Selos Lendários: The Famous Charisma Label

Selos Lendários: The Famous Charisma Label

Por Ronaldo Rodrigues

Novamente das terras britânicas, temos mais um selo que desperta muitos fetiches nos colecionadores e que tem uma grande importância histórica para o desenvolvimento do rock na década de 70 – The Famous Charisma Label. Neste artigo, o chamaremos carinhosamente de Charisma.

Capa da Coletânea Refugees com lançamentos da Charisma
Capa da Coletânea Refugees com lançamentos da Charisma

Dentro desta série, este é o primeiro selo independente (que não pertencia a nenhum grande selo) do qual trataremos.

Sua fundação remonta ao ano de 1969, por iniciativa do empresário e jornalista Tony Straton Smith. Tony era um cara com muito senso de humor e criatividade, além de ser bem relacionado no meio underground londrino. O próprio nome de seu selo já demonstrava uma certa ironia ao se intitular como “O famoso selo Charisma”. Ele empresariava o The Nice, de Keith Emerson, a Bonzo Dog Band e o Van der Graaf Generator. A fundação da Charisma foi motivada pelo fato de que ele não conseguia encontrar selos realmente dispostos a investirem nos talentos no qual apostava. Sua saída foi criar seu próprio selo e conduzir as coisas da sua maneira. O tempo lhe mostraria que estava certo. Tony Straton Smith faleceu em 1987 e três artistas ilustres o homenagearam em álbuns e canções naquela época – Keith Emerson, Peter Hammil e o Marillion.

Tony Sttraton Smith, o fundador da Charisma
Tony Sttraton Smith, o fundador da Charisma

Peter Gabriel soltou a seguinte declaração sobre ele: “Tony Stratton-Smith era uma raridade no show business: ele era um homem apaixonado e um obstinado: ele acreditava que o rock podia, e devia, ser mais do que alimento para a moda das crianças….apesar da natureza competitiva do negócio, estava mais preocupado com a qualidade do trabalho do que a quantidade vendida, sempre preferindo o difícil desafio dos artistas desconhecidos.”

A Charisma tinha como foco inicial ser um ninho para novos talentos do nascente rock progressivo, porém sua trajetória inicial não foi das mais fáceis (Tony quase faliu antes de atingir o sucesso). E também havia alguns elementos bem pitorescos. Um de seus primeiros lançamentos foi um compacto relançando a célebre dramatização da novela The War of the Worlds, com Orson Wells (famoso ator e diretor de cinema, de Cidadão Kane e outros clássicos), veiculada no rádio em cadeia nacional e que deixou muitos norte-americanos de cabelo em pé com a história da invasão da Terra por marcianos. Também inusitado era o lançamento de discos do comediante Month Python, que atingia fama internacional, e foi o primeiro grande sucesso comercial da Charisma.

Cartaz de divulgação do cast da Charisma
Cartaz de divulgação do cast da Charisma

Apesar do sucesso tardar um pouco a aparecer, o status positivo já estava conquistado quase que desde o início e alguns discos da Charisma hoje são objeto de culto. Seu primeiro compacto lançado foi da banda Every Which Way, que era um projeto do baterista Brian Davidson, do The Nice, com as músicas “Go Placidly” e “The Light”. Seu primeiro LP foi da banda britânica Rare Bird, auto-intitulado, um excelente trabalho proto-progressivo, mas que não figurou bem nas paradas, apesar de alguma repercussão local.

Selo do primeiro LP lançado pela Charisma
Selo do primeiro LP lançado pela Charisma

A Charisma iniciou com uma parceria muito forte com outro selo independente, a B&C Records (uma abreviação para Beat & Commercial). Este selo foi fundado na mesma época por Lee Gopthal e durou até 1972. Charisma e B&C chegaram até a fundar um outro selo em conjunto, chamado Mooncrest. A maior reputação da Mooncrest deve-se ao lançamento de alguns trabalhos muito bem sucedidos do Nazareth, a partir do disco Razamanaz, de 1973. A catalogação dos lançamentos da Charisma e da B&C era conjunta, bem como a questão da distribuição. Porém, havia uma separação entre os artistas contratados por uma e por outra. A B&C teve em seu cast bandas como Atomic Rooster, Steamhammer, Delivery, Steeleye Span e Spirogyra. Após a junção definitiva da B&C com a Charisma em 1972, boa parte deles passaram para o time da Charisma.

B&C Records, parceira da Charisma
B&C Records, parceira da Charisma

Desde seu início, a Charisma já estava por dentro de que os álbuns haviam se tornado mais importantes do que os compactos. E foi aí que ela investiu. Compactos também aconteciam, mas o lançamento e promoção dos álbuns tiveram prioridade, pois dentro daquela linha de atuação, era o que o público mais apreciava.

Os contratados da Charisma mais ilustres foram o Van der Graaf Generator e o Genesis. Seus primeiros trabalhos lançados pelo selo foram, respectivamente, The Least We Can Do Is Wave to Each Other e Tresspass. Esses dois discos, curiosamente, só tiveram bom desempenho comercial na Itália. Mas depois de alguns anos, especialmente a aposta no Genesis traria muitos dividendos à Charisma. Todos os mais célebres lançamentos do grupo, inclusive de sua fase pop, saíram no Reino Unido pela Charisma e também a maioria dos discos solos de seus membros e ex-membros, a exceção de Phil Collins. Também a banda fusion Brand-X, formada por Phil em paralelo com o Genesis, na segunda metade dos anos 70, foi lançada pela Charisma. Apesar de não tão conhecidos do grande público quantos os já citados, alguns nomes ilustres tiveram a Charisma como berço para seus trabalhos – Hawkwind, Lindisfarne, Audience, Capability Brown, String Driven Thing, Le Orme, Bert Jansch, Refugee, Patrick Moraz, etc.

Cartaz promocional da Charisma divulgando seu maior sucesso, o Genesis
Cartaz promocional da Charisma divulgando seu maior sucesso, o Genesis

Outro lançamento curioso e bastante raro foi um compacto do ator e comediante Charles Drake, lançado em 1975, com a música “You Never Know”. A curiosidade reside não no lançamento, mas sim no calibre dos músicos que o acompanharam – Peter Gabriel e Robert Fripp foram que compuseram a canção (este último também tocou guitarra), Phil Collins na bateria, Sandy Denny nos vocais de apoio, Keith Tippet apareceu tocando teclado e Percy Jones (do Brand-X) no baixo. O compacto não deu em nada e virou mais uma daquelas curiosidades do mundo dos colecionadores. No link acima você pode tirar suas próprias conclusões sobre a canção.

A partir do sucesso do Genesis, a Charisma passou a fazer acordos de distribuição e licenciamento de seus contratados com grandes selos, como a ABC, Elektra, Atlantic e a Geffen Records. Da metade dos anos 70 em diante, houve uma redução de atividades e concentração em lançamentos mais rentáveis ao invés de apostas. Os trabalhos do Genesis e dos projetos relacionados a ele era o que predominava em seus escritórios. Nos anos 80, a Charisma só alcançou um novo sucesso estrondoso (porém curto) com Julian Lennon, filho de John Lennon. Também lançou alguns dos muitos trabalhos do tecladista Rick Wakeman, mas nenhum que seja lembrado com ardor pelos fãs de seus primeiros e mais célebres. Em 1983, o catálogo da Charisma foi comprado pela Virgin e suas operações se estenderam até 1986. Nesta mesma época, a Virgin foi adquirida pelo conglomerado monstruoso da EMI. Depois da fusão com a EMI, surgiu uma nova encarnação da Charisma, sob o nome simplificado de Charisma Records, entre 1990 e 1992, porém sem nenhuma relação com o passado.

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Design para relançamentos de clássicos do selo, nos anos 80

Um aspecto marcante da Charisma é seu logotipo. Inicialmente, o logo da Charisma era uma frondosa escrita sobre um fundo rosa. A partir de 1972, o simpático personagem Chapeleiro Louco (Mad Hatter) do livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Caroll, era quem ilustrava os lançamentos do selo. Junto com o Chapeleiro Louco, também aparecia no desenho a Lebre Maluca. A montagem que estampava os lançamentos foi feita pelo designer Paul Whitehead, que fez os clássicos desenhos das capas do Genesis na fase Peter Gabriel. Nos anos 70, a obra de Lewis Caroll já era de domínio público (foi escrita no século XIX). Como curiosidade, o personagem Chapeleiro Maluco é inspirado no antigo ofício dos chapeleiros na Europa, que devido ao uso do mercúrio e a inevitável inalação de seus vapores, acabavam ou morrendo cedo ou desenvolvendo fortes distúrbios mentais. O logo do Chapeleiro Louco tornou-se icônico e bastante conhecido.

O clássico design do selo da Charisma
O clássico design do selo da Charisma

A Charisma, assim como vários outros selos, cravou seu nome na história do rock, seja pelo sucesso ou pela ousadia de seus primeiros anos, em apostar num estilo que trouxe evolução ao rock enquanto música e expressão e confrontou o padrão até então estabelecido, de músicas curtas e compactos de apelo comercial quase instantâneo.

 

3 comentários sobre “Selos Lendários: The Famous Charisma Label

  1. Que delícia esses resgates Ronaldo. Curioso que se não for assim, chamando atenção para os selos, muitas vezes a gente passa batido para essa informação. Eu mesmo, lá no início, nunca fui de reparar em quem está lançando o que. De uns anos para cá presto mais atenção nisso.

  2. Só pelo Genesis e o Van Der Graaf Generator a Charisma já merece o nosso carinho, se me perdoam a aliteração… Mas Lindisfarne, Le Orme e o pioneiro Rare Bird também tiveram discos muito bons. Valeu o resgate!

  3. Grande história da Famous Charisma Label muito bem contada aqui. Eu tenho um vinil duplo de “The Lamb Lies Down on Broadway” com esse desenho do Chapeleiro Maluco no selo… Não considero este o melhor disco do Genesis, mas não discordo de quem o aponta como tal, apesar dos defeitos contidos que muitos fãs (eu incluso) observam nele.

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