“I’m A True Fairy!” – A Saga de Jobriath

“I’m A True Fairy!” – A Saga de Jobriath

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Por Marco Gaspari (matéria originalmente publicada na revista poeira Zine nº 23)

O ano era 1975. Como uma Greta Garbo machucada, mas ainda mantendo certo ar de dignidade blasé, Jobriath, o futuro do rock and roll, descrito dois anos antes por seu empresário nas páginas da Rolling Stones como aquele que “para ser apresentado da maneira como merece teriam que ser quebradas todas as regras”, anunciou sua saída do mundo artístico e retirou-se para sua pirâmide de vidro no teto do Hotel Chelsea, em Nova Iorque.

Começava assim a parte final de uma das mais tristes histórias do rock, culminada pela sua morte em julho de 1983, vitimado pela Aids.

Jobriath e um de seus figurinos estranhos usados no palco
Jobriath e um de seus figurinos estranhos usados no palco

Nascido Bruce Wayne Campbell em 1946, deu início à carreira de músico adotando o nome artístico de Jobriath Salisbury (imagino que Batman não iria gostar de ter um homônimo para sua identidade secreta) no grupo hippie de inclinações progressivas Pidgeon, cuja fantástica trajetória não passou de um único LP recheado de canções meiguinhas com arranjos bacaninhas.

Pois foi nesse cenário que ele foi “descoberto” por Jerry Brandt (o tal que precisava quebrar as regras para apresentá-lo), empresário de sucesso que na época cuidava de artistas do porte de uma Carly Simon. Jerry viu naquele mocinho frágil uma verdadeira mina de ouro, justamente quem estava procurando para criar o ídolo glam da América, em condições de rivalizar e desbancar os ingleses Bowie e Bolan.

Único LP do Pidgeon
Único LP do Pidgeon

Depois de passar um tempo no elenco original da peça Hair, Jobriath encontrava-se na Califórnia meio que no fundo do poço, sem comer ou ter onde dormir e já bastante dependente das drogas e do álcool. Parece que uma de suas formas preferidas de sobrevivência era prostituir o corpinho com marmanjos não muito delicados. E bem que tentou mandar algumas demos suas para a Columbia Records, mas foi tachado de maluco, desestruturado e destruidor de melodias.

A lábia de Jerry devia ser realmente poderosa, pois convenceu o selo Elektra a assinar com o rapaz por $500,000 e gastar outros quinhentos mil só em promoção. Alguns meses depois, o rebatizado Jobriath Boone aparecia em anúncios de página inteira nos principais jornais e revistas, além de virar pôster gigante em plena Times Square. Releases foram distribuídos a granel e a expectativa para aquela figura pálida que aparecia na capa de seu primeiro disco, Jobriath (1973), como uma estátua de cerâmica com as pernas quebradas, sobre um fundo vermelho carmesim, não poderia ser maior.

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Jobriath (acima) e sua versão capa dupla (abaixo)

Tinha tudo para dar certo, mas não deu.

Hoje, algumas décadas depois, as explicações são várias. Uma delas diz que houve um erro de timing, uma vez que o glam rock já estava em baixa em 73 Bowie, por exemplo, abandonou o barco em 74 e Bolan amargou séria decadência até sua morte em 77.

Outros metem o pau no disco (na Inglaterra foi apontado como “o fim do glam”), o que é uma grande injustiça. O LP lembra o trabalho de Bowie em Hunky Dory, e tem momentos de Elton John, com direito a participações de Peter Frampton e John Paul Jones. Pode não ser a oitava maravilha, pode ter sido pretensioso, mas é um digno representante do pop da época e merecia destino melhor.

Jobriath ao vivo
Jobriath ao vivo

 

A terceira explicação e, na minha humilde opinião, a mais correta, é que Jobriath não era o cantor andrógino típico. Ele era viado mesmo, assumido e escancarado, o primeiro artista genuinamente gay do rock, e isso bateu fundo no preconceito do americano machista. Uma coisa era comprar disco de cantor que se dizia bissexual, carregava no rimel e que trocava selinho em público com os Jaggers da vida. Outra era andar por aí carregando debaixo do braço o produto de um cara que dizia que dava, gostava de dar e queria dar para você.

 

Segundo álbum de Jobriath
Segundo álbum de Jobriath

Jobriath ainda lançou um segundo disco seis meses depois, Creatures of the Street, e fez algumas excursões até o final de 74. Começou mesmo a ter um público mais fiel, mas seu tempo havia passado e ele sucumbiu às críticas, inclusive as de seu empresário, o Dr. Frankenstein que o havia criado.

Foi redescoberto por Morrissey nos anos 90, que o apontou como ídolo e organizou uma excelente coletânea em CD. E foi devidamente homenageado no filme Velvet Goldmine, ao ter a capa de seu LP como fonte de inspiração para o disco de Brian Slade. Uma biografia está sendo prometida para breve e ele já é figura cult de algumas comunidades na internet.

Em algum lugar, não sei dizer se do céu ou do inferno, ele deve estar cantando “I’m a Man” envolto em algum daqueles seus figurinos estranhos, com um sorriso brejeiro nos lábios.

19 comentários sobre ““I’m A True Fairy!” – A Saga de Jobriath

  1. Já que falaram do Jobriath, fico no aguardo de matérias sobre outros expoentes do glam rock, como Slade, The Sweet, Suzi Quatro e T. Rex.

  2. Quando leio os textos do Gaspari e dou de cara com as personalidades que ele nos apresenta, caio na real de que sou um mero amador em rock’n’roll, apesar da idade provecta.

    1. Se me pedirem para criticar um disco objetivamente, não sai uma linha. Mas contar historinhas desses músicos esquecidos eu gosto muito.

  3. Com suspiros mistos de alegria e tristeza que leio esse texto LIMDO do Marco. Primeiro por conta da nostalgia, já que esse, junto com o da FTB, foram os textos que me mostraram o melhor escritor da Poeira Zine, com uma pesquisa afiada e que elucida ao leitor claramente o que quer passar. Segundo por causa das obras primas que Jobriath registrou em sua breve carreira. O cara era demais. As influências de David Bowie são fortes no som dele, mas a personalidade de Jobriath era diferente, muito mais introvertida (apesar das extravagâncias) e com sua pele quase albina, transformava-o em uma espécie de tristeza profunda confundida com todos os paetês do glam.

    Um músico a ser descoberto, excepcional e que morreu lastimavelmente de fora descabida para alguém com seu talento.

    Obrigado Marco, por abrilhantar nosso site com textos como esse

  4. Escutei agora a pouco um vídeo de uma apresentação dele da música “Rock of Ages”. Rock ‘n’ roll dos fodas. Mas creio que o fato dele se vestir e parecer muito com Bowie tenha prejudicado demais a carreira dele. Conheço pouco, mas percebi que talento e boas músicas tinha de sobra.

    1. Eis um dos grandes problemas do rock: muita gente boa, de grande talento, ficou pelo meio do caminho. Alguns por problemas de administração de carreira; outros, por serem almas conturbadas.

  5. Lembrando que o disco do Pidgeon é uma gema pra poucos. Exímio exemplo dos bons tempos do folk rock psicodélico.

    1. Pidgeon é sunshine pop até a medula. Não é para todo mundo, mas para quem gosta do gênero é um disco e tanto.

  6. Como sempre, excelente matéria! Esse primeiro disco do Jobriath é bem legal mesmo.

  7. Já tinha lido e relido esse texto. Das vezes que o li foi para acompanhar a audição do primeiro disco e posso dizer que tentei gostar, muito mais influenciado pelo texto em si do que pela música….

  8. Muito bons os textos do Marco Gaspari. Nunca tinha ouvido falar do cara, talvez por não ter muita afinidade com o glam, mas acho bastante interessante a abordagem de artistas obscuros.
    Legal também a variedade do site em relação as várias vertentes do rock, não se prendendo a estilos específicos.

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