A curta carreira de West, Bruce & Laing

A curta carreira de West, Bruce & Laing

Por Fernando Bueno

Poucos sabem, ou se lembram, de que Felix Pappalardi foi muito importante para o desenvolvimento do som do Cream. Como produtor, compositor e instrumentista ele participou dos discos do trio inglês desde seu segundo lançamento, o fantástico Disraeli Gears de 1967. Para quem quer mais referências sobre o músico posso citar uma desconhecida banda chamada The Devil’s Anvil, que gravou apenas um disco nesse mesmo ano de 1967, mas a principal referência do músico é mesmo a banda que ele criou junto do guitarrista Leslie West, o Mountain. Inicialmente participou apenas como músico de estúdio e produtor de um disco solo de Leslie West chamado Mountain (1969) e, com o ótimo ambiente e resultado, acabaram juntando forças e criando uma banda de fato.

Jack Bruce, Corgy Laing e Leslie West

Quando o Mountain deixou de ser apenas o título de um álbum e se tornou uma banda (lembraram do David Coverdale e o Whitesnake?) um baterista oficial teve que ser adicionado à formação e aí que entra Corky Laing, músico de um obscuro grupo chamado Bartholomew Plus 3 e que também já tinha feito alguns shows com Leslie West. Juntos o Mountain gravou dois clássicos do hard/blues rock, Climbing! (1970) e Nantucket Sleighride (1971), e mais um disco um pouco irregular no mesmo ano de 1971, Flowers of Evil. Porém o vício, ou os vícios, de Felix Pappalardi começaram a atrapalhar a banda que teve de se separar, no início de 1972.

Antes do Mountain chegar ao fim e com a saída de Pappalardi um velho amigo ajudou o grupo finalizar a turnê de divulgação de Flowers of Evil no posto de baixista, seu nome: Jack Bruce. Bruce conhecia muito bem Pappalardi e sua banda, seu disco solo foi, inclusive, produzido pelo antigo baixista do Mountain. Estavam todos em casa. Ele estava passando por uma situação parecida, pois sua banda, o Jack Bruce Band, estava tendo problemas com a instabilidade dos músicos justamente por abuso de substâncias ilícitas, principalmente por parte de Graham Bond, que participava do conjunto nos teclados e saxofone. Curioso que os papeis de líder da banda se alternaram, pois o próprio Jack Bruce já tinha feito parte em uma banda sob a liderança de Graham Bond, a The Graham Bond Organization, mas isso é assunto para outra hora.

O que eu não consegui apurar foi o motivo, ou a confirmação, de não continuarem sob o nome de Mountain, apenas com Jack Bruce entrado na formação. Talvez o nome de Bruce fosse grande demais na Inglaterra para ser apenas um membro substituto de uma banda americana. Também fica obscura a participação do tecladista Steve Knight que é praticamente esquecido quando citam esse período de transição entre as bandas. Provavelmente a resposta seja mesmo que os outros componentes tivessem a ideia de formar um trio na linha de Cream.

O interesse das gravadoras pela nova banda foi grande. Fecharam com a CBS o maior valor de assinatura de um contrato até então. Facilitou o fato de que a gravadora teria também os direitos nos relançamentos dos discos do Mountain. O contrato foi para três discos, antes disso saíram em turnê tocando um repertório em que músicas do Cream e do Mountain se misturavam. Em novembro de 1972 saiu Why Dontcha. O lançamento do disco levou mais tempo do que era esperado pois os músicos e os produtores alternavam sessões de gravação com períodos de uso de drogas. Somado a isso a gravadora não quis fazer uma divulgação tão maciça por entender que a qualidade do resultado final estava aquém do que esperavam. Mesmo assim a resposta do público e das publicações especializadas foram bastante positivas.

Para uma mistura de Mountain com Cream o resultado gerou um som muito mais para o Mountain do que para o Cream – numericamente os músicos da banda era maior também. Entretanto Jack Bruce trouxe todos os seus já conhecidos predicados: uma voz fantástica e um estilo de tocar baixo que influenciou milhares de baixistas que vieram depois: de Jaco Pastorius e Sting até o Flea. As pitadas de soul music também foram contribuição de Jack Bruce. No geral Leslie e Bruce revezavam como cantor principal e até Laing teve sua hora de brilhar em “Turn Me Over”. Leslie canta nas faixas mais agressivas enquanto Jack aparece nos momentos mais calmos. Os destaques ficam para o bluesão “The Doctor”, “Love is Worth the Blues” e, claro, a faixa título com seu riff que fica grudado na cabeça por conta da pequena adição das três notas no final. Essas três notas são tão marcantes que parece que encaixaria em qualquer outro riff – faça esse exercício mental e comprove. “Out Into the Fileds” é um espetáculo de interpretação vocal de Bruce.

Muitos shows foram feitos o que colocava a banda sempre em alta com os fãs e ajudava na venda dos discos. As sessões de gravação do segundo álbum foram todas entre os compromissos da apertada agenda de shows. Porém os excessos já começavam a aparecer de novo. Parece que os caras não aprenderam com as então recentes experiências anteriores. Jack Bruce diz que finalizou o disco sozinho em estúdio gravando partes de overdubs de guitarra e bateria ele mesmo. O resultado é Whatever Turns You On que saiu em julho de 1973. O disco mantém o nível do primeiro. “Blackfire” tem uma pegada que leva mais para o lado do Mountain ainda. Já “Token” poderia estar em algum disco do início de carreira do Rod Stewart. O nível sobe com “Sifting Sand” com uma performance excelente de Bruce nos vocais e a adição de teclados para fazer a melodia e me fazendo lembrar de alguma faixa obscura do Procol Harum. Outra balada fechava o lado A: “November Song”. O labo B traz um destaque para os blues ”Scotch Crotch” e “Slow Blues”.

Após poucos shows do trio em 1973 uma volta do Mountain com Felix Pappalardi põe fim na banda que poderia ter alcançado um reconhecimento muito maior. As condições de saúde dos músicos na época não ajudaram muito. Jack Bruce voltou para sua carreira solo e o Mountain teve uma sequência errática. Para cumprir o contrato com a CBS um disco ao vivo burocrático foi lançado em 1974 sob o nome de Live N’ Kickin’. O que mais incentiva o colecionador de ter esse disco são as músicas que não foram gravadas nos dois primeiros álbuns: um cover dos Rolling Stones, “Play with Fire” misturada com uma música de autoria própria, “Politician”, outro cover se é que podemos chamar assim por ser uma faixa original do Cream e “Powerhouse Sod” que era uma composição de Jack Bruce provavelmente usaria em sua carreira solo.

É uma pena que a união de grandes músicos tenha sido feita em meio à diversos problemas, principalmente com as drogas. A banda foi formada com base nos problemas pregressos dos músicos e não se sustentou por essas mesmas questões. Certamente em um ambiente mais controlado teríamos um resultado e uma longevidade muito maior. Nos resta apreciar os dois álbuns e o restante da carreira dos músicos em outras bandas e projetos.

3 comentários sobre “A curta carreira de West, Bruce & Laing

  1. Bandaça. Jack Bruce no auge de sua carreira se encontrou com um guitarrista que lhe deu espaço para brilhar. Seus mais belos trabalhos são aqui, mesmo que atribuam para o Cream e os discos com Eric Clapton este fato, mas dai penso que tinha um certo ginger baker por trás de tudo. Baita lembrança bueno

  2. West, Bruce & Laing foi um verdadeiro meteoro, feito para brilhar brevemente e deixar marcas em quem o viu. “Why Don’cha” é um dos grandes discos de rock do começo dos anos 70, mas os excessos que os músicos cometiam só prejudicaram a integração entre essas personalidades voláteis. “Whatever Turns You On” não é tão brilhante, mas ainda é melhor do que os discos que o Mountain gravaria na sua volta. Já “Live’N’Kickin'” é o típico álbum para cumprir contrato, que tem bons momentos – a versão ao vivo de “The Doctor” é matadora! -, mas um disco ao vivo depois de apenas dois álbuns de estúdio sempre soa como encheção de linguiça. Jack Bruce ainda embarcaria numa viagem semelhante no começo dos anos 80 com Robin Trower – o que prova que ele sempre soube encontrar um guitarrista de qualidade para seus trabalhos (quem mais pode dizer que teve bandas com Clapton, West, Trower, Mick Taylor e Gary Moore?), mesmo que tivesse condições de brilhar sozinho. Relembrar o WBL foi muito bom!

  3. Não tinha conhecimento do projeto West, Bruce & Laing até seu comentário no grupo que fazemos parte, Fernando. Confesso que ouvi o álbum “Why Dontcha” (Spotify, thanks…) e o mesmo desceu completamente redondo. Não à toa, afinal sou fã declarado de Mountain e Cream. Não conhecia Corgy Laing! Enfim, graças á sua indicação (e ao texto acima), interessei-me pela banda e já estou correndo atrás da curta (ainda bem) discografia. Um (power) trio como esse não tinha como dar errado! Parabéns pelo excepcional texto.

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