Test Drive: Black Sabbath – Black Sabbath [1970]

Test Drive: Black Sabbath – Black Sabbath [1970]

Com André Kaminski, Bruno Marise, Daniel Benedetti, Fernando Bueno, Libia Brigido, Mairon Machado, Micael Machado e Pablo Ribeiro

Comemorando os 50 anos de lançamento do álbum de estreia do Black Sabbath, nossos consultores expressam aqui um pouco de sua relação e importância do mesmo para o mundo do rock pesado, e por que não, para a história da arte.


André: O heavy metal nasceu aqui. Sei que tem aquelas velhas discussões sobre quem fez primeiro, mas o que eu sei é que 100% das bandas do lado mais pesado do rock têm o Black Sabbath como uma de suas influências. Fora de cogitação isso ser diferente. O que esse disco representa para a história da música e o que esses quatro caras fodidos e pobretões de Birmingham fizeram foi simplesmente mudar a vida de uma quantidade imensurável de pessoas que tiveram contato com a sua discografia seja na época, seja o adolescente de hoje descobrindo o rock pesado. Sem o Black Sabbath e sem este incrível disco auto-intitulado, a Consultoria do Rock não existiria. Eu não seria quem eu sou hoje. A primeira faixa título ainda é uma das músicas mais assustadoras e pesadas do rock. Três acordes medonhos e vocais viscerais de um sujeito drogado e sem estudo que ainda impactam. São ao todo seis composições próprias e dois covers que demonstram uma banda muito a frente do seu tempo. O trabalho técnico nos instrumentos de Iommi, Butler e Ward ainda impressionam. Foda-se, taca a porra de um solo de baixo na intro de um dos seus principais singles. Sei lá, alguém me mostra um disco de alguma banda grande que fez uma dessa no ano passado? Duvido que tenha. E se tiver, é merda comparado ao solo de Butler. Antes do contato com o heavy metal, eu era simplesmente um adolescente estúpido que não tinha qualquer interesse por arte, música, literatura e história. Eu só tenho a agradecer aos caras e a este disco por sua música ter me tornado uma pessoa muito melhor.

Bruno: Que é um disco fundamental para o nascimento do rock pesado e talvez o marco zero do heavy metal todos já sabem, mas pouco fala-se da presença dos elementos de jazz e blues, resquícios do que a banda fazia antes de se tornar o Black Sabbath. Se a faixa-título e “N.I.B.” já trazem uma dose de peso nunca antes vista, “Behind the Wall Of Sleep” e “Sleeping Village” representam essa outra faceta do grupo.

Daniel: Ao ouvir novamente este disco, após um certo tempo, fica muito claro, para mim, a sua inventividade. Não existiam riffs como os que Tony Iommi criou em “Black Sabbath”, “The Wizard” e “N.I.B.”, por exemplo. Black Sabbath (o disco) marca realmente a estreia do Heavy Metal. Foi nele (e na sua sequência, Paranoid) que os elementos que constituiriam o então novo estilo musical foram consolidados. Se outras bandas já estavam tocando um som mais pesado anteriormente, nenhuma tocava tão pesado quanto ao Black Sabbath. Nenhuma possuía, de maneira agrupada, a estética sombria, as letras soturnas que quebravam e rompiam com a temática hippie da década anterior, oferecendo ao ouvinte o caos, o horror e a condição miserável humana. Em suma, em 1970, não havia nada parecido com o Black Sabbath e sua musicalidade.

Fernando: É esquisito pensar que esse disco está fazendo 50 anos. Afinal isso significa que o heavy metal como estilo também está fazendo 50 anos. E isso marca muito quem acompanha o estilo há tanto tempo. Hoje faz mais tempo que comecei a ouvir heavy metal do que fazia quando o ouvi pela primeira vez e o seu lançamento. Passei 75% da minha vida acompanhando tudo de perto e ainda tem muito a conhecer. O mais maluco é que na oportunidade quando o conheci esse disco já era considerado um clássico, as histórias da banda já eram antológicas e olhando com a perspectiva de hoje, não fazia tanto tempo que ele havia sido lançado. Você conhece algum disco de 20 anos que seja tão clássico quanto esse ou que tenha a mesma importância? Sei que meus amigos estão tecendo diversos elogios ao disco, todos muito bem justificáveis, mas queria abordar outro aspecto aqui. Eu não sei dizer muito bem se o heavy metal envelheceu muito bem, mas tenho um pouco de receio pelo seu futuro. Quando você olha hoje para os caras que gravaram esse disco lá no início da década de 70, todos senhores de idade, talvez imagine que o estilo que nasceu com essas pessoas, também esteja acabando junto dessas pessoas. Será? Falo tudo isso em tom de provocação. Acredito que a minha parte de tentar ouvir, conhecer e até comprar material das bandas novas eu esteja fazendo, mas sei que muita gente do meio ainda ouve esse disco aqui como se fosse o que vale a pena ouvir e sabemos que não é assim. Esse disco foi o gatilho para algo que mudou não só os gostos musicais, mas mudou a vida de muita gente. O heavy metal é muito mais do que um estilo musical para grande parte das pessoas que o acompanha e isso é muita coisa. E tudo isso iniciou-se com esse disco, com aquele barulho de chuva e os três acordes proibidos. Vida longa ao heavy metal!

Libia: 50 anos se passaram e esse álbum continua nos dando o mundo. A tempestade que inicia o álbum, representa aquele sábado chuvoso a noite que por muitas vezes podem nos deixar sem palavras. Se quer se sentir assim, basta ouvir essa faixa com os olhos fechados e as luzes apagadas. Então começa uma jornada entre as essências do Jazz, Blues, Psicodelia e ocultismo. Uma verdadeira miscelânea de estilos cheios de lendas obscuras, tragédias e sofrimento. O resultado: “Black Sabbath”, um álbum magnífico e atemporal. Fico imaginando o que se passava na cabeça de Geezer Butler quando estava compondo essas poesias carregadas de mistérios. Coisas que segundo ele em uma entrevista, vinham muitas vezes de seus sonhos (ou pesadelos?). Minha parte favorita desse álbum é o baixo do Butler. Ao ouvir “N.I.B” talvez muitos de nós sentimos vontade de aprender esse instrumento. Os 40 segundos desse solo inicial certamente mudou a vida de muita gente. E não existe voz mais perfeita que a de Ozzy Osbourne para interpretar essas cenas perturbadoras. Em seguida vem o feeling e a técnica do Bill Ward que é inigualável. A partir 2 minutos e 5 segundos da “Sleeping Village” podemos ouvir os passos apressados do Jazz em sua bateria. E para finalizar, Tony Iommi com seus riffs, que são na minha opinião, a alma da banda. Os Riffs chamam aquela tempestade.

Mairon: O Black Sabbath estreou em 1970 e já chegou chegando com dois grandiosos álbuns. Aqui estão duas das minhas canções favoritas do grupo: “Sleeping Village”, com suas longas improvisações de guitarra por parte de Tony Iommi (e uma surpreendente releitura para “Warning”, da Aynsey Dunbar Retaliation) e “N. I. B.”, onde Geezer Butler mostra ao mundo por que ele é o pai de todos os outros baixistas do rock pesado. A mistura de blues (“The Wizard”) e jazz com peso (“Behind The Wall Of Sleep”) foi uma das melhores sequelas que o Black Sabbath deixou para a posteridade. Além disso, a épica faixa-título, com sua caótica introdução, virou referência de como assustar as pessoas através dos sulcos do vinil. Na versão americana, Iommi também faz das suas na sensacional “Wicked World”. Dali por diante, o grupo não pararia de crescer durante um bom tempo, e conquistariam o mundo e posto de banda mais importante na santíssima trindade do rock rapidinho, ao lado de Led Zeppelin e Deep Purple. Em tempo, se não fosse por esse grandioso álbum talvez não estivéssemos aqui hoje escrevendo para vocês. Parabéns ao disco, e obrigado a Iommy, Ozzy, Butler e Ward por terem criado um disco tão atemporal!

Micael: Talvez nem os próprios membros do Black Sabbath concordem, mas o heavy metal surgiu com este registro. Outras bandas podiam tocar alto, pesado, rápido e ter alguns temas “satânicos” em suas letras, mas quando este disco apareceu com aquela capa (e seu macabro poema escrito sobre uma cruz invertida na parte interna), aquela introdução com chuvas e trovões, aqueles acordes “assustadores” da faixa título, com os vocais “tenebrosos” de Ossie (como registrado erroneamente na capa) e aquela letra citando o cramulhão em pessoa (uma “grande figura negra de olhos de fogo”), nasciam o doom metal, o gothic metal, o death metal, o black metal e, um tempo depois, como um filho temporão, o stoner metal. Tudo bem que a velocidade pode ter vindo do Judas Priest, do UFO ou do Mötörhead, mas as sementes do estilo foram plantadas aqui, quando o Sabbath injetou uma grande dose de “malignicidade” (sei lá se existe isto, mas me refiro a um componente maligno mesmo) no sonho hippie dos anos 1960, mostrando que este sonho havia acabado, e dali para a frente seria apenas ladeira abaixo. Este tom maligno continua nas demais faixas originais do grupo (“N.I.B.”, onde o tinhoso marca presença novamente, “Behind The Wall Of Sleep”, “The Wizard” e sua gaita, e a macabra “Sleeping Village”), e não passa tão longe assim das duas covers do álbum, a pesada “Evil Woman, Don’t Play Your Games With Me” e a sensacional “Warning” (que mostra um pouco do lado jazzístico de Iommi, que também aparece em “Wicked World”, que substituiu “Evil Woman” na versão americana). Pouco menos de quarenta minutos que influenciaram gerações que viriam depois deles, além de servir de base para a construção da carreira do próprio Sabbath, que renderia vários frutos tão bons ou melhores nos anos vindouros. Clássico absoluto, sem dúvida alguma!

Pablo: Black Sabbath é um álbum que não só criou um gênero, mas também redefiniu os parâmetros da música em geral. Blues, Jazz, Rock and Roll… está tudo aqui, em um caldeirão movido aos riffs destruidores do mestre Iommi, as levadas esmagadoras da cozinha de Butler/Ward e os vocais desesperadores de Ozzy* (muito antes de virar um mico de circo televisivo). O repertório da bolacha é irrepreensível: “The Wizard” (com a harmônica a cargo de Osbourne), “N.I.B” (e sua espetacular introdução de baixo), “Behind the Wall of Sleep” e claro, a faixa título com sua introdução ao som de tempestade, tornaram-se megaclássicos obrigatórios no consciente coletivo de qualquer headbanger que se preze! Por outro lado, temos as não menos fantásticas “Warning” (cover do Aynsley Dunbar Retaliation) “Sleeping Village” (com seu climão dark) e “Evil Woman (Don’t Play Your Games With Me)”, cover do Crow que foi o primeiro single do disco, contando com “Wicked World” no seu lado B**. Todas essas não menos impactantes, ainda hoje! Desde a arte gráfica, com uma imagem de capa cercada de mistério – cujo gatefold revelaria uma cruz invertida***- ao conteúdo musical sem arestas, Black Sabbath talvez seja o mais importante disco de estréia do Rock. E certamente um dos mais impactantes da música em geral. Pra mim, sempre foi. E sempre vai ser. Mas talvez eu não seja exatamente o melhor sujeito para fazer esse julgamento, já que Black Sabbath é meu disco preferido há mais de 30 anos. E não só da banda, como da música em geral!

* Em edições iniciais do álbum, o apelido de Osbourne é grafado como “Ossie”.

** Uma versão doméstica de “Black Sabbath” chegou nos EUA 8 meses depois do lançamento original inglês. Nele, juntaram-se algumas faixas eu uma só. E alguns trechos receberam novos títulos. Mas a principal mudança foi a inclusão de “Wicked World” no lugar de “Evil Woman…”

*** Várias edições do álbum, desde seu lançamento original sofreram alterações em seu projeto gráfico original. A mais comum é a mutilação que simplesmente eliminou o gatefold interno, transformando a capa dupla em simples. Entretanto, algumas alterações são curiosas, como a versão holandesa, do meio dos anos 70, em que a cruz e o texto originalmente em branco, em fundo preto foram invertidos para preto em fundo branco.

3 comentários sobre “Test Drive: Black Sabbath – Black Sabbath [1970]

  1. Dentro desse período de 50 anos do Black Sabbath, o Heavy Metal passou por altos e baixos. Sinto que nessa última década está colhendo bons frutos se olharmos de forma global. É um estilo que está sempre se reinventando com ótimas bandas da nova safra e bandas clássicas lançando ótimos álbuns com abordagens diferentes. E os lançamentos dos discos cada vez mais caprichados aqui no Brasil talvez estejam engajando mais colecionadores. Espero que sempre existam bons aventureiros da nova geração levando isso a diante.

  2. 50 anos já! Carvalho. Lá em 1992, quando se falava de Black Sabbath parecia algo tão jurássico. O comentário do Bueno é fantástico, tenho essa mesma sensação. Não há NENHUM disco de vinte anos atrás que hoje, passe a unha do pé da sensação de importância de um disco como BLACK SABBATH. A revolução que isso causou na música é inquestionável. Mesmo uma pessoa que não curta metal treme na base e respeita esse álbum. Comentário perfeito também Libia, o metal tem colhido bons frutos na última década, mas lamento que nunca mais tenha se surgido algo capaz de modificar a música como os 4 de Birmingham

  3. Excelente texto, pessoal!
    destaco o timbre de bateria de Bill Ward nesse disco…fantástico e poucas vezes equiparado (nem pelo próprio)…foi uma das componentes do peso desse álbum e algo que faltou em Paranoid e Master of Reality.
    Abraços,

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