Discografias Comentadas: Mahavishnu Orchestra

Discografias Comentadas: Mahavishnu Orchestra

Por Ronaldo Rodrigues

A Mahavishnu Orchestra foi uma das principais bandas do estilo jazz-rock/fusion, abrindo espaço para que músicos virtuosos egressos do jazz pudessem dialogar na linguagem do rock e do funk, com uso extensivo de guitarra elétrica, teclados eletrônicos e de instrumentos e padrões de composição menos convencionais. Em suas diversas formações, sempre capitaneada pelo guitarrista/violonista inglês Jonh McLaughin, agregou músicos de diversas nacionalidades, pautada fortemente pela intensa exibição instrumental de músicos que já eram ou se tornariam ícones em seus respectivos instrumentos. A primeira formação é a mais lembrada – o panamenho Billy Cobham (bateria), o norte-americano Jerry Goodman (violino), o irlandês Rick Laird (baixo) e o tcheco Jan Hammer (teclados). John McLaughin fazia questão de estampar seu nome nas capas dos discos do grupo, de modo a se fazer notar como a mente por trás do conceito. A seguir, um passeio pelo legado musical dessa fantástica maquinaria de notas musicais.


The Inner Mounting Flame [1971]

A estreia da Mahavishnu Orchestra é algo nada menos que impactante. Reproduzo aqui o que escrevi comentando minha lista particular de melhores discos de todos os tempos (veja na íntegra aqui). “Em uma visão bastante particular de minha parte, aponto que este disco equivale para o fusion/jazz rock o mesmo que a estreia do Led Zeppelin e do Black Sabbath equivaleram para o rock pesado. Não significa que ele tenha inventado o estilo, mas foi a síntese mais bem acabada de todas as experiências anteriores dos cruzamentos do jazz elétrico com o rock, naquilo que se costuma chamar de divisor de águas. Uma bateria descomunalmente pesada e frenética de Billy Cobham, a guitarra e os teclados em destaque e intervenções de violino deram ao estilo nascente todas suas características mais apreciadas – virtuosismo, intensidade, um certo toque exótico e um instrumental de primeira grandeza.”

1. Meeting of the Spirits
2. Dawn
3. The Noonward Race
4. A Lotus on Irish Streams
5. Vital Transformation
6. The Dance of Maya
7. You Know You Know
8. Awakening


Birds of Fire [1973]

Apesar da pose e do visual zen, a atitude de John McLaughin na liderança do grupo não era das mais serenas e em pouco tempo o ambiente interno foi se deteriorando entre os membros da Mahavishnu Orchestra. O disco foi gravado em agosto de 1972, mas só chegou as lojas em janeiro do ano seguinte, no meio de um turbilhão de apresentações que a banda realizava na época. Birds of Fire, apesar de ser um grande disco, em alguns momentos soa como se necessitasse de um pouco mais de maturação. Também dispensa um pouco da aura misteriosa do disco anterior e soa um pouco mais descontraído, como nas ótimas “Miles Beyond” e “Celestial Terrestrial Commuters“. A faixa de abertura, que batiza o disco, faz a ponte com The Inner Mounting Flamme em toda sua grandiosidade; “Sapphire Bullets of Pure Love” é uma dispensável vinheta; “Thousand Island Park” é o momento acústico do disco, no qual o virtuosismo dos instrumentistas não deixa de merecer reverências; “Hope” e “Resolution” são duas músicas curtas que poderiam ter sido melhor aproveitadas e “Open Country Joe” soa ao mesmo tempo acessível e confusa, ao aparentemente misturar duas músicas distintas em uma só. “Sanctuary” é soturna e “One Word” tem um ótimo solo de baixo do discreto Rick Laird, com batidas à blaxploitation. Os grandes destaques do disco são o baterista Billy Cobham e o violinista Jerry Goodman, que simplesmente destroçam ouvidos com suas performances.

1. Birds of Fire
2. Miles Beyond (Miles Davis)
3. Celestial Terrestrial Commuters
4. Sapphire Bullets of Pure Love
5. Thousand Island Park
5. Hope
6. One Word
7. Sanctuary
8. Open Country Joy
9. Resolution


Between Nothingness and Eternity [1973]

O terceiro lançamento da Mahavishnu Orchestra surge como um disco ao vivo, gravado a partir de um concerto realizado no Central Park, de Nova York, em agosto de 1973. Os membros da banda já nem se falavam direito, mas o material todo apresentado é inédito e estava sendo trabalhado em estúdio (material que viria a ser lançado décadas depois como The Lost Trident Sessions). Toda a celeuma partia do fato de apenas McLaughin figurar como compositor, o que na visão dos outros músicos não correspondia com a realidade (analisando o material dos três discos é bem difícil acreditar que tudo tenha saído apenas da cabeça do guitarrista). No meio de tantos desentendimentos, é surpreendente quanta qualidade musical há aqui. A faixa de abertura, “Trilogy“, uma suíte dividida em 3 partes, é o ápice da Mahavishnu Orchestra em termos de composição, com partes bem amarradas entre si, um incrível duelo entre os teclados de Jan Hammer e a guitarra de John McLaughin, e uma quase inimaginável seção rítmica conduzindo toda a suíte. “Sister Andrea” é uma rica composição de Jan Hammer, repleta de swing e alternada entre paisagens ensolaradas e sombrias. Between Nothingness and Eternity se encerra com 21 alucinantes minutos da faixa “Dream”, repleta de variações em intensidade e dinâmica sonora (há inclusive inserções incidentais de “Sunshine of Your Love” do Cream na base da guitarra para o violento solo do violino). Uma despedida formidável para um dos grandes combos do fusion/jazz-rock.

1. Trilogy
a. The Sunlit Path
b. La Mère de la Mer
c. Tomorrow’s Story Not the Same
2. Sister Andrea
3. Dream


Apocalypse [1974]

Depois da dissolução da primeira encarnação da banda, John McLaughin resolveu dar uma virada de página em sua orquestra colocando uma orquestra, de fato e título (a London Symphony Orchestra), em seu mais novo trabalho. Os primeiros acordes de Apocalypse são uma linda inserção de piano na qual lentamente trompas, oboés, fagotes, violoncelos e violinos vão tecendo a trama que embala a bela abertura “Power of Love”. Em seguida, um ar misterioso abre alas para a feroz bateria de Michael Walden e a severa introdução de “Vision is a Naked Sword“. Apenas pela metade da canção (são longos 14 minutos) é que a guitarra de John McLaughin se faz ouvir e traz aquela boa associação ao passado do grupo que, naquela ocasião, mesmo com uma formação totalmente repaginada, tinha uma assinatura própria. Outra novidade é a inclusão de vocais, como na terceira faixa, a melosa “Smile of the Beyond”. No violino, assume o já famoso francês Jean Luc-Ponty, que era a primeira opção de McLaughin quando procurava membros para a primeira formação da Mahavishnu Orchestra. A fusão da orquestra com banda perde impacto ao longo do álbum e acaba tornando o resultado enfadonho, especialmente quando as músicas soam antagonicamente entre as seções orquestrais e as seções com a banda. “Hymm to Him” é inspirada na “Firebird Suite”, de Igor Stravinski, e mostra John McLaughin um pouco deslocado em suas intervenções de guitarra, tocando de forma automática em alguns momentos. Apocalypse tem bons momentos, mas escorrega na pompa.

1. Power of Love
2. Vision Is a Naked Sword
3. Smile of the Beyond
4. Wings of Karma
5. Hymn to Him


Visions on the Emerald Beyond [1975]

O núcleo de Apocalypse foi mantido para o próximo lançamento da Mahavishnu Orchestra e, sem as pretensões eruditas, tudo se encaixou com muito mais naturalidade. Ainda que a banda tenha novamente investido em músicas com vocais em coro aqui elas funcionam com mais eficácia. Michael Walden é um show à parte em Visions on the Emerald Beyond, assim como Jean Luc-Ponty, ambos em performances irretocáveis. Musicalmente, as composicões se aproximavam dos grooves fortes e impactantes de influências jazz-funk, na esteira do que Jeff Beck vinha experimentando com muito sucesso em Blow by Blow (Michael Walden apareceria como convidado de Beck em Wired, do ano seguinte). Outro ponto positivo deste disco é explorar o violino com um som menos processado (Jerry Goodman abusava de efeitos e pedais acoplados ao instrumento) e em maior destaque, a utilização de piano acústico e de órgão Hammond (instrumentos que Jan Hammer praticamente não utilizava quando estava na banda). Junto de The Inner Mounting Flamme, este disco contém os mais explosivos solos de guitarra de John McLaughin. O lado A é incrivelmente intenso, sendo encerrado pelas preciosidades semi-acústicas de “Pastoral” e “Faith“, duas das melhores faixas de toda a carreira da banda. Já o lado B é marcado pelo swing venenoso de faixas como “Cosmic Strut” e “Be Happy“, entremeado pela belíssima balada “Earth Ship” (com curtos vocais do baixista Ralphe Armstrong e ótima presença da flauta) e pelo virtuosimo do encerramento “On the Way Home to Earth”, um arrombo instrumental.

1. Eternity’s Breath Part 1
2. Eternity’s Breath Part 2
3. Lila’s Dance
4. Can’t Stand Your Funk
5. Pastoral
6. Faith
7. Cosmic Strut
8. If I Could See
9. Be Happy
10. Earth Ship
11. Pegasus
12. Opus
13. On the Way Home to Earth


Inner Worlds [1976]

Com a saída de Jean Luc-Ponty (que buscava dedicação integral à retomada de sua carreira solo) e da tecladista/vocalista Gayle Moran (substítuida por Stu Goldberg), a Mahavishnu Orchestra continuava buscando novos sons e mantendo a tônica no jazz-funk e em uma linguagem um pouco mais pop e acessível. A abertura com “All in the Family” emula Santana (com quem John McLaughin já havia trabalhado em 1972 no album Love Devotion Surrender) e muito da fórmula sonora de Jeff Beck naqueles anos encontra-se em faixas como “Miles Out“, “Gita”, “The Way to the Pilgrim”e “Planetary Citizen”. O instrumental é forte no conjunto, sem grandes exibições de solos como nos discos anteriores, favorecendo os vocais. Também não há a presença do violino, o que até então era uma marca da Mahavishnu Orchestra. “Lotus Feet” é a jóia acústica do disco (com violões e cítara); seu único ponto é negativo é a emulação de flauta panorâmica feita pelos sintetizadores de Stu Goldberg. A faixa título, Inner Worlds, encerra o álbum e é a faixa mais associável ao conjunto da obra da Mahavishnu Orchestra e todos seus incríveis maneirismos.

1. All in the Family
2. Miles Out
3. In My Life
4. Gita
5. Morning Calls
6. The Way of the Pilgrim
7. River of My Heart
8. Planetary Citizen
9. Lotus Feet
10. Inner Worlds Part 1 & 2


Mahavishnu [1984]

É decepcionante saber que músicos do calibre de John McLaughin e Billy Cobham (de volta ao grupo) gravaram um disco tão ruim quanto Mahavishnu, de 1984, que desabona o nome do grupo e dos envolvidos. Retomar a banda para produzir algo dessa qualidade é digno das mais pesadas críticas. McLaughin caiu de cabeça em guitarras sintetizadas e no synclavier e aliado a composições pouco inspiradas, produziu uma tentativa rídicula de acompanhar as tendências do mercado fonográfico. Os timbres de teclado são irritantes (tentam emular naipes de metais e há uso constante de modulações de afinação); a opção pelo sax soprano faz Bill Evans (não confundir com o lendário pianista homônimo) soar como Kenny G nestas canções e a bateria de Billy Cobham (tanto sua sonoridade quanto o encaixe dela nas músicas) está descaracterizada. O baixo dispensa maiores comentários – mal aparece na mixagem e é exageradamente tocado em slap bass. Algumas músicas, se tocadas com as formações e a sonoridade dos discos anteriores, até funcionariam razoavelmente (é o caso de “Nostalgia”, “Jazz” e “When the Blue Turns Gold”). Em resumo, um desastre completo.

1. Radio-Activity
2. Nostalgia
3. Nightriders
4. East Side West Side
5. Clarendon Hills
6. Jazz
7. The Unbeliever
8. Pacific Express
9. When Blue Turns Gold


Adventures in Radioland [1986]

Se era difícil imaginar algo pior do que Mahavishnu, John McLaughin picha novamente o nome de sua lendária banda em Adventures in Radioland. O mal gosto começa na capa e só termina após os tediosos 41 minutos de sua duração. O arsenal de timbres estranhos de teclado está ainda mais presente nas músicas, a bateria aparece ainda mais alta que dantes (bem ao sabor dos anos 1980) e soa ainda mais irritante. Uma das poucas vantagens é que John McLaughin felizmente utiliza um timbre de guitarra mais tradicional e as composições são ligeiramente mais apreciáveis. Também Bill Evans aplica uma sonoridade mais interessante. Contudo, bateria e baixo tratam de sabotar qualquer tentativa de boa música que este disco traga ao ouvinte. Parece que a qualquer momento do disco poderia entrar Arnaldo Antunes declamando suas letras concretas por cima daquelas bases eletrônicas artificiais das músicas dos Titãs. Há uma homenagem ao Brasil na faixa “Florianópolis”, que é bastante razoável enquanto composição, mas péssima enquanto sonoridade. Adventures in Radioland é constrangedor.

1. The Wait
2. Just Ideas
3. Jozy
4. Half Man – Half Cookie
5. Florianapolis
6. Gotta Dance
7. The Wall Will Fall
8. Reincarnation
9. Mitch Match
10. 20th Century Ltd


The Lost Trident Sessions [1999]

Apenas em 1999 surgiu o registro das gravações do material que a MK 1 da Mahavishnu estava desenvolvendo após Birds of Fire. Gravado no estúdio Trident, em Londres, o material é relativamente cru e é apresentado da forma como foi deixado de lado por aquela formação. Mesmo assim, o conteúdo apresentado é soberbo; é interessante ouvir como as faixas apresentadas em Between Nothingness and Eternity estavam soando em estúdio.  “Dream” apresenta Jan Hammer com grande destaque no piano elétrico e a guitarra de John McLaughin soando mais pesada do que nunca. “Trilogy” tem belas linhas de baixo de Rick Laird; “I Wonder” é uma climática composição do violinista Jerry Goodman, com um melódico solo de guitarra e “Stepping Stones” traz marcações fortes de baixo, na intricada composição de Rick Laird. Há também uma composição sem título de John McLaughin que soa como um jam, algo que não estava no mesmo nível de desenvolvimento das outras composições. Se concluído, a Mahavishnu Orchestra emplacaria este disco como sendo mais um trabalho de referência no terreno do fusion/jazz-rock.

1. Dream
2. Trilogy
3. Sister Andrea
4. I Wonder
5. Steppings Tones
6. John’s Song #2

 

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15 comentários sobre “Discografias Comentadas: Mahavishnu Orchestra

  1. Uma das melhores bandas que já ouvi, com duas formações fantásticas, e que acredito, em termos individuais, só o Yes fase CTTE supere. Pena que os últimos discos não façam jus ao que foram os primeiros. Ficou legal apresentar o track list de cada disco Ronaldo, boa invenção, e parabéns pelo texto!!

    1. Ah não Mairon, de novo você vem me falar do CTTE? O pessoal da Consultoria incluindo você já sabe as razões pelas quais este álbum do Yes não pode ser mais aclamado hoje como o melhor dos caras. Inclusive perdi a conta de quantas vezes eu bati boca com você e com os outros em relação á este assunto. Eu, particularmente, quando o assunto é o Yes da fase com Bill Bruford, prefiro mais o FRAGILE do que o CTTE, já que pra mim, os fãs do Yes que pagam pau pelo CTTE são dos mais chatos e insuportáveis do mundo.

  2. “A primeira formação é a mais lembrada – o panamenho Billy Cobham (bateria), o norte-americano Jerry Goodman (violino), o irlandês Rick Laird (baixo) e o tcheco Jan Hammer (teclados).”

    Que se faça justiça, é a mais lembrada TAMBÉM por que tinha menos gente, hehehe

  3. Sobre “Dream” e “Hymn to Him”, lágrimas brotam aqui pelos textos que a UOL nos tirou … Escrevi sobre elas no Maravilhas do Mundo Prog, e aguardo nossa “rápida” justiça nacional pela recuperação do mesmo

    1. E sobre as outras Maravilhas Prog também, as edições anteriores dos Melhores de Todos os Tempos, dentre outras coisinhas mais…

    2. Por falar em “maravilhas do mundo prog” a sessão faz falta aqui. ainda hoje, tava ouvindo o Nursery cryme, e recorri a um texto seu sobre o álbum e a maravilha que abre o disco. muito bom.

      1. A maravilha prog que inicia Nursery Cryme se chama “The Musical Box” uma das músicas mais representativas do Genesis. Costumo falar que Nursery Cryme foi o disco da virada na carreira deste que é um dos meus grupos favoritos do prog, (do qual comecei a gostar graças á este site), por conta das entradas de Steve Hackett e do ainda desconhecido Phil Collins, muito antes de se tornar aquele medíocre astro pop dos anos 80 e o responsável pela mudança sonora do Genesis, depois da saída de Hackett e do meu membro favorito da banda – que é o Peter Gabriel. Mas espera um pouco: este post é da Mahavishnu Orchestra e nós estamos falando do Genesis!

  4. Obrigado pelos comentários, Mairão!
    concordo com tudo que vc falou e uma pena estes textos terem se perdido, me lembro que eram ótimos!

  5. E sobre a Mahavishnu Orchestra, é aquela coisa que eu comentei há quase três anos atrás: a banda é boa, mas pra mim não chega aos pés do Rick Wakeman, o tecladista do Yes, o mago das teclas, que por si só já é uma orquestra ambulante.

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