Renaissance – Uma Sinfonia Progressiva (Parte I)

Renaissance – Uma Sinfonia Progressiva (Parte I)

Por José Leonardo Aronna

Este texto foi publicado originalmente num extinto fanzine de rock progressivo chamado Metamúsica, que existiu nos anos 90. Como eu acho que poucos conheciam o mesmo, resolvi colocar aqui. Fiz umas pequenas modificações no texto para ficar mais ao meu estilo. Boa leitura! Espero que gostem!

Vamos dar um profundo mergulho no universo musical do Renaissance. Um dos pontos mais importantes a serem refletidos nesta análise é a notória capacidade que o grupo teve de provocar uma convergência de certas posições antagônicas no cenário progressivo internacional. A primeira delas refere-se à necessidade de enquadrar o som do grupo em um sub-gênero. Apesar de diversas tentativas, parece que nunca se chegou a um consenso e a convivência entre os diferentes enquadramentos sempre foi pacífica.

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A segunda situação é bem curiosa. Trata-se da aceitação, por praticamente todos, de uma espécie de dualidade contraditória presente no som da banda. Ao mesmo tempo em que vemos nela toda a essência do verdadeiro e mais puro rock progressivo (que em seu preceito básico renega todas as fórmulas de construções harmônicas de fácil apelo popular), reconhecemos que no fundo, o Renaissance utiliza alguma delas. Isto explica, pelo menos em parte, o fato de se tratar de uma banda cujos discos podem estar tanto em posição de destaque numa loja especializada em rock progressivo, quanto na prateleira da loja da esquina.

Poucos consumidores de música pop sabem o que é rock progressivo, mas muitos conhecem o Renaissance. Da mesma forma, raríssimos são os colecionadores de rock progressivo que não possuem trabalhos dessa banda. Talvez possamos buscar as respostas para essa situação no momento histórico que deu o nome ao grupo: o Renascimento ou Renascença. O estudo desse período e seus simbolismos podem nos dar subsídios para entender as proposições básicas da música do Renaissance.

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Música no Renascimento

A Idade Média e o Renascimento

A época medieval sobreviveu até o século XI, quando a cultura, que estava restrita aos mosteiros começou a ultrapassar as muralhas das fortificações religiosas e lentamente retornou à população, através da formação de professores, criação de escolas e universidades e acesso aos livros, traduzidos do árabe para o latim. Era a renascença da cultura. Na música a evolução foi notória, com a chegada da polifonia, tanto na música religiosa quanto na secular. A valorização da cultura tornou-se moda e um dos resultados disto foi que a nobreza achou por bem mostrar o seu desenvolvimento para as parcelas menos esclarecidas. Isso proporcionou aos menos favorecidos, o acesso a um bem cultural que normalmente não teriam. Este fato foi especialmente forte na música, com a apresentação para a população de grupos eruditos que começavam a aparecer, financiados pela nobreza.

Isso se tornou mais forte na época barroca, mas seu início foi na renascença. A partir desses preceitos, já temos alguns pilares para sustentar a tese a respeito da “dualidade” da música do Renaisance: música erudita para o povo, unido sinfonias sofisticadas com tratamentos orquestrais às canções de apelo melódico e origem folclórica, facilmente assimilável. A história do Renaissance é construída por esta oferta de um caminho alternativo, para que todos tenham a oportunidade de usufruir uma música agradável ao mesmo tempo em que vivenciam uma experiência que busca um tipo de união entre os conceitos composicionais sofisticados provindos dos conservatórios e academias de música e o “som das ruas”, incluindo todos os elementos que se inserem em cada um.

Grandes compositores russos: Mussorgsky (centro)
Grandes compositores russos: Cui e Balakirev (acima), Mussorgsky (centro); Borodin e Korsakov (abaixo)

Vamos saltar cerca de 300 anos, do renascimento ao romantismo, e dar uma olhada nos compositores nacionalistas russos: Mussorgski, Balakirev, Borodin, Cui e Rimsky-Korsakov. Foram eles que retomaram o caminho delineado na renascença de valorizar a música popular em sua essência mais pura, o folclore, e a partir dele, realizar suas peças clássicas. Neles o Renaissance buscou as orquestrações cheias de colorido e as ricas harmonias, bem como a ideologia de evolução tendo como partida as antigas e tradicionais melodias do povo.

O Renaissance trafegou da música folk ibérica até a origem celta, enriquecendo ainda mais a sua proposta. Outros compositores russos influenciaram o grupo, principalmente àqueles que formaram a base da música épica e sinfônica do século 20, como Prokofiev e Rachmaninov.

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Arte renascentista

Primeiras conclusões:

Como resumo do que vimos até aqui temos os seguintes aspectos:

– Proposta completa de unir o clássico ao popular

– Construções sinfônicas influenciadas pelos compositores russos

– Aspectos românticos bem delineados

– Forte presença da música gaélica tradicional – folk celta

– Referência a outras músicas tradicionais, como a ibérica, a hindu e a árabe, bem como a apropriação de elementos jazzísticos.

A utilização das melodias da tradição folclórica foi a grande solução encontrada e representou a grande contribuição do Renaissance à história do Rock Progressivo: um folk rock sinfônico irresistível, quase uma unanimidade entre os apreciadores da beleza da música.

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Principal formação do Yardbirds: Keith Relf, Jim McCarthy, Jeff Beck, Chris Dreja e Jimmy Page

Biografia analítica – Do blues ao flower power

Tudo começou no final dos anos 50 e a origem foi o blues, que tinha desembarcado nos portos ingleses, sendo bem recebido como veículo porta-voz do proletariado industrial. Aliado ao folk irlandês as sementes da música negra frutificaram em cidades portuárias como Liverpool, que geraram os Beatles. Em Londres e condados, o blues continuava no comando através de Alexis Córner, Blues Incorporated, John Mayall, etc. Deste cenário emergiram muitos grupos, como o Metropolis Blues Quartet, criado em 1962 e formado por Keith Relf (vocals, harmônica), Jim McCarty (drums), Paul Samwell-Smith (bass), Chris Dreja (rhythm guitar) e Anthony Tophan (lead guitar). Com a saída de Topham e a entrada de Eric Clapton, o nome é mudado para Yardbirds, cujo estilo buscava fazer um som que estava na moda na época: um blues pesado, aproveitando-se da energia do emergente rock’n’roll.

Depois da saída de Clapton, pelo menos dois outros “monstros” passaram pela banda: Jeff Beck e Jimmy Page. Após alguns álbums de boa aceitação, os membros resolveram terminar o grupo, pois tinham outros planos. Ocorre que a chegada de outros bons grupos, como Hollies, Kinks, Manfred Mann, Traffic, etc., apagou um pouco o brilho do grupo, que não estava se sentindo à vontade ao trabalhar com temas mais pops, aos mesmo tempo que se sentia atraído pelo emergente psicodelismo. Dois ex-componentes teriam vital importância para nossa história: Keith Relf e Jim McCarty, que estavam interessados em estudar religião e fenômenos psíquicos o que os encaminhou para um novo rumo musical.

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Formação original: John Hawken e Jim McCarthy (acima); Keith Relf, Louis Cennamo e Jane Relf (abaixo)

Nasce a banda: a formação original

Depois de uma tentativa frustrada em 1968 com uma banda folk acústica chamada Together, eles resolveram formar o Renaissance em 1969, em Surrey, tendo como proposta a união de suas experiências folk com elementos eruditos e o rock de vanguarda que começava a fazer sucesso na Inglaterra. Possivelmente o mais importante nome catalisador desta idéia tenha sido o pianista John Hawken, de larga experiência erudita. Foi com ele que se iniciou a tradição de inserir nas músicas da banda, trechos de músicas eruditas de grandes compositores do passado, sem que fossem dados os devidos créditos. No primeiro disco, eles dão as pistas iniciais, creditando os “classical riffs” ao tecladista. Posteriormente chegou-se a usar algumas melodias clássicas como base da composição.

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Gatefold externo do ábum de estreia

Voltando aos primórdios do grupo, os componentes iniciais convidaram o baixista Louis Cennamo e para completar a formação, cientes de que a música pretendida se enriqueceria com a utilização simultânea de vocal masculino e feminino, convidam a irmã de Keith, a cantora Jane Relf, que com seu belo timbre viria a ser a primeira mulher a ter seu nome intimamente ligado à banda. Ainda em 1969 assinam um contrato com a gravadora Island e neste mesmo ano lançam o primeiro disco que teve como título o mesmo nome do grupo. Renaissance é um trabalho cujo destaque é o do piano de John Hawken.

As cinco músicas são um resumo da proposta de que o grupo desenvolveria nos anos seguintes, trafegando de sons étnicos/folk ao romantismo tradicional,passando pelo jazz e pelo barroco. Trata-se de um trabalho de grande impacto se considerarmos o ano em que foi realizado. Grandes músicos com uma grande proposta que passou quase despercebida na Inglaterra, em parte devida à imensa e fervilhante produção que acontecia na época.

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Gatefold interno do álbum de estreia

A verdade é que o mercado não estava pronto para reconhecer e absorver tanta coisa boa que estava acontecendo ao mesmo tempo. Entre o primeiro e o terceiro disco, a banda passa por um período muito confuso, que até hoje não conseguiu se esclarecer muito bem, como veremos na semana que vem.

9 comentários sobre “Renaissance – Uma Sinfonia Progressiva (Parte I)

  1. A primeira vez que ouvi Renaissance foi em 1984. Uma amiga me emprestou o disco “Ashes are burning” e aquele som me abriu as portas para o folk. O tempo passa e o grupo permanece como um dos meus favoritos. Suas músicas são como ilhas de descanso.

  2. Obrigado, pessoal! Mas ressalto que o texto não é meu e sim do fanzine mencionado acima. Apenas fiz uma leves adaptações e bolei o texto que diz respeito a fase da banda a partir dos anos 90.

    Agradeço tb ao Mairon pelas fotos complementares y outras cositas… Valeu, bro!

  3. Amigos Consultores,queria saber se depois dar para alguns de vocês fazer uma discografia comentada do ser que teve uma carreira meteórica,porém cada segundo de sua música vale mais do que o sempre de uma vasta eternidade infinita…Então por essa e outras razões,eu peço por favor que depois façam uma ‘discografia comentada’ de NICK DRAKE.

  4. Embora a matéria no jornal Metamúsica não seja assinada, tudo leva a crer que o texto era do editor e redator Marcos Cardozo de Oliveira. Muito legal o Zé Leo disponibilizá-lo para nós.

    1. Obrigado, Marco! O único exemplar do Metamúsica que caiu nas minhas mãos foi esse. Se não me engano, foi lá por 1997 ou 1998. Depois nunca mais vi exemplares desse jornal e nem sei quantos números foram lançados. Cheguei a escrever para obter maiores informações mas não tive resposta alguma. Só sei dizer que o material era muito bom!

  5. Comprei esta perola do rock progressivo, lançado la no final de 1969. Jim McCarthy e o saudoso Keith Relf (1943-1976), egressos da banda cult dos 1960 (The Yarbirds).Esta ultima voltaria depois com outro Line-up, estado apenas das 3 formaçôes classicas o batera Jim McCarthy. Keith Relf morreu de um modo incomum! Pra muitos pode soar até patetico! – marcio “osbourne” silva de almeida – jlle/sc

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