I Wanna Go Back: Bad Company – Holy Water [1990]

I Wanna Go Back: Bad Company – Holy Water [1990]
Por Diogo Bizotto
O Bad Company já nasceu digno de ostentar grandeza. Legítimo exemplar de supergrupo, justificava a expectativa causada por sua estreia auto-intitulada (1974) pelo mais que gabaritado quarteto que compunha suas fileiras. Do Free, uma das melhores bandas a emergir do efervescente cenário britânico do final dos anos 60, vinha o vocalista Paul Rodgers e o baterista Simon Kirke. O guitarrista Mick Ralphs veio do Mott the Hoople, um dos principais ícones do glam rock, apadrinhado por David Bowie. Boz Burrell, egresso de uma das muitas formações do King Crimson, onde era baixista e vocalista, completava o time, dessa vez cuidando apenas das quatro cordas.

O desempenho do quarteto nas paradas de sucesso, vitaminado pela presença do empresário Peter Grant, que também administrava os rumos da carreira do Led Zeppelin, foi retumbante nos dois lados do Atlântico. O mercado norte-americano, que, com exceção de “All Right Now” (Free), nunca havia sido atingido em cheio pelas bandas onde os integrantes do Bad Company haviam constituído reputação, rendeu-se completamente ao novo produto de exportação legitimamente inglês. Bad Company, o álbum, atingiu o topo da Billboard em setembro de 1974, e, auxiliado pelos singles para “Can’t Get Enough” (5º) e “Movin’ On” (19º), acabaria por atingir a marca de mais de cinco milhões de cópias comercializadas.

A sequência com Straight Shooter (1975) e Run With the Pack (1976) também se revelou multiplatinada. Mesmo um pouco reduzida, a fortuna continuou batendo à porta do Bad Company com Burnin’ Sky (1977), retomou o crescimento com Desolation Angels (1979) e deu seu último suspiro com Rough Diamonds (1982), já criado em um clima mais tenso, refletindo a então recente morte do amigo John Bonham (Led Zeppelin) e o assassinato de John Lennon. O grupo se separou após o lançamento, sendo que sequer houve uma turnê para promover Rough Diamonds.

Após quase quatro anos, a ideia de voltar a fazer música juntos acometeu Mick Ralphs e Simon Kirke. Paul Rodgers, que estava trabalhando junto a Jimmy Page (Led Zeppelin) em outro supergrupo, o The Firm, declinou o convite. Boz Burrell retornou ao grupo, mas sua presença durou apenas o suficiente para ser creditado no álbum de retorno, Fame and Fortune. Steve Price, que é quem havia realmente gravado as linhas de baixo, tomou seu lugar definitivamente. Para os vocais, foi convocado Brian Howe, um egresso da banda do guitarrista norte-americano Ted Nugent.

Se o Bad Company costumava ser um exemplar perfeito do típico rock de arena setentista, em Fame and Fortune a banda se atualizou, praticando uma sonoridade em conjunção com a década de 80, muito devido à grande diferença entre as vozes de Paul Rodgers e Brian Howe. Enquanto o antigo vocalista era possuidor de latentes influências de blues e da soul music, algo que expressava tão bem desde os tempos de Free, Brian mostrava um acento pop bastante pronunciado, aproximando o grupo do AOR oitentista. O disco acabou não sendo tão bem recebido quanto seus antecessores, sem gerar singles de sucesso.

Mick Ralphs, Brian Howe e Simon Kirke

A banda não se abalou e seguiu com Dangerous Age (1988), que trouxe de volta uma sonoridade mais calcada na guitarra de Mick, sem o excesso de teclados que acometeu Fame and Fortune. Apesar disso, a influência de Brian Howe nos rumos que o Bad Company estava tomando ficava cada vez mais forte, bastando uma checada nos créditos das composições para verificar essa afirmação. É o vocalista, junto ao produtor Terry Thomas, que assina a maior parte das faixas presentes no álbum. A parceria deu certo, e Dangerous Age conseguiu adentrar com maior competência as paradas de álbuns e singles.

Em 1990 foi lançado Holy Water, que coroou a fase Howe no Bad Company, alcançando a 35ª posição na Billboard e destacando vários singles, em especial a faixa-título, “Walk Through Fire” e a balada “If You Needed Somebody”. Por mais que o grupo, agora contando com o baixista Felix Krish, não tivesse mais a relevância que havia conquistado nos anos 70, Holy Water confirmou o sucesso do quarteto em manter-se na ativa, disputando a atenção com bandas muito mais jovens, de maneira alguma ostentando o rótulo de “dinossauros”. O direcionamento musical apresentado foi uma sequência natural de Dangerous Age, talvez um pouco mais AOR, mas sem carregar no uso de teclados, como em Fame and Fortune. Brian Howe continuou a dominar os créditos ao lado do produtor Terry Thomas, mas Mick Ralphs também teve participação ativa.

O álbum é aberto em alta, com duas canções que se revelariam bem sucedidas, a faixa-título, que, dotada de um refrão feito especialmente para ser bradado em arenas, traz um bem vindo toque setentista na guitarra de Mick Ralphs; e “Walk Through Fire”, essa totalmente alinhada com a época, inclusive se aproximando um pouco do pop metal, tão presente nas paradas de sucesso da segunda metade dos anos 80 e início dos anos 90. Aliás, cabe aqui uma exaltação à capacidade de Mick Ralphs, músico que pouquíssimas vezes é visto nas populares listas de melhores e mais importantes guitarristas do rock. Sem querer apelar para um clichê, mas já me apegando a um, Mick é o típico instrumentista que trabalha para a música, não para a simples satisfação pessoal. Quem acompanha sua carreira, que supera a marca de 40 anos, conhece a capacidade de Ralphs em se adaptar à sonoridade necessária para cada registro, sejam rocks crus ou refinados, outros com tendências dançantes, até canções praticamente pop metal, como “Walk Through Fire”.

É sua guitarra, que, com um riff que remete ao Whitesnake da primeira metade dos anos 80, abre a seguinte, “Stranger “Stranger”, dotada de um balanço acentuado pelo trabalho de Simon Kirke e Felix Krish. A balada “If You Needed Somebody” revelou-se o maior hit do Bad Company desde a longínqua “Rock ‘n’ Roll Fantasy”, presente em Desolation Angels (1979), atingindo a 16ª posição na parada de singles da Billboard e repercutindo inclusive no Brasil, onde muitas pessoas tomaram conhecimento do grupo através dessa faixa. Os mais puristas podem rejeitá-la, mas é inegável que trata-se de uma canção que, no formato proposto, supera em qualidade a maioria do que se estava fazendo na época. Seu refrão bombástico é viciante, e denota o talento de Brian Howe para cunhar o tipo de melodia apresentada.

“Fearless” é hardeira e animada, lembrando bastante “Coming of Age”, do então novo supergrupo Damn Yankees, que reunia Ted Nugent, Tommy Shaw (Styx) e Jack Blades (Night Ranger), enquanto “Lay Your Love on Me” traz a única composição solo de Ralphs em Holy Water, destacando sua timbragem vintage. Uma semibalada, “Boys Cry Tough” é onde Brian Howe tem sua vez de brilhar individualmente, sendo fácil notar a semelhança de sua voz com a de Lou Gramm, vocalista do Foreigner. Também são dignas de nota as texturas construídas por Ralphs através do uso de violão, guitarra base e solos.

Brian Howe, Simon Kirke e Mick Ralphs

A guitarra continua a dominar na pulsante “With You in a Heartbeat”, uma das melhores performances instrumentais do Bad Company no álbum, repleta de arranjos bem engendrados, mostrando que hard rock é muito mais do que uma simples progressão de riffs empilhados. “I Don’t Care” é mais uma a deixar bem claro o papel de Terry Thomas, que efetuou uma produção de primeira classe em Holy Water, contando com o auxílio dos engenheiros Tony Harris e Andrew Scarth. Todos os instrumentos soam perfeitamente claros, bem timbrados e equalizados, tanto nos momentos onde a música precisa “respirar” mais quanto naqueles mais carregados.

A malandragem setentista de Ralphs dá as caras em “Never Too Late” e na blueseira “Dead of the Night”, repleta de curtos e certeiros solos de guitarra, enquanto “I Can’t Live Without You” traz melodias que remetem a algumas canções do Queen típicas de Brian May, como “Put Out the Fire” e “Tear It Up”. A semiacústica “100 Miles” encerra o disco de maneira mais bucólica com a voz de Simon Kirke, que pode não ter sido muito citado no decorrer desta resenha, mas contribui com linhas de bateria sólidas e, assim como a guitarra de Ralphs, comprometida com o desenvolvimento de cada música.

A versão do Bad Company com os vocais de Brian Howe ainda duraria mais um álbum, Here Comes Trouble (1992), que, apesar do sucesso de “How About That”, não repetiria o desempenho de Holy Water. Dali em diante, o grupo alternaria formações, contando com o vocalista Robert Hart após a saída de Howe, mas também com um curto retorno do line-up clássico, unindo Ralphs e Kirke a Rodgers e Burrell. A alternância continuaria por diversos anos, até que, em 2009, mais uma vez o Bad Company mais clássico se reuniu, sem a presença de Boz Burrell, que havia falecido em 2006, realizando turnês até outubro de 2010. Por ora, o grupo encontra-se parado, mas permanece viva a esperança de muitos fãs (inclusive a minha) de ainda poder ver ao vivo no Brasil essa que é uma das maiores instituições que o rock gerou nos anos 70. Estão no topo da minha lista de shows que preciso ver antes de morrer!

Track list:

1. Holy Water
2. Walk Through Fire
3. Stranger Stranger
4. If You Needed Somebody
5. Fearless
6. Lay Your Love on Me
7. Boys Cry Tough
8. With You in a Heartbeat
9. I Don’t Care
10. Never Too Late
11. Dead of the Night
12. I Can’t Live Without You
13. 100 Miles

Um comentário em “I Wanna Go Back: Bad Company – Holy Water [1990]

  1. O Bado Company dos anos 70 é beeeeeeeeeeeeem melhor do que o dos anos 80. Dessa fase, eu gosto do Dangerous Age (que comprei o vinil na época do lançamento por pura coincidência, já que havia lido uma matéria sobre o King Crimson e nela estava citado "Boz Burrel, do Bad Company", ou seja, achei q o grupo era uma sequência de Islands, hehehe.
    Mas foi uma boa compra. Hoje não tenho mais o vinil, mas tenho boas recordações de "No Smoke Without Fire" e "Excited". Quanto a Holy Water, "If You Needed Somebdoy" tocou tanto que virou uma "Another Brick in the Wall part 2" da vida. O resto do disco é mediano na minha opinião, mas bem melhor do que muita coisa dessa época.

    Bela lembrança!

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