Meu Nome é Gal [2023]

Meu Nome é Gal [2023]

Por Mairon Machado

N. R. Esse artigo apresenta spoilers da obra aqui criticada

Há exatamente um ano, no dia 09 de novembro de 2022, perdíamos Maria da Graça Penna Burgos Costa, ou simplesmente Gal Costa, aos 77 anos. Ela encontrava-se em plena atividade com a turnê As Várias Pontas de Uma Estrela, e seu falecimento pegou todos os fãs de surpresa. Somente em julho de 2023 foi revelado o atestado de óbito, informando que Gal havia falecido vítima de um infarto agudo do miocárdio, além de uma neoplasia maligna de cabeça e pescoço. Antes de seu falecimento, Gal já sabia que um filme em sua homenagem estava sendo produzido, com filmagens encerradas em abril de 2022.

Este filme foi lançado no último dia 19 de outubro de 2023 aqui no Brasil, com o título Meu Nome É Gal, e tinha tudo para ser uma das grandes cinebiografias de um artista nacional já lançado em terras brasilis. Afinal, a obra trata nada mais nada menos de uma das maiores vozes que o Brasil (e o mundo) já ouviu, líder da Tropicália e de uma revolução feminista que poucas mulheres de sua época (final dos anos 60, início dos anos 70, e daí por diante) tiveram coragem e peito de encarar, principalmente nos terríveis anos de ditadura.

Digo “tinha” por que as diretoras Dandara Ferreira e Lô Politi acabaram se perdendo em um filme raso, pouco exploratório e que abrange apenas uma época muito curta da longa carreira de Gal, mesmo que esta seja a época de talvez maior importância para a baiana de Salvador, nascida em 26 de setembro de 1945.

Caetano, Gal e Dedé Gadelha, interpretados em Meu Nome É Gal

A primeira cena do filme apresenta um dos momentos mais emblemáticos de Gal, durante a turnê Fa-Tal, em 1972, na qual ela expôs suas pernas e boa parte de seu corpo de uma forma tão sensual que nem a podre ditadura ousou censurar. A recriação desta cena cria uma grande expectativa para o filme, que logo volta no tempo, para uma Gracinha ainda criança, descobrindo seus dotes vocais dentro de uma panela, e chegando ao Rio de Janeiro, já jovem, para encontrar os amigos Caetano Veloso, Gilberto Gil, e as irmãs Dedé e Sandra Gadelha (esposas respectivamente de Caetano e Gil).

A partir de então, o filme percorre o período entre 1966 e 1972, trazendo detalhes interessantes sobre a construção do nome Gal, como foi a foto do primeiro lançamento de Gal, junto de Caetano (o hoje cobiçado Domingo, de 1967), as constantes inseguranças de Gal em busca do sucesso, a gravação de Tropicália Ou Panis Et Circensis (1968), dando origem à Tropicália, e alguns relacionamentos amorosos entre homens e mulheres, vividos neste período e junto a uma comunidade de artistas, que incluíam os supracitados entre outros.

E é aí que o filme se perde. Apesar de focar exatamente no período de surgimento de Gal, o filme basicamente fica num vai e vem que acaba trazendo pouca informação relevante. Em nenhum momento é citado que Gal começou a carreira usando o nome Maria da Graça, ao lado de Caetano, Gil, Tom Zé e Maria Bethânia com o grupo Nós, Por Exemplo, em Salvador, e que lançou sob este nome o compacto “Eu Vim Da Bahia / Sim, Foi Você” em 1965. Por mais que tenha sido um fracasso comercial, seria interessante apresentar este início da carreira dela.

Um dos grandes momentos da carreira de Gal, retratados no filme em sua homenagem

Outros dois exemplos são o momento pós-apresentação de “Divino Maravilhoso” no IV Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, onde Gal ficou uma semana encerrada em um quarto, sem comer ou tomar banho, e que não há explicação nenhuma de por que isso ocorreu durante o filme. Ou quando Caetano e Gil surgem já em Londres, através de um vídeo enviado de lá para Gal, sem em nenhum momento citar que Gal tambem vai à Londres em 1971, fazendo um show inesquecível em 26 de novembro daquele ano, lançado posteriormente no incrível Live in London 71. Por fim, a sequência traz Gal já gravando Legal (1971), mas sem destacar como deveria os músicos Jards Macalé, Lanny Gordin ou Waly Salomão, cuja relação musical começa exatamente em 1972.

Outro momento muito triste (para não dizer irritante) é o descaso como Rita Lee e os demais Mutantes são tratados durante a gravação de Tropicália. Rita surge apenas para fumar um baseado, enquanto Arnaldo e Sergio se quer tem direito a uma fala. Mas talvez o principal defeito do filme (e são vários) é se concentrar em um Caetano Veloso quase tão protagonista quanto a personagem central. Afinal, durante boa parte de Meu Nome É Gal, é ele quem comanda a carreira dela, assim como uma das cenas mais marcantes é do seu famoso depoimento durante o Festival Da Canção de 1968. Fora demais cenas onde Caetano, interpretado por Rodrigo Lélis, está com muito mais destaque do que Gal.

Sophie Charlotte, como Gal

Falando em ator, Sophie Charlotte foi a responsável por interpretar Gal. Ao que me pareceu, inclusive algumas canções possuem a voz dela (se não é ela, é alguém, mas com certeza não é Gal, enquanto outras é nítido que puxaram o playback), mas concentrando apenas no desempenho artístico, acho que ficou muito aquém da força e explosão que era Gal. Sophie se esforça em reproduzir movimentos característicos e espontâneos de Gal, mas acaba falhando exatamente por tentar reproduzir, e não ser Gal (algo que Rami Malek, por exemplo, fez muito bem interpretando Freddie Mercury). A beleza e sensualidade de Gal, que surgia como uma provocação irradiante, perde força em uma atriz que para mim, passa pouco carisma e uma timidez que eu nunca vi nos vídeos de Gal. Joguem às pedras! Por outro lado, Luis Lobianco está impecável como o empresário Guilherme Araújo, fazendo um papel que alavanca bastante a atenção de quem assiste ao filme.

Voltando a ele, mesmo que concentrado apenas no período citado, ficam várias lacunas não preenchidas. A rixa Bethânia e Gal não é explicada em momento algum. Os momentos das gravações de Gal, Gal Costa e o já citado Legal praticamente não existem. O próprio disco Tropicália Ou Panis Et Circensis, talvez o maior disco da história da música brasileira, ao lado de Acabou Chorare, são tão superficiais quanto uma folha de papel. Apresenta para um espectador que desconhece a história, algo sem força, mais como uma maluquice de alguns jovens, e de um apaixonado Tom Zé que insiste em querer ter um relacionamento com Gal, mas acaba sempre ficando para trás. Muito pouco para uma obra atemporal.

Para piorar, o filme encerra-se com Gal apresentando-se com medo dos militares, diante de 500 pessoas, durante o show Fa-Tal. Uma das obras mais relevantes da carreira da artista, que gerou o primeiro disco duplo do Brasil, é banalizado como se Gal tivesse se apresentado para poucas pessoas naquele período, e ali fica encerrado o filme. No mínimo ridículo. Gal surge então em vídeos de época, junto d’Os Doces Bárbaros, cantando em ginásios pelo país, marcando uma geração ao cantar “Brasil”, de Cazuza, sem sutiã e mostrando o seio, e com uma homenagem das diretoras dizendo que “infelizmente, Gal não teve tempo de ver o filme que fizemos em homenagem à ela“.

Gal e Sophie, no anúncio do encerramento das gravações de Meu Nome É Gal

Em 80 minutos, o filme acaba. Não surge nada d’Os Doces Bárbaros, o maior super grupo do Brasil, nada da explosão de vendas de “Festa do Interior”, nada sobre o show Temporada de Verão, ao lado de Gil e Caetano, em janeiro de 1974, marcando definitivamente o retorno da dupla ao Brasil, nada de seu relacionamento com Wilma Petrilho … Para encurtar a história, nada de nada de Gal pós-1972 é retratado. Uma pena, pois houveram momentos impactantes e fundamentais para uma carreira tão grandiosa e relevante quanto a de Gal. Talvez eu tenha ido com muita expectativa para o Cinema, talvez o nome do filme não seja o ideal (O Nascimento de Gal poderia ser bem mais honesto perante Meu Nome É Gal, que parece ter um impacto bem maior mas inacabado), talvez a divulgação de duas horas de filme, e na verdade serem apenas 80 minutos, enfim, uma série de talvez estão incluídos aqui nesse relato, mas o fato é que vendo as reações das demais pessoas ao saírem da sala, ficou nítido que todos os presentes esperavam bem mais do que a simplicidade da obra que está nos cinemas. Trocando em miúdos: Muito fraco!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.