Tralhas do Porão: T2

Tralhas do Porão: T2

Por Ronaldo Rodrigues

Há um filão de apreciadores de rock dos anos 60 e 70 que curte especialmente bandas que praticavam um rock pesado, com um certo ar psicodélico e forte instrumentação, que não era nem blueseiro o suficiente para ser tachado de hard rock, nem virtuoso ou repleto de teclados para ser colocado no balaio progressivo. Alguns chamam esse miolo conceitual de hard-prog, mas nada como uma boa imprecisão taxonômica para introduzir os (não) astros da nossa seção – o T2. A estranheza começa pelo nome e continua na indefinição exata do estilo que praticavam quanto comparada a seus pares. O T2 era um power-trio de baixo-bateria-guitarra que não tinha exatamente o blues como cartilha, mas tocava alto e forte, e que gostava de longas seções instrumentais.

Um vai-e-vem de músicos permitiu o encontro de Peter Dunton (baterista), Bernard Jinks (baixista) e Keith Cross (guitarrista). Peter Dunton e Bernard Jinks formaram uma banda nos idos de 1967 chamada Neon Pearl, que chegou a fazer uma pequena tour na Alemanha e em clubes londrinos. Algumas gravações não oficiais do Neon Pearl chegaram a ver a luz do dia décadas depois. Posteriormente, Dunton formou outro projeto, que teve mais ou menos o mesmo destino que o Neon Pearl, chamado Please. Apenas alguns shows e gravações demo rolaram, lançadas como material de arquivo no fim dos anos 90. Novamente, Bernard Jinks estava com Dunton na empreitada. No fim de 1969, Peter Dunton deixou o Please para substituir o baterista Louie Farrell no Gun. O Gun era uma banda que vinha tendo boa projeção na Inglaterra, com um hit na praça – a empolgante “Race with the Devil”.  Adrian Gurvitz, peça fundamental do Gun, havia também feito parte do Please por um breve período. O curioso é que Louie Farrell foi assumir a bateria de uma outra banda, chamada Bulldog Breed, que era na verdade uma reencarnação do Please, contando com Bernard Jinks no baixo e Keith Cross na guitarra.

A passagem de Dunton pelo Gun foi curta, assim como a própria vida da banda, que logo acabou em 1970. O futuro do Bulldog Breed parecia promissor, já que haviam sido contratados pela Deram e lançaram um LP completo chamado Made in England (1969). Apesar da boa qualidade, era patente que a banda ficava em um limbo pela diversidade de seu som que se equilibrava entre diferentes vertentes, justamente em uma época em que o exagero conceitual era palavra de ordem. A falta de repercussão matou o Bulldog Breed em pouco tempo e, de seu desmantelamento, surgiu o T2 com o reencontro de Dunton e Jinks somados a Keith Cross. Os três músicos já estavam um tanto cansados da falta de sucesso expressivo do que tinham feito até então e começaram a vislumbrar qual seria o caminho mais assertivo para atingir sucesso de público, vendagem e crítica.

O entrosamento entre os três foi rapidamente alcançado e, sem muitas dificuldades, um contrato foi assinado com a poderosa Decca Records. Sessões de gravação foram agendadas de madrugada no bem equipado Morgan Studios, em Londres; no mesmo local, os Faces gravavam seu disco de estreia durante o dia. O trio buscava não se influenciar por nada do que estava rolando na época, visando obter um som o mais distinto possível. E não seria exagero dizer que, em certo grau, eles conseguiram. É difícil comparar o T2 com alguma banda do período – ao mesmo tempo em que eles capturavam algo do rock pesado tal como o Cream ou Jimi Hendrix Experience, inseriam acordes dissonantes e ideias do jazz, tal como faziam o Bakerloo, o Jethro Tull no início ou o Colosseum. Já a estrutura das músicas do T2 era bem distinta, com muitas variações e alternâncias entre partes lentas e rápidas, suaves e agressivas. A voz e as linhas melódicas de Dunton também eram bastante autênticas, como se fosse uma versão mais aguda do vocal de Richard Sinclair (Caravan). No primeiro e único álbum lançado pelo grupo nos anos 70 – It’ll All Work Out in Boomland, de maio de 1970 – temos apenas 4 faixas, sendo que 3 superam os 8 minutos de duração e uma ocupa todo o lado B (a suíte “Morning”). A abertura é explosiva, com “Circles”, na qual fica claro que Keith Cross era um guitarrista diferenciado, apesar de bastante jovem (tinha apenas 18 anos quando o disco foi gravado). “No More White Horse” é uma belíssima balada, retrabalhada da época do Please, e “Morning” é aquele tipo de faixa em que tudo acontece, como uma explosão de sons.

O disco tem boa qualidade de gravação e uma capa marcante, assinada pelo designer Peter Thaine. O álbum foi bem promovido pela Decca na imprensa britânica e lançado em outros países, via acordos de distribuição – Alemanha, EUA, Canadá, França e até o Brasil (!). E, diferentemente de outros casos apresentados aqui nessas tristes histórias de bandas que poderiam ter sido e não foram, o T2 tocava bastante ao vivo, frequentando o mesmo circuito universitário que Deep Purple e Black Sabbath frequentavam em 1970; eram nomes muito apreciados no famoso Marquee Club e chegaram até a participar do lendário Festival da Ilha de Wight de 1970. Ou seja – não faltou exposição para a banda. Contudo, o ambiente interno da banda não era dos melhores – Keith Cross queria mais espaço na banda pra colocar suas ideias, que iam em uma direção diferente do que a banda apresentou no disco. Ele preferia algo mais lírico, que ficava afogado no meio das distorções e improvisações que a banda praticava. Havia já material para um segundo álbum também pela Decca (demos desse material foram lançadas posteriormente por Peter Dunton em seu selo Acme Records) e uma tour pelos EUA, mas Cross preferiu jogar tudo pro ar, alegando que a banda estava o deixando estafado e doente. Jinks vendo a dificuldade trazida pela desistência de Cross também abandonou a banda no início de 1971.

Dunton, por outro lado, buscou reconstruir o T2 com outros músicos. A coisa não foi nada fácil – a Decca rompeu o contrato e tudo teve que recomeçar do zero para o T2, que agora tinha John Weir no baixo e Andy Bown na guitarra. Andy havia sido colega de Peter Frampton no The Herd e depois integrou o Judas Jump, outra banda de vida curta da virada da década, que também no Festival da Ilha de Wight de 1970. Um novo repertório passou a ser concebido e um novo selo para abrigar a banda era necessário. Contudo, os ventos haviam mudado e as gravadoras estavam interessadas em descobrir um novo astro glam pra fazer frente a David Bowie e Marc Bolan. Ainda que o T2 permanecesse ativo, nada de muito relevante aconteceu para o grupo nos dois anos seguintes e seu fim foi decretado em 72. Dunton ainda conseguiu um contrato para o lançamento de um single como artista solo em 73, mas que não logrou êxito. Em 1975, o T2 retornou com Peter Dunton e o baixista Mike Foster, mas em uma escala de visibilidade e sucesso muito menor que a experimentada em 1970. Assim nessa toada mais modesta, lançaram alguns discos de material inédito nos anos 90, que passaram batido.

 

Um comentário em “Tralhas do Porão: T2

  1. Esse Keith Cross lançou em 1972, junto a Peter Ross, o álbum “Bored civilians”, com um som bem mais tranquilo do que ele fazia no T2. Nesse álbum está uma composição de Peter Ross, que escutei muito durante um bom tempo: “The last ocean rider”.

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