O Terno – Melhor do que Parece [2016]

O Terno – Melhor do que Parece [2016]

Por Micael Machado

O Brasil tem o seu novo Los Hermanos. E ele soa como Os Mutantes!

Melhor do que Parece, terceiro registro do grupo paulistano O Terno (primeiro com o baterista Gabriel Basile, que se juntou ao vocalista/guitarrista/tecladista Tim Bernardes e ao baixista Guilherme “Peixe” d’Almeida durante a turnê de divulgação do disco anterior) é o lançamento mais maduro do trio, e, possivelmente, o melhor. Se na estreia, com a álbum 66, de 2012, o conjunto se aproximava da jovem guarda em alguns momentos, e no autointitulado segundo registro (de 2014) a melancolia e a introspecção tomavam conta dos arranjos, desta vez é a Tropicália quem acaba guiando o rumo da maioria das canções, graças a arrojadas participações de instrumentos típicos de orquestras, como saxofones, violinos, flautas, trompetes e até harpas em boa parte das canções, aproximando as mesmas daquelas gravadas sob a produção do genial maestro Rogério Duprat, responsável direto pelo disco Tropicalia ou Panis et Circencis, de 1968, e por boa parte dos melhores momentos do início da discografia dos Mutantes.

É com este outro trio paulistano que podemos facilmente encontrar paralelos entre as músicas de Melhor do que Parece, vide, por exemplo, a abertura de “Não Espero Mais”, facilmente associável ao som de Rita Lee e dos irmãos Dias Baptista, ou o timbre de guitarra imediatamente associado ao do instrumento de Sérgio Dias, e que aparece com mais destaque em “Vamos Assumir” e no solo ao final de “Culpa” (primeiro single e vídeo do álbum, e, no mais, apenas uma simples canção pop que tenta soar engraçadinha, apesar da inteligente letra). A curta e melancólica “A Historia Mais Velha do Mundo” soa intencionalmente como algo gravado na década de 1920 (ou 1930), e, de certo modo, me remete à versão “mutante” para “Chão de Estrelas”, onde os Mutas davam uma nova cara para algo antigo, como O Terno parece fazer aqui e em “Nó”, onde a orquestração nos remete a um tempo que já ficou no passado, mas os teclados parecem saídos diretamente do disco Lóki? (1974), registro solo de Arnaldo Baptista, mas que conta com a participação da “cozinha” dos Mutantes, além da presença do já citado maestro Duprat.

O Terno: Guilherme “Peixe” d’Almeida, Tim Bernardes e Gabriel Basile

 

Mas é claro que O Terno não se baseou apenas em um grupo para compor seu novo registro (e, óbvio, este não é apenas uma “cópia” dos Mutantes). “O Orgulho e o Perdão”, por exemplo, é um sambão escancarado e escrachado, enquanto a calma “Minas Gerais”, talvez pelo título, ou pelos timbres utilizados, me remete ao Clube da Esquina, formado por alguns dos melhores músicos mineiros da década de 1960. O grupo também não abandonou suas “origens” musicais, pois “Deixa Fugir”, por exemplo, não faria feio no meio do track list do registro de estreia, enquanto “Depois Que a Dor Passar” e “Volta” trazem de volta muito da melancolia do álbum anterior.

Para mim, os melhores momentos se encontram em “Lua Cheia” (cuja primeira parte soa bem próximo ao que chamaríamos de “musica brega”, mas a segunda metade é pura psicodelia, levada pela guitarra alucinada de Tim, que mais uma vez remete ao timbre característico de Sérgio Dias) e na excepcional faixa título, cujo hipnótico e repetitivo final certamente ficará ecoando na sua mente por alguns dias. A reclamar, apenas o fato do trio não ter incluído no disco a inédita “Diretos”, que vem sendo executada exclusivamente nos muitos shows de divulgação do registro que o trio tem feito pelo país (com uma breve passagem pelo velho continente, onde se apresentaram em Portugal). Fica a esperança que a mesma apareça como bônus da prometida edição em vinil (amarelo!) a ser lançada pela revista Noize através do seu Noize Record Club, ou que seja lançada como single mais para frente (como já ocorreu em 2013 com a impactante “Tic-Tac”).

A prometida versão em vinil amarelo a ser lançada pela revista Noize

 

Por falar nos shows do Terno, é neles que se vê o quanto a popularidade do trio vem aumentando a cada lançamento. Tive a oportunidade de comparecer à apresentação de Porto Alegre, que aconteceu poucas semanas depois do lançamento do disco em 2016, no sempre recomendável Bar Opinião. Apesar do pouco tempo para se acostumar às novas canções, a grande quantidade de público presente ao local (o maior que o grupo já reuniu na capital gaúcha, em sua terceira passagem pela cidade) cantou praticamente todas as músicas novas do início ao fim, além de ir ao delírio nas poucas faixas antigas apresentadas naquela noite, em fenômeno que só vi ter paralelo nos cariocas do Los Hermanos, cujos lançamentos possuíam a mesma capacidade de cativar seus súditos pouquíssimo tempo depois de serem divulgados (como para ratificar esta “aproximação”, o trio andou fazendo alguns shows acompanhado por um trio de metais, parecido com aquele que acompanhou os cariocas durante toda a sua carreira). Certamente, se continuar neste ritmo e com esta qualidade, O Terno tem tudo para alcançar (ou talvez até mesmo superar) o patamar de popularidade que o grupo dos “barbudos” conseguiu, embora os detratores das duas bandas continuem sem entender como este tipo de música consegue cativar tanta gente diferente. A explicação simples, mas que eles não parecem compreender, está ligada à qualidade da mesma, a qual exige alguma disposição dos ouvintes e que os mesmos tenham ouvidos mais “abertos” a sonoridades diferentes, mas, nem por isto, bastante apreciáveis. Lhes dê uma chance, e é quase certo que você também será cativado por elas!

Tudo está melhor do que parece / Eu olho e vejo tudo errado / Faz tempo que está tudo certo

Contracapa de Melhor do que Parece

 

Track List:

01. Culpa
02. Nó
03. Não Espero Mais
04. Depois Que a Dor Passar
05. Lua Cheia
06. O Orgulho e o Perdão
07. Volta
08. Minas Gerais
09. Deixa Fugir
10. Vamos Assumir
11. A Historia Mais Velha do Mundo
12. Melhor do que Parece

6 comentários sobre “O Terno – Melhor do que Parece [2016]

  1. Gosto muito do disco de 2014! esse disco ouvi muito brevemente e desatentamente, não tendo sido ainda fisgado por ele. Foi bom seu texto ter me lembrado dessa “pendência” que tenho com a banda. Os vi ao vivo e são ótimos no palco, acho que estão alcançado posições no mercado brasileiro por mérito mesmo. Destaco também a capa desse disco, um design visual bem interessante.
    Abraço,

    1. Eu também demorei a ser “fisgado” pelo disco, embora algumas músicas me tenham pego desde a primeira audição. Como o conheci primeiro ao vivo, depois em estúdio, talvez minha percepção sobre ele tenha ficado alterada, sei lá…

  2. Eu achei o disco mais fraco deles até agora. Não sei, não me desceu, o primeiro disco, apesar de não ser nenhuma Brastemp, era divertido e tinha letras inteligentes, o segundo era, não sei, fraco, os discos foram ficando mais pretensiosos e eu não acho que o Tim Bernardes esteja nesse nível, ainda.

    1. Pretensiosos é uma boa definição para os discos. O que, para mim, não significa que seja coisa ruim! Valeu, Diego!

    2. Também não gostei do disco. E o hype em torno dele foi grande até demais. Não é tão o bom o quanto pode parecer.

  3. Ouvi o disco com calma, depois de algum tempo, e concordo com o Diego. Acho que a banda meio que “subiu o ego”, e fez um álbum muito ousado, mas sem ter cacife para tal. Não vejo tão forte assim as influências do Mutantes, apesar das mesmas existirem. Talvez, com o passar do tempo, Melhor do Que Parece ganhe um status de álbum Cult d’O Terno (tipo o III do Led), mas no momento, é o mais fraquinho dos 3.

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