry, AlunaGeorge e Cidade Negra (primeira banda de reggae a apresentar-se na história do Palco Mundo), o A-ha, debaixo de muita chuva, mesclou canções de seu mais recente álbum, Cast in Steel, com versões modificadas de grandes sucessos de sua carreira, e arregaçou. Apesar da voz de Morten Harket falhar por diversas vezes, foi emocionante ouvir “Hunting High and Low”, “Take on Me”, “Crying in the Rain”, “Stay on These Roads”, “Cry Wolf” entre outros grandes sons que consagrou os noruegues na década de 80. Dos shows da tarde do dia 27 só assisti a Suricato, banda que injustamente perdeu a primeira edição do SuperStar da “Rede Bobo” para os malfadados almofadinhas da Malta, e que no Rock in Rio, fez um show competente, mostrando que eles são os verdadeiros candidatos a permanecerem como banda de sucesso daqui há alguns anos.

Me recusei a assistir qualquer show do sábado, dia 26, mas não tenho nenhum preconceito em fazerem uma noite dedicada para o pop, tendo Rihanna como headliner, já que isso aconteceu em todas as edições anteriores, com destaques para artistas como Dee-Lite, Nina Hagen, Britney Spears, Shakira, Beyoncé, entre outros.

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Mike Patton com o mosh que deu errado

No dia 25, a grande atração era o Slipknot. Horas antes, o Faith No More começou seu show com tudo, tascando uma versão foderosíssima para “Motherfucker”, mostrando a audácia esperada para uma banda como o FNM em começar um show com uma música de seu álbum mais recente, e prometendo ser o melhor grupo a passar pelo Palco Mundo naquele dia. Porém, Mike Patton inventou mais uma das suas, e em um momento tipicamente “vou cometer uma loucura”, fez um mosh totalmente errado, se espatifou no chão e a partir dali, o show decaiu bastante. Patton ficou praticamente estático – depois soube-se que ele machucou gravemente as costelas – e a animação que começou lá em cima foi diminuindo na pouco mais de uma hora de apresentação que sinceramente, não deixou saudades.

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Corey Taylor

O Slipknot fez um show para mim extremamente chato. As canções são tudo parecidas, e o excesso de pirotecnia encobre uma música que não me trouxe nenhuma emoção. O show de 2011 foi muito bom principalmente pela surpresa que causou naqueles que viam o Slipknot pela primeira vez, mas dessa feita, não houveram surpresas. Claro que os músicos são muito bons (principalmente os guitarristas Mick Thomsons e Jim Root, assim como o novato baterista Jay Weinberg), mas foi difícil ficar diante da TV durante as duas cansativas horas de apresentação da banda.

Antes dos dois, o Mastodon acabou roubando a cena no palco mundo, com uma apresentação pegada e cujo destaque foi para a extrema competência vocal dos músicos, já que todos se saem muito bem diante dos microfones não só como backing vocals, mas também como lead vocals. Além disso, o som dos caras é muito bom. Os novatos, nem tão novatos assim, já que estão há quinze anos na estrada, mandaram ver, e entendo quando eles não querem ser chamados de Heavy Metal, até por que as canções são muito mais rock do que heavy, e foi um show divertidíssimo de se assistir na sexta-feira à noite, mas que não chegou perto da maior apresentação do Rock in Rio, a qual ocorreu no Palco Sunset às 20 horas, e que fácil fácil podia ter colocado o Mastodon lá.

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Steve Vai, “comendo” as cordas da sua guitarra

Essa apresentação foi do lendário guitarrista Steve Vai, acompanhado pela Orquestra de Câmara de Florianópolis. O homem que já esteve ao lado de Frank Zappa conduziu a orquestra ao mesmo tempo que conduzia suas guitarras com uma habilidade exclusiva. Por vezes, era impressionante as caras do maestro verdadeiro da orquestra, perdido e alucinado com as barbaridades que Vai cometia em seu instrumento. Ele detonou, só isso. Puxando as cordas da guitarra com a boca, abusando de escalas, bends, vibratos, hammers e todas as técnicas de guitarra com altíssima sapiência, em uma hora de apresentação o homem fez por merecer todas as críticas positivas que o colocam como um dos maiores guitarristas de todos os tempos. A Orquestra foi uma ótima acompanhante para o músico, que encerrou sua apresentação com a lindíssima “For the God of Love”, e fez um dos momentos mais incríveis que já vi um guitarrista fazer, quando com a língua, conseguiu “entrar” na frequência de um vibrato, alterando-a com a passagem da língua pela corda de forma arrepiante. Não tinha como não ficar de olhos vidrados com aquilo, foi demais! Até por isso acho que o que veio depois não teve tanto impacto em mim, pois o orgasmo musical que Vai propiciou na noite do dia 25 era imbatível.

Naquele mesmo dia ainda rolaram Nightwish – não consegui aturar -, De la Tierra, esse no palco mundo e com um show bem agitado, os portugueses do Moonspell, com a participação de Derick Green do Sepultura, e o clássicos do terror, o único do dia que não consegui ver.

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Serj “Ouro Preto” Tankian

Para o dia 24, a expectativa ficava por conta do System of a Down. Apesar de estarem afastados dos estúdios há dez anos, o grupo fez um dos principais shows de 2011, e óbvio que a nostalgia imperava na apresentação da banda, a qual foi muito boa. Porém, apesar dos inúmeros clássicos e de uma pancadaria bem dosada e boa de se ouvir, ficou uma sensação de “Quando vai vir algo novo? Qual será a novidade?”. Isso aconteceu com outro headliner, o Metallica, mas comento mais adiante sobre o quarteto. Sobre o System of a Down, foi um bom show, valeu a pena ficar acordado até as duas da madrugada de sexta-feira para vê-los, mas tomara que apresentem algo novo em breve.

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Johnny Depp e Joe Perry

A noite do dia 24 na verdade teve como o melhor momento a apresentação do Hollywood Vampires. Liderados por Alice Cooper, tendo a cozinha do Guns Duff McKagan (baixo) e Matt Sorum (bateria) e contando com Joe Perry (Aerosmith) e Johnny Depp nas guitarras, o grupo fez um showzão para realmente animar a festa, Depois da passagem nada a ver do CPM-22, os Vampiros trouxeram ao Palco Mundo clássicos do rock ‘n’ roll, reconhecíveis até por uma marmota bêbada, e não teve como não cantarolar junto da TV. Apesar de focarem muito no fato de Depp estar na banda, isso foi o de menos. O ator toca bem seu instrumento, faz bases e solos com simplicidade e foi muito simpático, sendo apenas mais um desse poderoso time, que ao que parece, irá lançar um material em breve. Foi um belo show, tanto para compensar os fracos do CPM-22 (não gostei mesmo) quanto o chatérrimo Queens of Stone Age, banda que não consegui aturar e troquei de canal pouco depois da menina mostrar os seios e ser apalpada para todo mundo ver na Multishow – atitude lamentável que se repetiu também pouco antes do show do Slipknot. Engraçado que em 2001, o pessoal do QOSA ficou peladão no palco, mas dessa vez ficaram bem comportadinhos nos seus cantos.

Na tarde do dia 24 só consegui conferir o Halestorm, com um show pancada que podia fácil fácil ter ocupado o lugar do CPM-22. Os demais – Lamb of God, Project 46 e Deftones – infelizmente não consegui assistir por terem ocorrido durante o horário de trabalho.

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Thiago Bianchi e Michael Kiske

Voltando para a primeira semana, o festival começava com tudo. Afinal, dois nomes consagrados do evento estariam no dia 18 e no dia 19 como headliners – Queen e Metallica respectivamente. O dia 19 abriu com o Noturnall, acompanhado por Michael Kiske, em um show que teve altos e baixos. A participação da mãe do vocalista Thiago Bianchi em “Women in Chains” não foi das melhores, e podia ter passado longe do Rio de Janeiro, mas quando Kiske entrou no palco, daí o Rock in Rio explodiu em vibração. O show do Angra também foi muito bom, ainda mais com as participações de Doro Pesch (como a velhinha continua linda) e de Dee Snider, que mostrou como se faz e levantou a galera. Acredito que quem estava assistindo essa apresentação no Palco Sunset deve ter ficado encantado com o que saía das caixas de som. Ministry e Korn, com seus experimentalismos exacerbados, acabaram fazendo eu mudar de canal, mas voltei a tempo de conferir a surpreendente apresentação do Royal Blood, uma banda que achava que ia fazer fiasco, mas fez um belo show, mesmo com a fria recepção do público no local. O Gojira havia passado no palco mundo, mas este não assisti.

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Palco do Mötley Crüe

Antes do Metallica, o lendário Mötley Crüe fez sua despedida do Rock in Rio com um show competente, mas muito fraco. Vince Neil, com seu formato de queijo, nunca foi um grande vocalista, e apesar de trazer muito carisma, não contagiou. Por outro lado Mick Mars esganiçou. O cara está tocando como nunca, e tomara que ele mantenha uma carreira solo pós-fim do Mötley, pois será uma pena perder de ver esse homem em ação. Outro que está mandando ver é Tommy Lee, segurando as pontas na bateria como poucos. Uma pena que não trouxeram o famoso palco com a Montanha Russa, e apesar dos pesares, foi um bom show, marcado mais pelo saudosismo e pelo velho e bom rock ‘n’ roll, meio que no arrasto, mas capaz de fazer balançar o pescoço.

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James Hetfield (Kirk Hammet ao fundo)

Quando o Metallica subiu ao palco, ficava a esperança de que eles mudassem o repertório que está rolando há cinco anos praticamente. Só que não, o Metallica não trouxe nada de novo. Foi o mesmo e velho show que já vimos em diversos DVDs e passagens da banda pelo país. Sinceramente, o Metallica podia esperar mais para vir ao Brasil, e mesmo com a avalanche de clássicos apresentados no Palco Mundo, não deu para empolgar. Para piorar, o som caiu por duas vezes durante “Ride the Lightning” – seria consequência de haver um torcedor portando a bandeira do Grêmio Football Portoalegrense em cima do palco? – estragando o solo de Kirk Hammett, mas que por outro lado, foi depois disso que o grupo resolveu tocar um pouco mais. Prometeram voltar em 2017, mas honestamente, bem que podiam trazer o Slayer no lugar deles.

E um dia antes, a abertura do evento com a tão aguardada apresentação de Queen + Adam Lambert. Foi um dia de ansiedade geral. Por ser na sexta-feira, não consegui ver nenhuma das apresentações do Sunset e do Palco Mundo antes do Queen, já que só cheguei em casa do trabalho às onze horas. Ainda bem, pois não tive que ver os seios da Martinália no topless em homenagem à Cassia Eller.

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Adam Lambert e Brian May

Brincadeiras a parte, assim que cheguei em casa, me preparei para conferir o show dos headliners da noite. Foi um baita show? Sim, claro que foi, só que parecia muito mais um Queen on Broadway do que um show normal do Queen. Nem vou comparar Adam Lambert a Freddie Mercury. O garoto – nem tão garoto assim – é um bom vocalista, mas não tem como aceitá-lo como vocalista de uma banda do Queen. Ele não pode assumir os vocais da banda de jeito nenhum, ainda mais com um estilo que imita, mas não consegue ser, Freddie Mercury. George Michael foi George Michael quando esteve naquela posição, assim como Paul Rodgers foi Paul Rodgers, e Adam Lambert não consegue ser Adam Lambert. Talvez o peso de ser um menino perto dos vovôs Brian May e Roger Taylor afete isso, mas o problema não é só Lambert. May está totalmente fora de forma. O solo de “Brighton Rock” foi vergonhoso, e mesmo na bela “Love of My Life” (com Mercury dando as caras no telão) May não conseguiu reproduzir o acompanhamento sem dar uma engasgada. Taylor sempre foi um ótimo baterista, e não pecou no show, até surpreendendo quando assumiu os vocais de “A Kind of Magic”. As surpresas ficaram por “The Show Must Go On” e “Stone Cold Crazy”, e acredito que quem esteve lá deve ter adorado o show, mas para mim ficou a sensação de que “estamos aqui por que estão nos pagando bem”. E isso aconteceu com outros amigos que assistiram os shows da banda em São Paulo e Porto Alegre, onde os preços dos ingressos eram quase do mesmo valor (ou até maior) do que o pago para ir no Rock in Rio.

E aí está, será que realmente é a música o que está no pensamento da maioria dos artistas “veteranos”? Ao ver o show do Queen + Adam Lambert e do Metallica, que não trouxeram nada de novo, confesso que me decepcionei bastante com a atitude deles. E não foi só no Rock in Rio. O valor de R$ 380,00 para assistir somente o Queen + Adam Lambert em Porto Alegre foi tão pornográfico quanto os lançamentos da Bruna Surfistinha. Em um local onde cabem pelo menos 10 mil pessoas, chutando por baixo, imagine a renda que os promotores não tiveram? Mas imagine também quanto a trupe de Brian May cobrou para essa apresentação? É muito dinheiro rolando.

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The Allman Brothers, detonando no final da década de 60

Foi-se o tempo em que um Yes ou um Genesis ousavam em apresentar na íntegra um álbum duplo recém lançado, sem nada de velho, apenas canções novas, ou de um Pink Floyd, que levava para o palco canções que só iriam ser lançadas anos depois, ou um Led Zeppelin, Allman Brothers, Grateful Dead, que pegavam uma canção clássica e a transformavam em uma viajante sessão sonora. Esses momentos não existem mais no rock de hoje, e é uma pena. Ao ver uma banda como o Metallica ficar oito anos sem lançar material inédito, e continuar cinco anos com o mesmo set list de apresentações, é como ver filme da Sessão da Tarde: é bom, mas já se sabe o que vai acontecer. E o pior é que não fica só no Metallica. O próprio System of a Down, uma banda que confesso não sou fã e não acompanho muito, também está nessa barca.

O novo Kiss, com as máscaras antigas ...
O novo Kiss, com as máscaras antigas …

Saltando para fora do Rock in Rio, é mais vexatório ainda ver que o próprio Yes continua na ativa mesmo com a morte de seu líder, Chris Squire, tendo apenas Steve Howe e Alan White como membros clássicos, mas não originais. Esses estão excursionando com material antigo, e prometem lançar material novo, o qual, se for do mesmo nível de Heaven and Earth (2014), é melhor não lançar. Claro que várias bandas já seguiram sem seu líder, mas no caso do Yes, é uma lástima que isso esteja acontecendo. Outra banda que também só vive pelas cifras monetárias é o Kiss. Não que o grupo nunca tenha vivido para isso, mas ter Tommy Thayer e Eric Singer emulando as máscaras de Ace Frehley e Peter Criss é uma afronta bizarra e debochada com os fãs antigos, que vivenciaram as duas primeiras fases do grupo e que, acredito fielmente, não se importariam em ver o atual quarteto sem as máscaras, pois as músicas apresentadas estão acima do espetáculo circense, mas falsificado, que acabou virando o show do Kiss nessa última década. Claro que assistir Gene cuspindo fogo, a guitarra do Spaceman atirando e tudo o mais é sempre bem-vindo, só que é duro saber que aquele Spaceman não é o original (o Kiss não é um 007 para ficar trocando de pessoas, está mais para um Chaves, Indiana Jones, Kevin McCallister, Marty McFly …).

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Legião Urbana?

Aqui por terras brasilis, há pouco tempo Davo Villa-Lobos e Marcelo Bonfá confirmaram a volta do Legião Urbana com André Frateschi como vocalista. Acredito que os fãs do grupo – os verdadeiros – devem ter soltado um sonoro “Put@ que Pariu!” ao ler essa notícia. Como vão substituir um ícone como Renato Russo nos palcos? É da mesma proporção que colocar o Adam Lambert no lugar de Freddie Mercury. Desconheço a carreira de André, mas duvido que ele tenha o carisma que Renato tinha. E pior que muita gente vai pagar para ver essa turnê, e isso, óbvio, vai dar um $ para os músicos, e novamente me pergunto: “Será que é a música que vem em primeiro lugar”.

Posso estar errado, mas vejo que cada vez mais as bandas estão nessa por dinheiro, e não pela música em si. E os fãs gostam disso. Em épocas onde as possibilidades de buscar por novidades com o avanço da internet são tão fluentes, permitindo que sejam conhecidos grupos e artistas obscuros, parece que esses Indiana Jones da música são uma parcela pequena perante a esmagadora quantidade de fãs que lotam os shows dos artistas citados. E isso que estou falando apenas dos artistas que passaram pelo Rock in Rio. Quantos outros vem navegando no mar calmo de “fazer shows com velhos sucessos sem lançamento de algo original” pelo mundo?

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Ingresso do festival

Ao mesmo tempo, leituras durante e pós-Rock in Rio deixaram-me ainda mais intrigado com esses fãs e com os organizadores do evento. Afinal, o preço em torno de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) para cada noite do festival é nada convidativo, mas todos os dias a Cidade do Rock estava lotada, com mais de 80 mil pessoas, e pelas imagens e entrevistas dadas na TV, uma ampla maioria formada por adultos de classe média-alta, que figuram em protestos contra o atual governo federal seja nas ruas, seja em redes sociais. Então, onde está a crise para eles?. Mas isso é o de menos, o ser humano tem total liberdade de gastar seus tostões naquilo que lhe convém e de reclamar idem.

Só que além dos ingressos exorbitantes, o consumo de bebidas e comidas também atingia níveis altos de valores. Para se ter uma ideia, um saco de pipocas custava R$ 10,00. Um copo de refrigerante era R$ 7,00, enquanto um copo de suco ou chopp R$ 10,00. Ainda existia uma variedade incrível para um festival de rock, com lojas especializadas em pizzas, batatas e até yakissoba e sushi (!), tudo com preços girando entre R$ 10,00 e R$ 25,00. Alimentação a parte, o pessoal tinha também opções de diversão em Roda Gigante, Tirolesa, Montanha Russa, XTreme eram algumas opções de diversão (pombas, como vai se divertir em um evento de música se não for ouvindo música?), e pior que teve gente brigando para usar os brinquedos. Resumindo, só para adentrar a Cidade do Rock em uma noite de evento, fazer dois lanches, considerando que o cidadão ia ficar lá das 14 horas até as 02 da manhã, no mínimo R$ 500,00 reais seria gasto por dia, e para ver atrações que não são mais nada além de um DVD ao vivo.

Mas além disso, lojinhas e lojinhas de patrocinadores distribuindo lembrancinhas, aumentaram a sensação de que Comércio é Comércio Mesmo, e pela TV, era possível ver pessoas constantemente passeando em todas as apresentações. Não a maioria do público, mas sempre tinha gente caminhando e perdida em TODAS as apresentações que eu vi, assim como uns malucos cruzavam na tirolesa diante do palco. Depois reclamam que Geovanna Tominaga foi lá para ver o Nirvana …

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A lama de 85, colhida em 2015

Pior ainda, alguns souvenirs eram tão inusitados quantos os valores cobrados por eles. Tirando uma camiseta com a inscrição de todos os participantes de todos os Rock in Rio (custando R$ 35,00), e uma mini-Cidade do Rock no valor de R$ 70,00, os produtores conseguiram a façanha de inventar um souvenir tão babaca quanto suas vontades de ganhar dinheiro: A Lama de 85. Pelamordedeus. Os caras recolheram a lama da Cidade do Rock em 2015, trinta anos depois, jogaram dentro de placas de acrílico, e vendiam como se aquilo fosse de 1985 por modestos R$ 185,00. E pior, quatorze pessoas compraram isso (pra quê?). Daí repito, onde está a crise? Onde está o bom senso com o dinheiro ganho suado? Ou essa gente aí tem dinheiro sobrando e um pouco de lama da Cidade do Rock em casa vai ser legal para plantar as samambaias?

Enfim, para um evento tão grandioso, fica que o que menos contou foi a música, ou melhor, o sentimento que a música traz. Não vi um Bruce Springsteen tocando durante duas horas, suadão e faceiro, indo pro meio da plateia, ou um Slayer homenageando seu fundador com uma emoção quase raivosa de ter que fazer aquilo, ou um Neil Young estourando as caixas de som. Vi shows basicamente burocráticos e mornos, e no Palco Sunset, ou nos de menor porte, a presença de que “vale a pena eu estar aqui, pois a emoção é maior do que a cifra que entrará na minha conta bancária”. Muitas das bandas do Palco Sunset fizeram os melhores shows do dia, mas por outro lado, o publico também não é nada receptivo com novidades. Que adianta trazer um Ghost se ele não consegue animar a plateia? Acho que o Mastodon sofreu do mesmo problema que o Ghost em 2013.

Imagina se em uma noite do Rock in Rio tivéssemos, na ordem, El Efecto – que duvido que tocasse num festival como esse – Blue Pills, The Winery Dogs e, fechando o palco mundo, o Slayer? Que espetáculo de novidades musicais nao teríamos? Mas será que é isso que o público quer?

Valores altos para pagar os cachês de artistas consagrados, cuja maioria já pisou no palco do Rock in Rio, e hoje estão afundados em um passado glorioso, não são dignos de um festival como esse. Atitudes de montar bandas usando nome de gigante, mas com outros artistas no lugar, soa-me tão charlatanista quando as criações do New-Steppenwolf ou do New-Deep Purple no final da década de 70, ou seja, bandas covers de si mesmo, com um ou dois artistas originais, e sem nada de novo a acrescentar.

Entendo que muita gente gosta disso, mas na minha visão, e talvez eu deva estar totalmente errado, isso não me serve mais. E mais, com uma sociedade tão desnivelada financeiramente como a nossa sociedade brasileira, a arte por si só não chegou a ser consumida, mas sim um mero Jardim de Infâncias com trilha sonora e alimentação cara para a diversão de pessoas com um pouco mais de poder aquisitivo. Claro que nem todo mundo que estava lá era assim (tenho vários amigos que juntaram grana o ano inteiro para poder chegar perto de Brian May), mas fica aqui o meu desabafo. Joguem as pedras …

38 comentários sobre “Quando as Cifras que Importam Não São as Musicais

  1. Tive de assistir boa parte dos shows pelo YouTube depois do fim do festival. O Royal Blood comeu com farinha todos os outros shows do RIR, com uma apresentação extremamente impecável, carismática e cheia de autenticidade (auxiliada pelas músicas de seu excelente único disco). O Slipknot foi o segundo melhor show. Eu sou fã dos mascarados (minha segunda banda favorita de sempre), então eu comprei a ideia do show: execução precisa das músicas, Corey sempre articulando e falando com a plateia, setlist impecável, perfeito para quem já gostava dos caras. Cito também o Ministry como terceiro melhor show: é aquela loucura industrial do Uncle Al, então é só pra quem já conhece e gosta do sujeito.

    Agora quanto a importância do Rock in Rio: lá nos anos 80 até se justifica sua importância para mostrar ao brasileiro o impacto da qualidade das bandas internacionais (não sou dessa época, mas muita gente começou uma banda depois do primeiro RIR). Atualmente é só um evento sem comprometimento e peso algum para o estabelecimento de bandas novas, papel que é da internet a pelo menos 20 anos… E ainda compro a ideia, gosto da produção e não vejo problema nenhum ver sempre os artistas velhos fazendo shows interessantes. No mais boa análise, Mairon.

    1. Valeu Alisson. Eu acho que o pessoal podia fazer algo diferente, até por que convenhamos, muitos dos shows acabaram virando interessantes apenas no papel. O loolapalooza está se tornando um evento bem mais legal do que o RIR. Mas talvez eu esteja louco mesmo.

      1. Já eu acho o Loolapalooza um verdadeiro pé no saco, com um monte de banda aguada de alternativo que nunca ninguém ouviu falar na vida. Esse ano o cast principal salva só por causa do Eminem, que sempre apresenta um show vigoroso, de resto…

  2. Poucas vezes foram ditas palavras tão condizentes com a real situação desses eventos megalomaníacos. Concordo em gênero, numero e grau.

    1. Fazendo um adendo. Não gosto do Slipknot justamente pelo motivo que foi exposto, musicas parecidissimas e que não empolgam. Concordo com a relevância e apelo midiático que eles possuem. Não quero de forma alguma depreciar a banda ou aqueles que a escutam. Mas,também não aguentei escutar muitos mais do que 3 musicas dos mascarados.

  3. O que vou escrever não tem nada de critica à análise do Mairon, mas penso que vocês reclamam, quando reclamam, é de barriga cheia. Tenho uma inveja desmedida da geração de vocês que tem a oportunidade de ver ao vivo bandas em plena atividade sem ter que sair do país. Foda-se se o evento é caça níquel, se os organizadores são sem noção (não achei), se o público paga R$150,00 por dez cm2 de barro… Hoje em dia tem festival aqui no Brasil pra todo o tipo de público, do progressivo ao sertanejo universitário. E grandes bandas (ou pelo menos consagradas) colocam o Brasil em suas tours. Na minha época isso tinha um nome: alucinação.

    1. Naquela época poucos grupos tocavam sem tesão como esses caquéticos que vieram no Rock in Rio.

      1. Assisti alguns shows (ou pedaços deles) no youtube e não achei nada caquético. Li sobre algumas bandas que foram fiascos, mas era de se esperar pela quantidade de bandas. É que eu sou um cara muderno, Melo.

  4. Não assisti o Rock In Rio,pois estava assistindo alguns documentários de Sir.Isaac Newton no Youtube,sempre é bom assistir coisas relevantes e lindas.Antigamente eu tinha uma vontade imensa de assistir o RIR,mas hoje….prefiro assistir Courage the Cowardly Dog,o melhor desenho com uma trilha e clima impecáveis!No que eu me lembre,a apresentação mais estonteante que eu assisti no RIR foi a a do Muse,banda muito boa,pelo menos ao vivo.

      1. De fato,o Muse é um banda fora dos padrões,pelo menos dos padrões comumente conhecidos:um Radiohead com mais graça e bem mais pesado obviamente,resumindo.Você,Gaspari,gostou do novo disco deles(Drones)?

        1. Não ouvi, Erick. Minha história com o Muse é porque é uma das bandas preferidas de um dos meus filhos. Vira e mexe eu ouço algumas coisas, mas não sou de seguir o trabalho deles. Por exemplo: uma banda que quase ninguém gosta e eu acabei gostando por causa de outro filho meu é o Animal Collective. Mas estou longe de ser fã, hehe…

          1. Animal Collective é um surrealismo de beleza inestimável,simplesmente uma banda para se viajar internamente!Não sei se você,Gaspari,conhece a obra prima deles chamada ‘Merriweather Post Pavilion’,provavelmente você deve conhecer,mas caso não,OUÇA URGENTEMENTE!Sabe aqueles álbuns em que você dá a volta pelo Universo quebrando todas as leis que os gênios que andaram por essa terra descobriram?MPP é um álbum que te faz viajar tanto quanto o TPAGOD do PF,quer dizer,de Syd Barrett.

  5. Belo texto definindo, de certa forma, a broxura que foi esse Rock In Rio.

    Considero que, dentre os últimos festivais, o de 2013 foi o melhor (tanto que minha reclamação foi o fato de ter tido tanta coisa boa no Palco Sunset), depois 2011 e por último esse de 2015.

    E, sobre esse assunto “música x grana”, um dos fatores que me fez optar pelo show do David Gilmour em vez do Queen+Adam Lambert é que o Gilmour vai tocar clássicos do Floyd, é claro, e muita gente estará lá pra ouvi-los – e foda-se o material solo dele. Mas há um material novo, há um motivo pra ser feita a turnê, mesmo que Rattle That Lock seja um disco meia boca.

    O outro motivo é que 240 reais (a meia entrada. Se não me engano, nesse show do Gigantinho, era 480 a inteira na pista, não 380) eu pagaria pra ver o Queen com o Freddie Mercury. E só. Nem com o Paul Rodgers, que gerou um espetáculo mais rock, mais pesado, com músicas do Free e Bad Company (que ganharam um instrumental poderoso com May e Taylor) eu iria.

    Em tempo, interessante saber que o autor do post é colorado. Talvez o motivo da queda dupla do som do Metallica tenha sido por causa da bandeira do Grêmio mesmo. Se fosse do Inter, ia cair 5 vezes.

    1. É bem isso. 500 reais para ver o Queen com Mercury é um absurdo, mas valeria a pena desembolsar. E fiz a mesma opção Arthur, vou no Gilmour pq é o GILMOUR, O CARA, assim como fui no Waters, O CARA. Se fosse o Pink Floyd só com o Nick Mason e sem os dois, não sei se iria.

      Quanto ao fato de queda, é melhor ficar conversando com Corinthianos, Coxa Brancas e Vascaínos daqui do site, eles entendem disso bem melhor que eu :v

        1. HAHAHAHAHA De fato,Marco.Parece também que na época em que o “””Timão””” estava na Série B,subiu o número de atos violentos cometidos nos estádios da Série B,obviamente…Mas no máximo foi uma mera coincidência,como sempre…That’s Life.

  6. Artistas Internacionais que gostaria de ver no Rock In Rio 2017: Kiss, AC/DC, Van Halen, Lynyrd Skynyrd, Blues Pills, The Answer, Gov´t Mule, Def Leppard, The Rolling Stones, Rush, Paul McCartney, Pearl Jam, Green Day, Iggy Pop, Anthrax, Marilyn Manson, L7 (sim, as menininhas voltaram), Alice Cooper (com o show dele), Mark Knopfler. Na área pop, gostaria de ver Madonna, Prince, Joss Stone (no Palco Mundo), Lady Gaga e Christina Aguilera.

    Artistas Nacionais que gostaria de ver no Rock In Rio 2017: Cachorro Grande, RPM, Marcelo Nova, Lobão, Paula Toller, Vespas Mandarinas, Far From Alaska, Nando Reis, Titãs, Velhas Virgens, Korzus, Shadowside, Arnaldo Antunes, Autoramas (no Palco Mundo). Da galera mais MPB… (sempre tem). Tá, Arnaldo se encaixaria aqui, mas também gostaria de ver a galera da nova geração: Maria Rita (cantando repertório dela), Céu, Ana Cañas, Vanessa da Mata… etc. Marisa Monte também seria interessante. Não aguento mais ver o Ivan Lins e o Milton Nascimento cantando desafinado e o Ney Matogrosso cantando Cazuza. Gosto do trabalho do Ney, mas gostaria de ver algumas caras diferentes…

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