Selos Lendários: Atlantic e Atco.

Selos Lendários: Atlantic e Atco.

 

Por Ronaldo Rodrigues

O primeiro selo norte-americano a aparecer em nossa série é talvez um dos mais conhecidos em todo o universo dos discos – a Atlantic. Também abordaremos, a tira-colo, sua subsidiária Atco (uma abreviatura para Atlantic Corporation). A Atlantic é uma gravadora bastante antiga. Sua fundação data de 1947 e sua trajetória está ligada a um nova-iorquino batizado como Herbert C. Abramson, que a história faria mais conhecido como Herb Abramson.

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Herb era um entusiasta da música popular norte-americana e colecionava discos de jazz, blues e gospel desde a adolescência. Em um determinado momento de sua vida, Herb fez amizade com outros dois ardorosos fãs de jazz – os irmãos turcos Ahmet Ertegun e Nesuhi Ertegun. Os irmãos Ertegun tinham uma coleção ligeiramente invejável, com cerca de 15.000 títulos (!).  Depois desse encontro e de algumas ideias compartilhadas, Herb Abramson começa a produzir espetáculos de jazz e se envolver com um pequeno selo, a National Records. Nesta época, Herb era estudante de um curso público de odontologia. Ahmet Ertegun não queria ser um simples ouvinte e colecionador e a ideia de fazer sua vida profissional no mercado da música era cada vez mais premente.Ahmet convenceu o dentista de sua família a lhe conceder um empréstimo de US$ 10.000 dólares, para fundar seu próprio selo. Além de seu amor pela música, outra motivação era que naquela época, a indústria fonográfica ganhava novo impulso após o fim da segunda guerra mundial, já que havia maior disponibilidade e melhores preços de goma-laca para a produção dos discos.

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Herb Abramson, o primeiro presidente da Atlantic, e sua esposa Miriam

Para tal empreitada, ficava óbvia a associação com o amigo Herb, que havia tentado pouco antes fundar também seu próprio selo, a Jubilee Records, da qual se desfez de sua parte com outros sócios. Herb já havia ganhado alguma experiência no mercado musical e se tornou o presidente. Ahmet ficou com a vice presidência, a produção e a promoção e a publicidade ficou a cargo da esposa de Herb, Miriam Abramson, figura cativante e muito importante na organização do negócio e na disciplina necessária para que um empreendimento não naufrague logo de cara.

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A Atlantic começou modesta, assinando com artistas de jazz e r&b, alguns mais experientes e vários novatos. Uma curiosidade nessa época inicial foi a contratação do arquivista Francine Wakschal, que ficou trabalhando para a Atlantic durante (apenas) 49 anos. Ahmet e Herb ficavam rondando frequentemente clubes noturnos atrás de novos talentos. Ahmet também se aventurou nas composições, já que tinha feito estudos superiores em música, em Washington.

Wexler, Abramson e Ertegun – os cabeças da Atlantic
Wexler, Abramson e Ertegun – os cabeças da Atlantic

O primeiro lançamento da Atlantic foi o compacto do baixista Eddie Safranski, em 1948, junto com um lote de diversos outros compactos. O primeiro hit veio apenas no ano seguinte, com o r&b de Stick McGhee (irmão do bluesman Brownie McGhiee, que tocou guitarra nas gravações) e as músicas “Drinkin’ Wine, Spo-Dee-O-Dee” / “Blues Mixture”. A música “Drinkin’ Wine” atingiu a terceira posição nas paradas R&B da Billboard e vendeu cerca de 400.000 cópias.

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Material publicitário dos primeiros anos da Atlantic

Apesar do sucesso tímido nos dois primeiros anos, a Atlantic acumulou um patrimônio financeiro volumoso, por conta de uma prática condenável – repasse desproporcional dos royalities dos sucessos aos músicos. Stick McGhee, por exemplo, recebeu míseros US$ 10 pela gravação de “Drinkin’ Wine”. Também em 1949 conseguiram um acordo de distribuição com a gigante Columbia, o que lhes garantiu mais sucessos e dividendos. Outros hits se seguiram e por sugestão de Miriam Abramson, em 1952, a Atlantic assina com Ray Charles, já conhecido na época, mas que solidificaria sua fama sob o logo da Atlantic.

No aspecto técnico do mundo das gravações, a maior contribuição da Atlantic foi ser o primeiro selo independente a lançar uma gravação estéreo, em 1953. E o grande responsável foi um engenheiro de som hoje bastante aclamado, Tom Dowd. Ele começou como freelancer na Atlantic, mas depois se firmou com uma das peças fundamentais para o sucesso do selo. Pra se ter uma idéia da importância de Tom Dowd, ele emplacou mais hits do que George Martin e Phil Spector juntos. Tom, entre muitas outras coisas, foi o engenheiro de som responsável por Live at Filmore Eastdos Allman Brothers Band, que eram contratados da Atco. Chega a ser desnecessário repetir que este disco é continuamente aclamado como um dos melhores discos ao vivo de todos os tempos, por causa da estupenda qualidade de som aliada a uma performance irretocável.

O lendário “Live” dos Allman Brothers, sob a batuta de Tom Dowd, distribuído pela Atco.
O lendário “Live” dos Allman Brothers, sob a batuta de Tom Dowd, distribuído pela Atco.

Em 1953, Herb foi convocado pelo governo norte-americano a prestar serviços odontológicos para soldados na Alemanha. Essa temporada forçada durou 2 anos. Nesse hiato de sua ausência, a Atlantic passou por um processo de crescimento espantoso. Ahmet contratou o jovem repórter Jerry Wexler, que havia trabalhado na Billboard e, conforme reza a lenda, foi o responsável por cunhar o termo “rhitm & blues”. A Atlantic agora avançava por sobre todo o mercado da música popular norte-americana, não só sobre o jazz e suas derivações. Quando voltou, Herb viu Jerry Wexler ocupando sua mesa e foi muito difícil reconquistar sua posição na companhia. Pra piorar a situação, Herb voltou com uma namorada alemã e se separou de Miriam, que continuou trabalhando na Atlantic. A fim de aliviar a tensão, Ahmet criou uma subsidiária, a Atco, que seria encabeçada por Herb Abramson em um escritório distinto.

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Um dos muitos lançamentos de sucesso da Atco

Dentro dessa inserção ampla no mercado musical norte-americano, era natural que a Atlantic se aproximasse também do embrionário rock n’ roll. Inclusive um episódio se tornou icônico em sua trajetória – a Sun Records abriu uma concorrência pelo contrato de Elvis Presley. A oferta da Atlantic, de US$ 25.000,00, não foi suficiente para arrematar o passe do ainda aspirante a rei do rock. Quem levou foi a RCA Victor, pagando singelos US$ 45.000,00 pelo contrato.

O irmão de Ahmet, Nesuhi, havia ingressado na companhia em 1955 e seu relacionamento com Herb não era dos melhores. Após divergências sobre os rumos dos investimentos e apostas acertadas de Ahmet e Jerry Wexler, Herb pediu o chapéu e se mandou. Não sem antes, claro, pedir sua parte nesse negócio – US$ 300.000,00. Ele tentou criar outras estampas, mas nenhuma delas foi muito longe. E Atco continuou muito bem sem ele também.

Jerry Wexler e Aretha Franklin no estúdio

A Atco, em princípio, buscava acomodar artistas que não exatamente se encaixassem no perfil da Atlantic. Na prática, a divisão era entre as bandas que Ahmet e Jerry Wexler queriam e na Atco, a coisa seguia pela cabeça de Herb Abramson. Essa divisão só ficou um pouco mais evidente na segunda metade dos anos 60, com a Atco apostando mais no rock psicodélico e em outras novas vertentes do rock. A Atlantic tinha uma postura mais conservadora e apostava em estilos de apelo mais instantâneo.

A Atlantic fez diversos acordos de distribuição com selos emergentes e poderosos da época, como a Capitol, a ABC-Paramount e o lendário selo do soul, a Stax. Por conta disso, em algum momento de suas carreiras, artistas muito importantes na música da década de 60, tiveram seus lançamentos carregando a logomarca da Atlantic – John Coltrane, Solomon Burke, Otis Redding, The Drifters, Wilson Pickett, Ben E. King, Herbie Mann, etc. Entre 62 e 67, por conta desses acordos, foram o soul e o r&b os principais motores do sucesso da Atlantic. Outra curiosidade – a Atlantic lançou trabalhos (solo ou em parcerias) de Tom Jobim, João Gilberto e Sérgio Mendes nos EUA.

“For whats its Worth”, um grande sucesso da Atco com o rock sessentista.
“For whats its Worth”, um grande sucesso da Atco com o rock sessentista.

Em 1966, a Atco obteve seu primeiro grande sucesso com o rock – o compacto de “For What it’s Worth” do Buffalo Springfield, segundo lançado pela banda, vendeu mais de 1 milhão de cópias nos EUA. A trajetória efêmera da banda abriu as portas, três anos depois, para o sucesso de Crosby, Stills and Nash, pela Atlantic.

A Atco foi responsável por colocar no mercado norte-americano o aclamado power-trio Cream e os primeiros trabalhos dos Bee Gees, ambos lançados originalmente pela Polydor na Europa. Outros nomes importantes engrossavam o cast da Atco, fossem por contrato ou por acordo de distribuição – Vanilla Fudge, Iron Butterfly, Brian Auger & Trinity, Blind Faith, Taste, Jack Bruce, Allman Brothers Band (em seus primeiros trabalhos), Cactus, Black Oak Arkansas, James Gang, Roxy Music, Baker Gurvitz Army, Focus, Blackfoot e uma série de outros bons nomes, que ficaram no limbo – Pulse, New York Rock & Roll Ensemble, White Ligthning, Blues Image, The Nazz, Dada, etc.

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Mas para a maioria dos leitores, a Atlantic ficou realmente conhecida a partir de um encontro ocorrido no final de outubro de 1968. Um empresário britânico chamado Peter Grant se reuniu com Ahmet e Jerry Wexler com as fitas de gravação, da estréia de uma nova banda britânica. A dupla de gerentes ficou impressionadíssima e em 23 de novembro, um polpudo adiantamento (um dos maiores da história do selo) foi dado: US$ 200.000, em um contrato de 5 anos. Esta banda viria a desbancar os Beatles e naquela época, estava mudando seu nome para Led Zeppelin. O resto é história. Foram 5 discos, e depois de terminado o contrato, com o mundo debaixo dos pés, o Led Zeppelin lançou seu próprio selo, a Swan Song, com um acordo de distribuição com a Atlantic.

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Disco de ouro para o compacto contendo “Black Dog”, do Led Zeppelin. Abaixo, Peter Grant, o empresário que toda banda gostaria de ter.

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Uma outra aposta que tornou a Atlantic lendária para os fãs de rock, demorou um pouco a estourar – o Yes. Assinaram com o selo já em 1969 e com ele permaneceram durante toda sua fase áurea, só deixando o selo em 1991. Alguns de seus lançamentos sairam com a estampa da Atco. Se no início o Yes detinha apenas um bom reconhecimento da crítica, sucesso comercial veio mesmo a partir de 1971, com a entrada de Steve Howe e depois, de Rick Wakeman. Concertos concorridíssimos, discos com excelentes vendagens e tudo isso regado a fartos recursos de tempo, estúdio, liberdade de criação e outras regalias que a Atlantic dava a seus contratados que lhe rendessem bons dividendos. Nada poderia ser melhor naquele início de anos 70 – a Atlantic tinha contrato com as duas maiores potências do rock britânico e as cabeças de duas vertentes distintas de rock, que influenciaram uma horda de músicos mundo afora. E continua sendo um excelente negócio até hoje, já que essas bandas atravessaram com facilidade a barreira do tempo e até hoje vendem muitos discos, continuamente relançados em diferentes formas de apresentação.

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Uma das principais referências do rock progressivo enquanto vertente musical – Close to the Edge, do Yes

A Atlantic queria estar onde o sucesso estava. E o selo conseguiu, na maioria das vezes, provar um especial faro para isso. Tanto é que não hesitou em, ao mesmo tempo em que investia pesado em uma música densa como a do Yes, também investir no apelo rápido e contagiante do AC/DC ou no agito que dominou a música pop a partir de 1976, a disco music. O AC/DC ingressou na Atlantic em 1976, época em que o discoHigh Voltage foi lançado em vários países e foi a catapulta para o sucesso da banda. Nas fileiras da Atlantic, também está “Back in Black”, um dos discos mais vendidos de toda a história do rock. O selo também investia em música instrumental e jazz-rock – Jean Luc Ponty, Jan Hammer, Lenny White, Philip Catherine, os brasileiros do Azymuth, Banda Black Rio e A Cor do Som, além de veteranos do jazz com novos lançamentos nos anos 70.

Versão de Back in Black do AC/DC lançada no México
Versão de Back in Black do AC/DC lançada no México
Azymuth, uma das bandas brasileiras contempladas com lançamentos da Atlantic
Azymuth, uma das bandas brasileiras contempladas com lançamentos da Atlantic

Durante os anos 80, a Atlantic não deixou passar batido o heavy metal e o hard rock que fervia nos EUA. Dentre seus contratados estavam Savatage, Overkill, Ratt, Twisted Sister, White Lion, Raven, Testament, Badlands, Mr. Big, entre outros.

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Clássico do heavy metal norte-americano: Savatage
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A Atlantic já na era do CD, com o lançamento do primeiro disco do Badlands

A lista de artistas que passaram pelo selo, nas mais diferentes vertentes, é muito extensa. Diferentemente de outros selos importantes para a história do rock, a Atlantic mantém um ritmo bastante intenso de lançamentos e relançamentos até hoje, justamente por não ter foco apenas no rock ou em alguma vertente. Sua visão comercial era muito forte desde o princípio, e o sucesso nunca deixou de acompanhá-los.

Devido a essa diversificação de lançamentos, a parte gráfica sempre buscou trazer uma linguagem própria ao nicho de mercado pretendido. Assim, não há muito o que se destacar em termos de identidade visual para o selo. O logotipo inicial era uma escrita em vermelho, destacando uma grande letra “A”, ocupando quase todo o tamanho do selo. Aos poucos, no início anos 60, foi sendo introduzido uma espécie de cata-vento, ainda junto com a escrita em vermelho. Depois em 66, o logo definitivo. Uma portentosa letra “A” ao lado do “cata-vento” e o nome logo abaixo. Na grande maioria dos lançamentos, a logo estava posta sobre uma matriz verde e vermelho, com uma tira branca no meio. Apesar de simples, o design causa reconhecimento imediato.

Compacto do primeiro lançamento da Atlantic
Compacto do primeiro lançamento da Atlantic

Este logo existiu até 2005 nos EUA e continua existindo para lançamentos nos demais países. Hoje, talvez buscando uma volta as origens, não encontra-se mais o cata-vento, apenas a tipografia clássica do selo em um fundo vermelho.

Mudanças sutis no design do selo ao longo dos anos
Mudanças sutis no design do selo ao longo dos anos

A Atco, parece ter tido uma inspiração similar, com seu círculo colorido em um fundo preto, ambos repousavam sobre um brilhante amarelo. Este foi o design mais conhecido e o mais usado. No início de seus lançamentos, apenas uma simples tipografia sem grandes atrativos.

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A Atlantic e todo seu imenso cast, atual e passado, pertencem desde 1967 ao grupo da major Warner Music Group.

2 comentários sobre “Selos Lendários: Atlantic e Atco.

  1. Na época de colecionador de discos de vinil, Atlantic era provavelmente o selo que eu tinha mais discos (talvez só a Vertigo se comparava). Hoje em dia já não saberia dizer, mas a Atlantic era essencial para quem curtia o rock dos anos 70 e o r&b e soul dos anos 50 e 60. Muitas bandas boas passaram por lá, e às vezes fico pensando naquelas que não conseguiram um contrato…

    1. Caramba, tinha me esquecido do Harvest, que ficava cabeça a cabeça com Atlantic e Vertigo… DNA é barra, a gente acaba esquecendo das coisas!!

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