Discografia Comentada: Soen

Discografia Comentada: Soen

Por Fernando Bueno

Fui questionado recentemente sobre a falta de um texto abrangendo a carreira ou algum disco específico do Soen, sendo que sou um grande fã dos suecos. A única matéria sobe a banda que saiu nesse nosso site foi uma resenha que fiz do primeiro show que fizeram aqui no Brasil e que estava sendo também um dos primeiros shows após o fim oficial da pandemia da COVID 19 (link aqui). Não deixe de ouvir a playlist preparada na época do show com o exato set list que foi tocado na ocasião.

O Soen for formado em 2004 por Martin Lopez, durante o período que ele ainda era um membro do Opeth – Lopez chegou também a ser baterista do Amon Amarth, outro gigante sueco, lá no início da carreira dos vikings. Um ano antes disso o Opeth estava gravando Damnation, um álbum que ajudou a fazer a virada de chave para o grupo. Foi o primeiro disco em que o vocal gutural não foi utilizado em nenhuma das músicas e os elementos progressivos estavam sendo lapidados para o que a banda se tornou quase uma década depois. Acredito que a sonoridade de Damnation tenha influenciado Lopez na ideia do Soen, pois ele queria criar uma banda com um som mais progressivo e melódico. Talvez se tivessem permanecido na banda ele teria ficado muito satisfeito – sua saída foi por questões de saúde –, mas não teríamos todos seus discos que serão apresentados nessa discografia comentada.

Lopez, depois de um bom tempo tentando vários nomes de músicos, convida então o guitarrista Kim Platbarzdis e o baixista Steve DiGiorgio (um notório arroz de festa) para se juntar à ele. Pouco depois chega para completar a formação o vocalista, ex-Willowtree, Joel Ekelöf. O anúncio desse então novo projeto e sua formação é feito somente em 2010 e sua primeira música “Fraktal” é publicada no site oficial da banda. Porém, somente em 2012 que o disco de estreia é lançado.

Um detalhe que chama atenção é que o grupo normalmente usa apenas uma palavra para dar nome às suas canções. Embora não haja um conceito específico atrás disso, essa abordagem pode ter algumas razões: transmitir uma ideia ou emoção de forma mais direta e imediata, tornar o nome da canção mais fácil para a memorização do fã e assim se destacar em listas de reprodução e deixar a interpretação das músicas mais abertas ao ouvinte sem influenciar muito com um título mais sugestivo. No entanto é necessário deixar claro que isso não é uma regra rígida e algumas músicas de seus discos possuem títulos mais “extensos”.


Cognitive (2012)

A já conhecida “Fraktal” abre o disco como uma introdução para “Fraccions”. A dobradinha serve como uma primeira apresentação, ou um resumo, do que a banda estava planejando para a sua carreira. Riffs marcantes, levadas quase percussivas, transição de andamento, muita técnica sem soar indulgente e melodia. Destaques para a bateria de Lopez e para a parte final em que há várias camadas de vozes trazendo uma emoção marcante para qualquer ouvinte de primeira viagem. Uma comparação que muita gente faz e vou logo colocar aqui é com o Tool, porém se eu pudesse ser mais específico para indicar a banda para alguém eu diria que o Soen é um Tool mais acessível, com influências de Riverside, Opeth e Katatonia. A voz de Ekelöf, sempre muito suave, calma, e sem malabarismos é também um ponto alto da banda. “Savia” é outra faixa que se destaca em um disco bastante regular, é a faixa de seu primeiro vídeo. Uma curiosidade é que nos créditos técnicos do álbum aparece o nome de João Carvalho. Fiz uma pesquisa e não consegui identificar se ele é brasileiro ou não. Seu nome é bastante característico e a chance é grande, mas a única coisa que consegui saber é que ele trabalha ou trabalhava em um estúdio canadense. O álbum recebeu críticas positivas e estabeleceu a Soen como uma banda promissora no cenário do metal progressivo.


Tellurian (2014)

Uma evolução de Cognitive. As boas ideias do primeiro disco foram aperfeiçoadas e o material me parece mais sólido. Bem recebido pela crítica o álbum tem letras mais introspectivas e complexas. Porém as partes mais pesadas que apareciam aqui e acolá no disco de estreia aqui são mais raras tendo as passagens mais contemplativas o padrão das músicas de Tellurian. A despedida de Steve DiGiorgio era esperada pela quantidade de trabalho que ele possuía. Para seu lugar Stefan Stenberg, apesar de Christian Andolf também gravou algumas partes do baixo, mas não permaneceu como um membro efetivo. Joakim e Martin assumem a produção, mas o disco soa exatamente como o anterior. Os vocais duplicados são o destaque de “Kuraman”. Apesar do disco me parecer mais forte como um todo não existe uma música com maior destaque como o primeiro tinha. Exemplo disso é que são raras as vezes que as faixas de Tellurian entram em shows atualmente.  Não posso deixar de citar a intrigante e de certa forma perturbadora capa. O significado eu não consegui achar, mas chama bastante atenção e se destaca dentre as capas com imagens mais simples da discografia do Soen. Tem um aspecto que me remete às religiões hindus e pode estar relacionada à última faixa “The Other’s Fall” que tem passagens cantadas na língua nativa da região.


Lykaia (2017)

Logo após Tellurian o guitarrista Joakim Platbarzdis deixa a banda e em seu lugar entra Marcus Jidell (também do Avatarium). Junto dele também chega para completar um quinteto Lars Åhlund, tecladista e guitarrista que traz mais possibilidades para o som do Soen. Marcus também é o produtor de Lykaia, que foi aclamado pela crítica e considerado um dos melhores álbuns de metal progressivo daquele ano. O álbum apresentou uma abordagem mais experimental e atmosférica, com influências de rock alternativo e post-rock. A meu ver, o Soen sobe um degrau mais uma vez em qualidade do álbum como um todo. Umas das críticas de alguns fãs sobre a banda era a performance um tanto contida demais de Joel Ekelöf e acredito que em Lykaia ele se soltou mais, com alguns agudos em faixas como “Sectarian”. “Lucidity” é uma irmã quase gêmea de “On A Island” do David Gilmour e mostra o quanto sua antiga banda é uma influência do Soen. A melancolia da música é palpável e mesmo sendo tão suave é um ótimo número ao vivo. “Opal” traz um pouco mais de peso de volta para balancear um pouco as coisas. A banda resume Lykaia como uma viagem conceitual que explora lugares terrenos. Não entendi ainda o que isso significa. Fica aí a tarefa para os leitores e interessados. O disco traz mais faixas fortes individualmente do que aconteceu com Tellurian: “Jinn”, “Sister” e “Paragon”. Foi relançado depois de uns anos com novas faixas “Vitrol” e “God’s Acre”, além de algumas faixas gravadas ao vivo. A versão nacional desse relançamento não traz a versão ao vivo para “Jinn”, o que é estranho.


Lotus (2019)

O Soen continuou a explorar temas líricos profundos e complexos, combinados com riffs pesados e melodias cativantes. O álbum foi mais uma vez elogiado pela crítica e solidificou a posição da Soen como uma das principais bandas de metal progressivo da atualidade. Aqui eu acredito que foi a última vez que o Soen subiu ainda mais um degrau em sua ascendente carreira e atingiu seu ápice até então. A abertura com a pesadona “Opponent” já mostra que a banda evoluiu em vários aspectos, principalmente na produção. É interessante como a voz suave de Joel se encaixa bem com um instrumental pesado. “Lascivious” começa mais pop, lembrando em alguns momentos até o Smashing Pumpkins, até ir para o seu auge com muito peso e mudar tudo de novo em seu solo bastante melódico. O Soen consegue combinar tudo isso em sua música e é um dos pontos fortes da banda.  O primeiro single, “Martyrs”, tem um clipe bastante provocativo e um grande refrão, mas não acho a música a melhor do disco, gosto mais de outras que nem singles foram, o que mostra a força do álbum. Em Lotus tivemos uma nova mudança no line-up. Sai Marcus Jidell e entra Cody Ford, um gilmourista de mão cheia, que forma uma excelente dupla de guitarristas com o remanescente Lars.


Imperial (2021)

Primeira vez que a banda não supera seu disco anterior na minha opinião. Alguns dizem que é o melhor da banda, outro dizem que é o Lotus, mas para mim é no mínimo no mesmo nível que o anterior. O que é excelente para uma banda que não lançou um disco sequer mediano. A meu ver a banda poliu seu som, pois se Imperial não supera Lotus em qualidade, pelo menos atinge a maturidade da banda. Em ambos os discos também há um aperfeiçoamento na produção que deixa tudo cristalino. “Lumerian” tem um refrão bastante emotivo e explosivo. Já “Deceiver” traz um groove muito cativante, mas os pontos altos do álbum ficam para “Monarch” (que abria os shows dessa turnê), cheia de melodias densas, violinos, um grande refrão, e “Antagonist” que teve um clipe muito legal com uma ótima ideia, uma música que vai fazer você sair cantarolando por um bom tempo. Talvez o principal “hit” do Soen. Outro ponto que o ouvinte pode notar é uma certa agressividade no som, pelo menos em um nível compatível com a proposta da banda já que essa não é uma característica do Soen. Falei da turnê, mas ela sofreu muito com os problemas causados pela pandemia. O álbum foi lançado algumas semanas antes de iniciar o auge dos lockdowns e tudo o mais que todos se lembram. Shows mesmo só mais de um ano depois de seu lançamento (para mais informações sobre o show que fizeram no Brasil veja o link no início da matéria). Não posso deixa de citar que mais uma mudança de formação aconteceu antes do lançamento de Imperial: sai o baixista Stefan Stenberg e para o seu lugar chega Oleksii Kobel.

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Atlantis (2022)

Não costumamos colocar discos ao vivo nas nossas discografias comentadas, mas acredito que essa seja uma exceção interessante. Sem muito o que poder fazer durante os períodos com proibição de shows o Soen resolveu entrar no estúdio e fazer um disco ao vivo. É isso mesmo, Atlantis é uma mistura de disco ao vivo, de disco com orquestra, com disco de regravações. A proposta foi trazer o material para um formato semi-acústico, acompanhado de uma mini orquestra com corais e tudo gravado num take só (pelo menos é isso que prometeram). Atlantis é o nome do estúdio famoso lá no país deles, onde foi tudo gravado – aparentemente lá não estava proibido reunir tanta gente em um lugar fechado. O disco serviu também como uma espécie de comemoração pela primeira década de carreira da banda. As versões ficaram bastante interessantes e mostra que a melodia que já apareciam em músicas mais pesadas são fortes o suficiente para que sem o peso elas também se sobressaiam. Muitas das faixas ganham novos ares com essa reinterpretação. Como dois adicionais, “Trials”, uma música própria nunca lançada antes e “Snuff” originalmente do Slipknot que também ganha uma outra cara. Junto do álbum vem um DVD com todo o show o que deixa o material imperdível para qualquer fã. A edição nacional saiu com o DVD e o CD com as faixas em diferentes ordens o que pode confundir um pouco o desavisado.

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Memorial (2023)

Falei diversas vezes sobre a evolução e aperfeiçoamento da banda ao longo de mais de uma década de estrada e em Memorial as coisas não seguiram da mesma forma que vinham acontecendo. Em que pese boas músicas que o álbum tem, citaria “Violence” para dar um só exemplo, as melodias cativantes, misturados com ótimos riffs pesados e marciais, tudo isso ainda está presente nesse que é até então último disco do Soen. Porém, na minha opinião, o que faltou aqui foi um aperfeiçoamento mais caprichado das músicas. Ouvindo Memorial você percebe que “tal faixa poderia estar em tal álbum”, “essa faixa se assemelha bastante com aquelas outra”, mas no fim das contas fica parecendo que o que entrou no set list de Memorial foram faixas de sobras de todos os discos anteriores. Aquela pitada de rock alternativo que sempre apareceu nos discos anteriores foi dosada um pouco mais que o desejado também. Reforço, não é nem de longe um disco ruim, mas é sim menos inspirado do que os outros e para quem sempre acertou na parte vermelha do alvo em quase tudo o que fez antes, uma flecha na área laranja não é nada desabonador. No mais o Soen vem se consolidando como uma grande banda da atualidade e com muito o que fazer ainda.

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9 comentários sobre “Discografia Comentada: Soen

  1. Excelentes resenhas para cada um dos álbuns, parabéns, Fernando. Também acho a banda uma das expoentes do século XX. Deixo uma provocação: aguardo análises de discografias de algumas outras bandas que admiro e que já provaram não serem apenas “meras cópias” de grandes bandas do passado, como Crown Lands, Siena Root, Von Hertzen Brothers, Rival Sons, Blood Ceremony… Abraços e obrigado por compartilhar o texto.

      1. Alessandro, já somos dois então no coro de uma postagem de “Discografias comentadas” do Siena Root hahahahaha Abração, meu amigo.

    1. Muito obrigado Marcelo
      O Von Hertzen Brothers quase saiu um tempo atrás e o Rival Son está se tornando uma banda que as pessoas não podem mais ignorar.

  2. O Fernando não escreve um simples review, ele escreve um verdadeiro guia para conhecer a banda. Depois de ler o artigo fui até conferir de novo os álbuns que tenho aqui. Sensacional meu amigo!

  3. Muitos podem achar esta minha opinião sem sentido algum, mas para mim o SOEN, com a “limpeza” que está fazendo em seu som para conquistar o mercado dos EUA, está ficando cada vez mais parecido com o CREED.

    Se isso não incomoda a banda, bola pra frente e que o mainstream do rock, hoje bem menor do que no passado, seja atingido em breve, mas ela deve estar preparada para a chiadeira de seus fãs ortodoxos, chiadeira esta que já começou no disco IMPERIAL.

    1. Escuta de novo que tu escutou o soen errado , pra chegar a conclusão que ele esta parecendo Creed

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