Crowdfunding e o pioneirismo do Marillion

Crowdfunding e o pioneirismo do Marillion

Por Fernando Bueno

Hoje o conceito de crowndfunding está muito bem estabelecido em vários nichos. Muito artistas, inventores, empreendedores já se utilizaram disso para criar alguma coisa. Você, leitor que nos prestigia aqui na Consultoria do Rock, pode já até ter participado de alguns. Eu mesmo participei do recente lançamento da biografia do André Matos em DVD. Porém essa ideia não é tão nova e pouca gente sabe que o Marillion é um dos pioneiros dessa forma de financiamento.

Olhando a carreira da banda como um todo não podemos dizer que eles não foram bem-sucedidos. Por outro lado, é inegável que após a saída de Fish o interesse pela banda arrefeceu um pouco, mas muito disso se deve ao fã que ficou preso àquela fase e não deu chances reais de ouvir os discos com Steve Hogarth. Eu mesmo tenho que admitir que meu relacionamento com os ingleses é muito desigual. Entretanto a banda está aí até hoje, mais de trinta anos depois da separação com o Fish, e lançou há poucos meses um bom disco, An Hour Before It´s Dark, o décimo quarto disco de estúdio com Steve Hogarth. O que é incrível!!

Só que o grupo teve consequências com esse pouco interesse da grande maioria dos fãs que ainda sentiam a falta de Fish. No final dos anos 90 o rock em geral sofreu muito e o rock progressivo certamente sofria mais ainda, por ter sido estigmatizado durante todo o período das décadas de 80 e 90. Aí o Marillion começou a ter dificuldades com a gravadora que não estava muito interessada em patrocinar uma turnê dos ingleses por terras americanas.

Então, aqui começa o assunto principal desse texto. O primeiro financiamento coletivo que o Marillion participou, como vocês já devem ter percebido, não foi o de um disco, mas sim de uma turnê. Sabendo que os Estados Unidos não teriam nenhum show de divulgação de This Strange Engine (1997) alguns fãs, liderados por Jeff Pelletier, tiveram a ideia de abrir uma conta num banco e pedir para outros fãs depositarem uma quantia cada um para financiar a turnê. A banda foi informada disso e em um primeiro momento acharam que não daria certo, mas não quiseram desanimar ninguém. Porém um montante de 18 mil dólares era o saldo da conta em apenas três semanas de campanha. Os fãs não imaginavam a quantidade de dinheiro que seria necessária para trazer a banda, seus equipamentos e toda equipe da Inglaterra para os Estados Unidos. Só para o deslocamento de tudo isso deveria ser investidos um montante em torno de 30 à 40 mil dólares. No final das contas os fãs conseguiram 60 mil dólares e uma turnê de 21 datas foi agendada. Foi a maior turnê do Marillion nos Estados Unidos desde 1991.

Isso reforça o modo como os fãs mais fervorosos do Marillion costumam atribuir à eles mesmos: ‘We are Freaks’. Uma alusão à “Freaks” que só saiu no lado B do single de “Lavender” em 1985. Essa música chegou a sair em um single próprio três anos depois em uma versão ao vivo. Sua letra diz “all the best freaks are here”, algo como ‘os melhores malucos estão por aqui’, assim isso virou uma piada interna entre os fãs e colecionadores. Eu mesmo notei isso ao tentar entrar com mais afinco na busca de material colecionável da banda. Em várias publicações de anúncios, ou naqueles posts de novas aquisições que tanto gostamos de fazer, fãs lá de fora usam ‘we are freaks’ como uma espécie de assinatura de várias das fotos de suas coleções.

Infelizmente, os próximos passos da banda foram os lançamentos de discos mais fracos como Radiation de 1998 e seu sucessor de 1999. Esse álbum, seu título pelo menos, foi uma espécie de consolidação e afirmação do que viria, já que para a banda a internet já era uma realidade, mesmo que o resto do mundo ainda não apostasse tanto nisso. Nomear um álbum exatamente como seu endereço digital foi uma excelente ideia. O disco marillion.com não é um primor, é um pouco superior ao Radiation, mas faz parte de um período pouco inspirado dos ingleses. Porém chamou a atenção para o site oficial da banda e essa ação foi muito importante para o que viria a seguir. O lançamento desses dois álbuns também concluiu o contrato que eles tinham com a Castle, ou seja, eles estavam livres para renegociar o contrato, ir atrás de outra gravadora ou fazer algo por eles mesmos.

Como o site oficial concentrava e trazia os fãs para um ambiente comum eles tiveram a ideia de propor à essas pessoas que comprassem um disco que ainda nem existia com a promessa de que quando ele estivesse pronto receberiam o mesmo com alguns mimos. Um conceito tão natural hoje em dia, gerou uma enorme desconfiança em uma grande parte dos seguidores, mas que encontrou um número grande de pessoas dispostas à apostar na ideia. Você pode pensar, ‘mas eles já tinham feito algo parecido, por que a desconfiança?’. É que um show (no caso foram bem mais de um) é algo muito mais palpável, basta os equipamentos estarem prontos, a banda se reunir e tocar. Um álbum depende de todo um processo de inspiração, composição, gravação, produção e todos os outros passos para que um disco chegue às mãos do fã. E mais, o valor que deveria entrar tinha que bancar não só toda a questão material citada do álbum em si, mas também arcar com as despesas pessoais de toda a equipe nesse período. A banda então enviou dezenas de milhares de e-mails para os fãs cadastrados em seu site e depois de apenas 48 horas já tinham mais de 6 mil respostas positivas. No total eles fizeram a pré-venda de treze mil cópias e arrecadaram algo em torno de 250 mil dólares, valor superior ao que as gravadoras adiantavam para as bandas na época. Mais uma vez o Marillion provava a força da internet. O resultado disso foi Anoraknophobia de 2001, um álbum bem superior aos dois últimos.

O modelo deu muito certo. Os fãs (os sete mil primeiros) tiveram como incentivos ter seus nomes listados nos encartes do disco, uma versão caprichada com um CD bonus cheio de versões alternativas do álbum e todos ficaram satisfeitos. Desde então a banda usa esse expediente em quase todos os seus lançamentos, porém por conta do sucesso da empreitada de Anoraknophobia e de alguns dos seguintes resolveram utilizar os serviços especializados do Pledge Music, uma das várias plataforma de crowdfunding existentes hoje. A explicação foi que os pedidos eram tão grandes que ficou difícil para uma equipe reduzida da banda conseguir receber os pedidos, confirmar pagamentos, empacotar e enviar para os fãs. Muitos foram os transtornos, os extravios e os reenvios. Mas eles garantem que ninguém que pagou ficou sem suas cópias, mas pelo jeito muitos que não pagaram realmente também receberam e teve também os que receberam em dobro.

Portanto, quando você se deparar com Marillion em suas pesquisas musicais, deixe de lado a eterna comparação com o Genesis ou a falta que o Fish pode ou não fazer à banda. Lembre-se de que se trata de um grupo que não muda sua formação há mais de 30 anos e do pioneirismo tratado aqui nesse texto e quem sabe vocês aprendam a dar mais valor à essa grande banda.

3 comentários sobre “Crowdfunding e o pioneirismo do Marillion

  1. Parabéns pelo texto, inclusive tem livro em inglês falando sobre isso. Só não concordei com a parte de o último disco ser apenas “bom” ele é FODA PRA CARAIO ehehehhehehe

    Abração

    1. Obrigado Michel.
      O Marillion continua fazendo bons discos e isso é ótimo. Depois daquela fase difícil ali do final dos anos 90 eles conseguiram dar a volta por cima.

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