Desplugado: uma nota sobre o melhor dos acústicos – Parte 2

Desplugado: uma nota sobre o melhor dos acústicos – Parte 2

Por Marcella Matos

A primeira parte pode ser conferida aqui

A Music Television inovou o modo de se consumir música no século XX: Pioneira ao transmitir uma programação totalmente devotada à música – cujo carro chefe eram os videoclipes -, o canal retrata uma época. A influência que a MTV trouxe aos telespectadores é difícil de mensurar; principalmente num mundo que evoluiu tanto em tão pouco tempo. Dentre as principais marcas, a cultural, com certeza, deve ser lembrada, pois o costume de se assistir “música” fora introduzido pela emissora que, ao mesmo tempo, foi a responsável por lançar trilhas sonoras de gerações que presenciaram os maiores avanços tecnológicos do século, num ritmo muito acelerado; outra grande influência exercida pela emissora foi a comportamental, pois o canal, de certo modo, difundiu padrões estéticos; ao mesmo tempo era capaz de furar as bolhas e os modelos repetitivos (criando o seu próprio, na maioria das vezes); como o rock dos anos 2000, por exemplo, que não fora tão bem-sucedido comercialmente como o da década anterior, mas muito de sua atividade (capacidade de ampliar as fronteiras) se devia a iniciativas da emissora, como a série Unplugged, por exemplo, uma das melhores ideias que a MTV já desenvolveu.

Bruce Springsteen:

Bom músico, compositor e dono de absurda presença de palco (perfomer); estes atributos fizeram de Bruce um artista muito bem sucedido ao longo da carreira. Desde o início o comparavam a Bob Dylan. Seus espetáculos ao vivo, até os dias de hoje, são reverenciados tanto pela crítica quanto pelo público: “Bruce sempre exerceu níveis quase sobre-humanos de energia em seus shows, mas sua turnê “Wrecking Ball” [2012/2013] é uma das mais emocionantes”, comentou a revista Rolling Stone. Performático como só, seu grande ídolo é Elvis Presley, justamente umas das figuras mais polêmicas da época, em se tratando da conservadora sociedade norte-americana das décadas de 1950/60, pois seus quadris não mentiam: suas apresentações causavam um verdadeiro rebuliço… Eram enérgicas, próprias do ritmo caloroso que o acompanhava. 

“[..] Sua única especialidade é um movimento acentuado do corpo que até agora tem sido identificado, principalmente, com o repertório de louras em um show burlesco. O giro nunca teve nada a ver com o mundo da música popular e ainda não tem”, disse uma crítica ferrenha do New York Times dirigida a Elvis Presley.

A E Street Band, banda que costumava acompanhar Springsteen durante as gravações dos álbuns e turnês, formou-se após Bruce reunir diversos músicos de Nova Jersey para tocar em seu primeiro disco, Greetings from Asbury Park, N.J. (1973). A parceria do “Boss” (como ele é chamado) e da E Street Band foi (temporariamente) desfeita em meados de 1989… O casamento musical seria oficialmente reatado dez anos depois (em 1995, ambos se reuniram para a gravação de algumas faixas de Greatest Hits, apenas).

Bruce Springsteen e a E Street Band

Bruce nunca simpatizou com a ideia de estar na televisão. Ao longo de sua extensa carreira, foram poucas as vezes em que se apresentou em programas de TV. A primeira aparição foi no “Saturday Night Live”, em março de 1992. Um semestre depois, Bruce e a sua nova banda gravaram para a MTV um espetáculo para a série “Unplugged”. 

Nos ensaios para o “Unplugged”, Springsteen não teria simpatizado com a sonoridade desplugada de suas músicas, então ele mudou de ideia quanto ao formato do show… Assim sendo, tocou uma canção apenas (“Red Headed Woman”) acompanhado do violão. Todas as demais são apresentadas da forma tradicional (entenda-se: tocá-las no formato elétrico mesmo), como nos concertos. A direção do programa não gostou nem um pouco, mas no final acatou a ideia. Os produtores tiveram a perspicaz ideia de eliminar as duas primeiras letras (“Unplugged”)  quando o programa foi ao ar. Dez anos antes, o músico havia lançado Nebraska (1982), disco mais voltado para o andamento acústico, sem a presença de sua habitual  banda. Esse álbum apresenta uma cadência intimista e retrata uma fase meio taciturna do cantor… Será que não quis rememorar os velhos tempos? Não sabemos.

https://www.youtube.com/watch?v=QvXpEb_YWzI

In Concert/MTV Plugged (1992) é um registro elétrico da turnê para os álbuns Human Touch e Lucky Town (1992). São apresentadas canções de ambos, mas também há faixas de outros momentos da carreira, como “Darkness on the Edge of Town” (Darkness on the Edge of Town, 1978), “Atlantic City” (Nebraska), “Thunder Road” (Born to Run, 1975), “Light of Day” (trilha sonora do filme homônimo, interpretado por Joan Jett e  Michael J. Fox), além da inédita “Red Headed Woman”.

 

Alice In Chains:

Layne Staley, vocalista da banda, passava por uma laboriosa luta contra sua dependência química naquela época; eram recorrentes o adiamento ou, até mesmo, cancelamento de shows devido sua debilidade física e emocional… O MTV Unplugged Alice In Chains (1996) testemunha a fragilidade do querido vocalista; mas não é indicativo de uma apresentação fria, desprovida de afeto ou emoção; a performance irradia forte atração: Layne ainda ferve, há brasa em seus olhos e vontade de expressar seus demônios da melhor forma possível. “As drogas funcionaram por mim por anos, mas agora estão se voltando contra mim, e minha vida se tornou um inferno”, disse em entrevista à revista Rolling Stones (1996).

Há um esforço descomunal por parte da banda para que a noite agrade aos fãs e faça jus ao legado do grupo… Conseguem. Uma antiga resenha relata que Layne Staley teve um “desempenho poderoso, apesar de sua condição”. A calmaria provocada pela substituição dos instrumentos elétricos pelos acústicos proporcionou ao som do Alice in Chains uma maior projeção dos vocais de Layne. Por triste acaso a apresentação ao vivo viria a ser uma das últimas do vocalista (eles abriram alguns shows do Kiss naquele ano), que faleceria seis anos depois em decorrência de uma overdose de cocaína.

Dentre as bandas similares, Alice in Chains sempre se destacou por possuir uma sonoridade mais pesada que todas as demais. Vê-los  desconectados e, ao mesmo tempo, ‘desconstruindo’ clássicos, como Would?, Rooster, Angry Chair, Down in a Hole, Heaven Beside You, Over Now… É uma experiência fantástica. O formato acústico só acrescentou graciosidade às músicas. Nutshell é aquele momento de introspecção, cuja interpretação de Staley agrega enorme quantidade de carga emotiva à canção. Killer Is Me, composta e interpretada por Jerry Cantrell (excelente músico, diga-se de passagem; o catálogo do Alice In Chains não me deixa mentir) é a saideira do show e dá mostra do quão entrosados, carismáticos e habilidosos são os caras de Seatlle; a fluidez da apresentação, ao longo da execução das faixas é bastante claro. É orgânico. É osmótico. É simples. Abrir mão dos amplificadores não foi oneroso à banda. O episódio integra a lista das apresentações que entraram para o “olimpo” da série Unplugged.

https://www.youtube.com/watch?v=9y0DuiCEzZE

Na plateia estavam os músicos do Metallica. Durante a gravação ouve-se a introdução de Enter Sandman e Battery, uma homenagem ao grupo. A frase escrita no instrumento do baixista Mike Inez foi uma indireta para que os caras do Metallica lessem; se tratava de uma brincadeira entre eles, pois naquele período o Metallica tinha passado por uma mudança radical no visual. Naquela noite de abril o Alice In Chains simplesmente esqueceu seus (muitos) problemas e se concentraram na simplicidade da música. Eles cantam sobre dor e raiva (numa atmosfera sombria) e, ainda assim, soam espontâneos.

 

Neil Young

O material acústico do músico canadense fora gravado no ano de 1993, período de bonança para bandas com uma sonoridade mais saturada, riffs fortes, bateria pesada e guitarras distorcidas; àquelas eram identificadas pela mídia sob alcunha Grunge; a MTV, por sinal, teve um papel fundamental na popularização (em escala mundial) do estilo; a emissora propagou a sonoridade que retratou, como nenhum outro gênero musical, os anos 90. Se Kurt Cobain é considerado o padrinho do gênero, Neil Young é ninguém menos que o pai,  pois, de acordo com fontes, o álbum Rust Never Sleeps – com a banda Crazy Horse – (1979) já apresentava uma sonoridade próxima daquela que o Grunge adotaria: o uso regular da guitarra distorcida; já Freedom (1989) e Ragged Glory (1990), este último do Neil Young and Crazy Horse, foi o indício (mais recente) da chegada do movimento; esta sonoridade ressurgiu por meio das principais bandas do cenário da música alternativa, como Nirvana, Pearl Jam, Sonic Youth, etc.

O formato acústico não era novidade para Young, afinal já gravara e se apresentara desta maneira em outras ocasiões… Entretanto, no dia da gravação do programa o músico não gostou do resultado da performance de algumas canções e simplesmente abandonou o palco, retornando em seguida para concluir a gravação; que por sinal não foi ao ar. Quatro semanas após o ocorrido, já em outro estúdio e com um esboço diferente de músicas, Neil Young retorna para uma nova tentativa. Com êxito, desta vez.

https://www.youtube.com/watch?v=0vrDIFYuc4Q

Destaque para a simplicidade da abertura: Old Laughing Lady é executada de forma enxuta; apenas o violão e a gaita (tão característica) do músico marcam presença no momento inicial da apresentação. Em Like a Hurricane, Neil interpreta a canção, agora, acompanhado de um órgão; este é considerado um dos melhores momentos do episódio. Uma vez auxiliado pela banda, composta por Ben Keith, Tim Drummond, Nicolette Larson, Astrid Young e Nils Lofgrenen, a encantadora versão de Harvest Moon é executada de modo similar a versão de estúdio; já Transformer Man soa agradavelmente no formato Unplugged; um belo exemplo de como uma mudança regular sonora possa vir a gerar uma combinação mais atraente de notas; mudando, inclusive, nossa percepção perante à musica. No geral, a seleção de Young priorizou canções menos conhecidas do público; Pocahontas, Long May You Run, From Hank to Hendrix, Unknown Legend e Look Out for My Love foram tocadas naquela noite.

 

Lenine

Equivalente ao acervo cultural brasileiro, Lenine figura dentre os músicos contemporâneos mais talentosos do cenário musical nacional. Compositor nato, o artista mescla influências dos mais diversos estilos musicais (elementos do rock, flerte com música eletrônica e elementos regionais). Suas obras tem longo alcance, ultrapassando limites territoriais. Suas apresentações ao vivo são enérgicas, revelando uma qualidade técnica admirável (dele e da banda que o acompanha). Lenine In Cité (2004), DVD gravado em Paris, dá mostra de quão gigantesco Lenine é; munido de poucos recursos instrumentais, o músico se apresenta com a baixista cubana Yusa e o percursionista argentino Ramiro Musotto, ‘apenas’… É o suficiente para potencializar a grandiosidade do espetáculo (Do It e Todas Elas Só Juntas Num Só Ser merecem ser conferidas). O desempenho do trio é poderoso.

Tendo como referência as apresentações ao vivo do cantor, não era de se esperar menos do projeto; este, por sua vez, registra grandes composições do músico recifense: Na Pressão, Hoje Eu Quero Sair Só, O Dia em que faremos Contato, Paciência, Jack Soul Brasileiro, Olho de Peixe, Dois Olhos Negros… As participações fazem um contraponto bem interessante, pois refletem justamente a diversidade do músico: a mexicana Julieta Venegas, a harpista Cristina Braga, o baterista Igor Cavalera, o Rapper brasileiro GOG , o instrumentista chileno Victor Astorga e o caramonês Richard Bona são os convidados da noite.

https://www.youtube.com/watch?v=ZQpmc6hiIBQ

De acordo com Cleber Facchi, Lenine “foi lentamente solidificando uma das mais imponentes discografias e carreiras que se desenvolveram ao longo das últimas décadas, quebrando qualquer tipo de barreira comercial ou radiofônica para em diversas vezes manter um profundo e conexo diálogo com o grande público”. O resultado do Acústico MTV Lenine (2006) é uma unidade sonora bem à altura dos trinta anos de carreira do músico; um rodízio de convidados e fartas canções com elementos nada óbvios (como é próprio na enxuta mas imponente discografia do cantor) manisfestando a extensão musical única de uma das personas mais completas da Música Popular Brasileira (e muito além, pois gêneros ou rótulos não condizem com a extensa e produtiva carreira dele).

 

Jimmy Page and Robert Plant

Este especial, afinal de contas são dois membros do Led Zeppelin!, foi transmitida pela MTV no segundo semestre de 1994, e figura dentre as reuniões mais singulares do programa. Gravado em três locações distintas (Marrocos, País de Gales e Inglaterra), o projeto ‘Unledded’ contou com a participação de músicos egípcios e marroquinos. No Quarter é uma canção do Led Zeppelin, do álbum Houses of the Holy (1973). Há suspeitas que John Paul Jones não fora convidado para a reunião, fato este que o teria contrariado, pois a canção que dá nome ao disco é, em grande parte, obra sua. Outra versão diz que simplesmente o baixista não quis participar da empreitada, pois concentrava-se em outros projetos…  Canções do Led Zeppelin são interpretadas sob uma nova seção rítmica. Clássicos como Nobody’s Fault But Mine, No Quarter, Since I’v Been Loving You  e Kashmir ganharam releituras. Há influência de música árabe ao longo das canções, principalmente nos arranjos. A proposta do projeto dá ênfase na melodia e ritmo; quatro canções inéditas: Yallah/The Truth Explodes, Wonderful One, City Don’t Cry e Wah Wah evidenciam a inspiração marroquina/árabe. “Foi ótimo levar as pessoas a sons que não ouviram. Não foi uma coisa fácil de fazer, mas valeu a pena“, conta Page.

Planos para essa reunião eram antigos, o empurrãozinho veio do produtor musical Bill Curbishley, que intermediou o primeiro contato entre os dois:

“Eu ia tocar no Japão com o David [Coverdale], e recebi um telefonema da diretoria do Robert [Bill Curbishley] para vê-lo em Boston;  Robert disse: ‘Eu fui abordado pela MTV para fazer um Unplugged e eu realmente gostaria de fazer isso com você, então eu disse “OK”. Isso nos deu a chance de revisitar alguns números e usar essa mesma imagem com um quadro muito, muito diferente”, conta Jimmy Page em entrevista.

Tanto o sucesso de No Quarter: Jimmy Page e Robert Plant Unledded (1994) como o regozijo dos músicos foi o suficiente para que o projeto se estendesse à uma turnê em fevereiro de 1995. “Naquela época eu não me sentia mais como um cantor de rock … Então fui abordado pela MTV para fazer uma sessão Unplugged . Mas eu sabia que não poderia ser visto segurando a bandeira do legado do Zeppelin na TV. Então me encontrei com Page em Boston e foi como se esses últimos dias difíceis do Led Zepellin tivessem desaparecido. Nós tivemos esse entendimento novamente sem fazer ou dizer nada. Nós conversamos sobre a coisa da MTV e decidimos ver onde poderíamos levá-la”; lembra Robert Plant.

A parceria ainda rendeu um segundo álbum, neste caso, de inéditas: Walking into Clarksdale (1998), que culminaria, se dependesse da vontade de Page, em um terceiro álbum, mas não foi o que aconteceu, como conta o próprio Plant: “Nós tivemos algumas boas músicas [em Walking into Clarksdale], mas eu não tinha certeza sobre a produção. Eu me senti meio que abandonado. Nós ainda estávamos cercados pelo escudo protetor de quem nós éramos, e isso significava que estávamos ‘jogando’ em grandes arenas ao redor do mundo. E eu percebi, mais uma vez, que tinha que haver outro jeito…”. 

“Eu certamente tinha cerca de uma dúzia de números escritos para um terceiro álbum. Robert os ouviu e disse que alguns deles eram realmente bons, mas ele só queria ir em outra direção. Isso é justo o suficiente”, conclui Page. E a parceria chegava (novamente) ao fim.

Bob Dylan 

Há quem diga que guitarras acústicas têm a capacidade de produzir um som muito mais bonito do que as guitarras elétricas… Logicamente que a escolha da canção é essencial para o êxito no formato. “No momento em que a banda tocou os primeiros acordes de uma versão elétrica de Maggie’s Farm, a plateia entrou em estado de choque […] Quando Dylan (envergando sua Fender Stratocaster) e a banda passaram a tocar Like A Rolling Stone, o público ficou ainda mais agitado: ‘toque música folk!’, ‘Vendido!’, ‘isso é um festival de folk!’, ‘Suma com essa banda!’“, narra Robert Shelton, funcionário do Newport Folk Festival. O público não assimilou a mudança sonora, “como assim, guitarra elétrica em um festival folk?”, indagavam as pessoas ao ouvirem o músico se apresentar com uma banda totalmente amplificada. Em mais de trinta anos de carreira, Dylan, ao longo deste tempo, criou e recriou constantemente sua música; mas, naquele momento em especial, queria se desvencilhar da alcunha que haviam lhe dado: “porta-voz de uma geração”, “salvador folk”, etc. E, o dito-cujo seguiu por um caminho totalmente inverso do que tinham trilhado para ele. Há inúmeros relatos acerca das verdadeiras razões do descontentamento do público do festival; todas elas discutidas em filmes e documentários diversos… Bem, a certeza é que o episódio ficou marcado na história e a música (reverberadora e forte) de Bob Dylan rompeu as barreiras do tempo; mesmo não se tratando da mesma conjuntura política de outrora, sua voz ecoa como um longo e extenso grito de protesto.

O músico é considerado umas das figuras mais influentes da cultura pop; sua voz mudou definitivamente o curso da música popular no mundo e sua bagagem revolucionou o cenário musical ao inovar: Criador de novas expressões poéticas dentro da música, Dylan expunha nos versos crônicas humanas e sociais.

A apresentação de Dylan na série Unplugged é uma das imagens mais satisfatórias para fãs, pois de certa maneira o músico se conecta inteiramente ao momento; ele revisita suas poesias engajadas. Desde a primeira canção que abre o acústico, Tombstone Blues, Dylan se sente realmente à vontade; é perceptível seu “tom” de brincadeira/ironia, pois a canção faz parte de Highway 61 Revisited (1965), primeiro disco integralmente elétrico do cantor; aquela indiferença (até um certo desconforto) de outras apresentações, no MTV Unplugged Bob Dylan (1995) não se faz presente. Shotting Star e Dignity são as faixas mais ‘frescas’, em se tratando da discografia do músico; ambas foram gravadas para Oh Mercy (1989), entretanto Dignity não foi incluída no álbum. Knockin’ on Heaven’s Door e Like a Rolling Stone remetem a um momento menos sarcástico da sessão, cuja delicadeza, maestria, grandiosidade interpretativa e poética de Dylan é, como em outros momentos de sua extensa carreira, reafirmado.

O magnetismo de Bob Dylan erradia. O músico, de fato, está minuciosamente ligado às últimas canções do setlist; depreende-se um cuidado de Dylan ao selecionar as músicas, rejeitando a ideia de apenas reunir seus maiores sucessos. Ele se preocupa em documentar o seu melhor. E consegue.  Numa edição da Revista Rolling Stone (1995) uma síntese do desempenho do músico é descrito: “Dylan gentilmente reafirma sua identidade como um cantor folk – “por muitas horas obscuras, eu estive pensando sobre isso”, disse. Baseando-se em uma rica tradição de música folclórica, que em um jogo irônico de espelhos veio a refletir de volta para ele a sua próprio imagem”, finaliza a reportagem.

 

Queensrÿche

A trajetória e evolução do Queensÿche nos anos 80 é notável; do começo simples (com ambição progressiva) ao mainstream foram lutas e mais lutas para se consolidarem como uma banda de metal. A sonoridade do Queensrÿche era incomum de tudo o que se ouvia no espaço geográfico ocupado pelo grupo. Eles optaram  por seguir suas próprias regras. Rage for Order (1986), ressoava uma musicalidade tão distinta e, ao mesmo tempo, futurística que já indicava uma clareza de identidade e real vontade de criar do jeito deles. Até as temáticas das letras fugiam do padrão (longas histórias – fora do comum – contadas nos álbuns). A clara influência setentista britânica ajudou a moldar a música do Queensrÿche.

Gravado em Abril de 1992, o especial foi o primeiro registro de uma banda de Heavy Metal no formato MTV Unplugged. A sessão foi registrada em Seattle, no momento de grande projeção para a banda, após o lançamento de Empire (1990), disco que levou o Queensrÿche a se apresentar para grandes audiências. O lançamento do álbum lhes proporcionou diversos prêmios, incluindo o de escolha da audiência, no MTV Music Video Awards (1991); além de ter sido indicada em outras categorias. O videoclipe de Silent Lucidity fora o responsável por tamanho destaque no meio. A canção alcançou posições de destaque nas principais paradas de sucesso; foi, inclusive, indicada ao Grammy. A turnê de divulgação de Empire foi extensa; a banda se apresentou pela primeira vez no país, no Rock In Rio II.

Na reunião, além da banda revitalizar canções célebres no estilo material acústico, preenchendo os espaços auditivos vazios com a voz excepcional do vocalista Geoff Tate  -que interpretou Silent Lucidity como se a mesma houvesse sido composta especialmente para o ocasião. Outro destaque é a faixa Scarborough Fair, canção do Simom & Garfunkel, que se engradeceu devido as habilidades vocais de Tate; caso contrário, não funcionaria tão bem. The Lady Wore Black, I Will Remember e The Killing Words foram algumas das canções selecionadas do catálogo do Queensrÿche para a apresentação.

 

 

Hole

O set do MTV Unplugged abriu suas portas para o Hole, numa apresentação forte e de potencial, mas que infelizmente não tem o devido reconhecimento; é eclipsada e apequenada por múltiplas e persistentes críticas que insistem em enraizar a ideia de ‘incapacidade’ e falta de qualidade artística do grupo… Tudo bem que Courtney Love não é o protótipo de excelência técnica, mas inúmeros outros músicos também não o são; entretanto, este fato parece não ter o mesmo peso para ‘eles’; este despropósito com os padrões é visto até com bons olhos e elevaram bandas à categoria de lendas… É tido como característica de gênero musical até… Bandas de Alternative Rock foram consagradas com estas particularidades. Mas há  força dos esteriótipos: o peso de ser mulher (e eterna esposa de Kurt) à frente de uma banda de rock, sem papas na língua, dependente química, agressiva e polêmica (características que ícones masculinos gozaram ao extremo) contribui para puni-la eternamente e desclassificá-la enquanto artista, guitarrista e compositora.

O ápice do Hole, com o lançamento de Live Through This (1994), rendeu à banda o convite para se apresentar no programa que anos antes consagrara o Nirvana como umas das melhores sessões já produzidas pela emissora… Então de certa forma todos os olhos se voltariam para o episódio do Hole; a pressão e expectativa não fora pouca, afinal de contas haveriam comparações; era inevitável. 

A banda divulgou seu, então, recente trabalho Live Through This. Canções como Miss World, Softer, Softest, Doll PartsAsking For It (na original Kurt participou dos vocais de apoio) foram executadas. As composições foram interpretadas daquela maneira característica da banda: ora raivosa, ora irônica ou simplesmente despida de pudor; mas sempre de uma forma que expressasse os sentimentos mais profundos (e íntimos) do seu ser; as letras de Love são sobre si. Duran Duran (Hungry Like The Wolf), Nirvana (You Know You’re Right e Old Age) e The Crystals (He Hit Me – And It Felt Like a Kiss) foram os covers escolhidos para a ocasião. O MTV Unplugedd Hole (1995), como todas as demais edições, possui suas particularidades, excessos e falhas, ao mesmo tempo que dispõem de sutilezas, não apenas técnicas, sonoras ou visuais mas também circunstanciais, de contexto que trazem a cada apresentação um caráter único. O acústico do Hole não seria exceção.  

 

Björk

A carreira da cantora, compositora e multi-instrumentista Björk é contemplativa. Uma artista ousada, original e de uma interpretação vocal singular; a islandesa é multifacetada: sua música mescla estilos musicais das mais diversas culturas sonoras (Jazz, rock, pop, eletrônico, folk, funk), além de captar ruídos, sons naturais e utilizá-los como inspiração ou base para canções sua; os arranjos são excêntricos, mas, casado com a interpretação de Björk, os elementos se encontram no mesmo passo e movem-se para a mesma direção. Esta fusão desvairada de elementos não tende ao caos sonoro, há coerência e equilíbrio das partes.

Björk tem um espírito inquieto, uma insaciável curiosidade musical e latente insatisfação. Não opta pelo seguro, pelo óbvio ou pelo o o que é comum. Talvez sua veia experimental seja despertada pelos atributos intrínsecos de sua natureza… A artista sempre se afasta do ponto inicial, trilhando a jornada experimental e esbarrando nos obstáculos melódicos (que, por sua vez, servirão como inspiração). O acústico da cantora não fugiu à regra. Até a cenografia é inusitada: uma espécie de rampa que divide o palco em partes; há um ponto central no palco, onde todas as laterais se unem; estas laterais, por sua vez, são ocupados pelos músicos da banda. São instrumentistas diversos que se dividem pelo palco; Bjork, ao longo da apresentação, se desloca pelos espaços destinados a cada grupo de instrumentos. 

Debut (1993), primeiro disco solo de Björk, foi a oportunidade que lhe surgiu para experimentar ideias, fugir da orquestração original das canções; então faixas como Human Behaviour, Crying, Big Time Sensuality, One Day, Aeroplane, Violently Happy, Anchor Song, Come to Me e Like Someone in Love foram adaptadas completamente; Björk se entrega a apresentação de um modo vital; um desempenho notável que com certeza agradou. O acústico da cantora é de uma riqueza ímpar: do inusitado cenário aos arranjos das canções – a quantidade de instrumentos nada convencionais é absurdamente extensa –  houve um cuidado minucioso por parte da artista e da produção do programa. “A sessão Unplugged chegou em um ótimo momento. Nós fizemos turnê por um ano e meio [do álbum Debut], testamos e testamos as músicas, e a banda estava em boa forma. E depois de todas as especulações sobre o que deveria ser acústico e o que era eletrônico  [no disco] era brilhante ter a oportunidade de percorrer todo o caminho em uma direção acústica, somente“, recorda Björk.

“Como o Unplugged foi gravado em um dia e lugar, não precisei trabalhar dentro dos aspectos práticos da turnê. Por enquanto, as coisas não precisavam ser móveis. Eu me senti como uma criança em uma loja de brinquedos. Eu poderia levar Olivier Lake [saxofonista] para fazer Anchor Song e Airplane comigo, Evelyn Glennie [percussionista escocesa] compareceu e tocou comigo, Corky Hale [arpista] veio de Los Angeles para tocar Like Someone in Love. Entramos em contato com um homem que aluga teclados estranhos e contratamos muitos deles, um órgão de pato que produz sons de guincho, um cravo e um pequeno órgão. Encontramos um homem que toca harpa de vidro [também chamada de óculos musicais, óculos cantantes, órgão angélico, verrilhão ou violino fantasma é um instrumento musical feito de taças de vinho eretas]. Era loucura, mas o que você pode fazer quando eles lhe dizem que não há limites?”, continua.

Este período foi puro luxo. Ao fazer a turnê “Debut” e “Unplugged”, aprendi a organizar instrumentos acústicos e eletrônicos. E para um velho punk como eu, era interessante experimentar o que é ser um líder de banda e responsável“, conclui.

7 comentários sobre “Desplugado: uma nota sobre o melhor dos acústicos – Parte 2

  1. Acústico é uma forma de bandas acomodadas e preguiçosas de amansar o som e não precisar mais se estressar pra tocar. Fora o $$$$$$$$$$$ retorno financeiro que isso promove. Os Titãs que o digam, que exploraram esse formato até esgotar completamente. Eu se fosse músico, eu jamais iria trocar minha guitarra distorcida por um banquinho e um violão e me vendendo ao sistema.

    1. Nossa cara, até disso você reclama? E de novo Titãs ad infinitum? Nem o Igor anda sendo tão repetitivo ultimamente.

      Eu ri demais com “me vendendo ao sistema”. Tipo, esse discurso foi superado há algumas décadas. Agora se o artista faz um acústico dando uma cara nova a suas próprias músicas, é “se vender ao sistema”… desde quando ganhar dinheiro honestamente é errado? E se dá dinheiro, é porque as pessoas compram e gostam do formato. Onde está o erro nisso aí?

      1. Ganhar dinheiro é ótimo eu sei! Agora fazer músicas demasiadamente comerciais para tocar na rádio para não sair do mainstream é muita picaretagem! E o formato acústico para algumas bandas acaba sendo prejudicial. Músicas que em formato elétrico são energéticas e agressivas acabam ganhando arranjos insossos e sem peso. Só isso que eu quis dizer. Relaxa meu amigo, não estou xingando ninguém!

      2. Nossa, André, que comentário desnecessário do “Anônimo”. Antes eu até via o acústico dessa forma, mas hoje não. É um novo formato que o artista pode dar às suas canções; em alguns casos é até um desafio. Pelo comentário dele dá a entender que a música tem que ter barulho para se fazer valer.

  2. Dos aqui citados dessa feita, os que mais gosto são os do Page & Plant e do Alice in Chains.

    Esse encontro de Page & Plant, na época, era surreal. Todo o mundo da música parou para ver e ouvir esse episódio. Quando o vinil foi lançado, era comprado a preço de barganha (50 centavos foi o que paguei no meu). Hoje, vale uma fortuna. E a qualidade das novas versões é inquestionável.

    O acústico do AIC é sensacional e arrepiante. Interpretações doloridas e matadoras, para quebrar com o sentido comum de qualquer um.

    Engraçado que o Micael fez um Discos Que Parece Que Só Eu Gosto com este acústico, mas acho que ele estava enganado

    https://www.consultoriadorock.com/2011/01/15/discos-que-parece-que-so-eu-gosto-alice/

    Não consigo gostar do acústico do Bob Dylan e do Neil Young. Falta algo ali.

    Sobre os demais, me interessei em ouvir o da Bjork. Deve ser uma baita viagem.

    Outro belo texto sobre os acústicos, feito aqui no site, pode ser encontrado neste link, que é um Cinco Discos Para Conhecer (dos cinco citados pelo colega de Van do Halen, só o do Titãs não apareceu).

    https://www.consultoriadorock.com/2012/03/02/cinco-discos-para-conhecer-mtv/

    E senti falta do acústico do Rei Roberto Carlos, um dos últimos que a MTV nacional produziu, e muito bom por sinal.

    parabéns Marcella

  3. Realmente o acústico do Alice in Chains é arrepiante. Layne Staley já bem debilitado porém dando o sangue em sua performance. Ótima matéria.

  4. Eu fico imaginando o Slayer tentando fazer um acústico, seria algo hilário. Só assim para uma rádio de fm da vida tocar alguma música deles em horário comum. hahahaha Estou brincando, seria meramente impossível a turma de Kerry King e cia se prestarem a uma palhaçada dessas. Mas por outro lado seria hilário e ao mesmo tempo interessante ver uma música do naipe de Angel of Death com violões.

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