Maravilhas do Mundo Prog: O Terço – Solaris [1976]

Maravilhas do Mundo Prog: O Terço – Solaris [1976]

Por Mairon Machado

Depois de ter conquistado seu espaço como um dos principais nomes do rock nacional, o quarteto O Terço recebia a difícil tarefa de manter-se no topo. Com a concorrência acirrada do Mutantes de Sérgio Dias, Flávio Venturini (vocais, teclados), Sérgio Hinds (guitarra, vocais), Luiz Moreno (bateria, percussão, vocais) e Sérgio Magrão (baixo, vocais) precisavam ir além das inspirações britânicas, e a solução foi voltar às raízes do grupo, ou seja, adicionar as culturas nacionais ao rock ‘n’ roll setentista.

As explorações de “Amanhecer Total” e “1974” eram perfeitas, e o caminho honesto a ser seguido, mas como todo grande empreendimento, audácia precisava ser empregada pelo quarteto. Em 1976, o grupo trancou-se em um sítio no interior de São Paulo, localizado no km 48 da BR 116, para gravar e compor as novas canções. O local foi apelidado de Casa Encantada, devido a alta energia emanada por lá, e foi esse apelido que batizou o quarto álbum do quarteto, mais um clássico do rock nacional.

Anúncio do lançamento de Casa Encantada na revista Pop, em 1976
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Casa Encantada na revista Pop, em 1976

Nele, temos de tudo um pouco. Logo no início, surpreendem cantando em espanhol o sucesso “Flor de la Noche”,  tendo a participação do percussionista Zé Eduardo e vocais de Moreno, em um belíssimo jazz rock que é seguido pelo rock empolgado de “Luz das Velas”, também cantado por Moreno e recheado com naipe de metais comandado por Rogério Duprat.

“Guitarras” lembra canções da Mahavishnu Orchestra, com Hinds demolindo o instrumento que dá nome à canção, mas surpreendendo com a inclusão de instrumentos típicos do samba, no caso o agogô e a cuíca, ambos tocados por Zé Eduardo, e que assaltam a canção entre as viajantes escalas do moog e da guitarra, em um daqueles momentos mágicos que a história da música fornece aos seus apreciadores.

Os violões e as vozes de “Foi Quando Eu Vi Aquela Lua Passar” parecem terem saídos dos álbuns do Secos & Molhados, mostrando a versatilidade que o quarteto gerou naCasa Encantada, e temos novamente o maestro Duprat na linda “Sentinela do Abismo”, com destaque para a introdução medieval de Venturini ao piano e flautas tocadas por César de Mercês, ex-músico do O Terço. “Flor de La Noche II” encerra o lado A com a letra em português de “Flor de La Noche”, em um ritmo bluesy.

A clássica faixa-título abre o lado B, e assim como “Criaturas da Noite”, essa canção ficou marcada entre os fãs do O Terço principalmente pelo emocionante arranjo vocal construído por Venturini e Luiz Carlos Sá. Mercês participa na canção executando um animado solo de flauta, e a partir de então, O Terço desbanca de vez para o progressivo, com “Cabala”, um épico construído por Venturini junto com Zé Geraldo – que também trabalhou nas orquestrações e tocou violão na mesma  – cheia de quebradas indecifráveis, os sintetizadores enigmáticos e sua letra citando bruxas, rituais e magia, chegando na Maravilhosa “Solaris”.

Capa dupla interna de Casa Encantada
Capa dupla interna de Casa Encantada

Essa curta faixa instrumental “Solaris”, composta por Luiz Moreno, tem uma potência delirante mais forte que qualquer coquetél de LSD com cogumelos. Venturini surge dedilhando o piano acompanhado por leves acordes de violão, deixando o piano comandar os acordes que “aquecem” a canção com os solos individuais de moog e guitarra, feitos ao mesmo tempo.

A bateria de Moreno surge timidamente entre os solos, retornando ao dedilhado do piano e aos acordes de violão, agora com leves batidas nos pratos, para Magrão socar seu baixo e começar uma insana sessão na qual o moog nos leva por horizontes infinitos de galáxias desconhecidas, com a bateria de Moreno sendo o motor da nave que atravessa as estrelas, constelações, planetas e nebulosas em uma viagem assustadora.

Repentinamente, o piano surge dedilhando novamente, e acompanhado do moog, encerra a canção com um majestoso solo, mas o suficiente para deixar seu queixo caído pela sala.

Flávio Venturini, Luiz Moreno, Sérgio Hinds e Sérgio Magrão
Flávio Venturini, Luiz Moreno, Sérgio Hinds e Sérgio Magrão

“O Vôo da Fênix” é outra canção famosa deste álbum, mesclando novamente elementos do samba com o progressivo britânico e com um refrão tão conhecido como o número de dedos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente pela parte percussiva de Zé Eduardo. Uma homenagem aos amigos Sá e Guarabyra encerra o álbum, com o velho folk rock dos tempos de O Têrço, em “Pássaro”, outro grande sucesso do O Terço, contando com a participação de  Venturini no acordeão.

Após o lançamento de Casa Encantada, O Terço participou do programa global Sábado Som. A banda fez uma média de 400 concertos entre os anos de 1975-1976, lotando teatros e festivais. Vale a pena lembrar da homenagem que fizeram para os Beatles, junto com os Mutantes, em 1976.

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Dois momentos do O Terço em 1976: Sérgio Magrão, Luiz Moreno, César de Mercês e Sérgio Hinds (à esquerda); Sérgio Hinds, Flávio Venturini, Sérgio Magrão e Luiz Moreno (à direita)

Novas músicas começavam a surgir, como “Raposa Velha” e “Suíte”. Porém, Venturini decidiu sair e tentar a sorte ao lado de Beto Guedes, e a história seguirá em setembro, quando após alguns anos, virá mais uma Maravilha Prog na carreira d’O Terço.

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