Maravilhas do Mundo Prog: Shakti – India [1977]

Maravilhas do Mundo Prog: Shakti – India [1977]

Por Mairon Machado

O guitarrista John McLaughlin é um dos grandes talentos que o mundo da música já providenciou. Virtuoso e versátil, o britânico começou a aparecer aos mortais através da banda do trompetista Miles Davis, ao gravar o essencial Bitches Brew (1970), o disco que revolucionou o jazz.Ao sair do grupo de Miles em 1971, depois de ter gravado ainda os álbuns In A Silent Way (1969), A Tribute to Jack Johnson (1971), On the Corner (1972), Big Fun (1974), McLaughlin já tinha começado uma interessante carreira solo, misturando free jazz com progressivo, e lançado dois também essenciais álbuns: Extrapolation (1969) e Devotion (1970) nos quais sua técnica expandiu horizontes até então inimagináveis, misturando velocidade, timbres diferentes e diversas peripécias que apenas McLaughlin consegue executar com perfeição.

A partir de My Goal’s Beyond (1971), McLaughlin adotou o nome Mahavishnu, e assim, virou o centro das atenções progressivas, primeiro ao gravar A Love Supreme com o guitarrista Carlos Santana (1973), um grandioso álbum no qual o tempero da banda de Santana casou perfeitamente com o virtuosismo de McLaughlin. E ao mesmo tempo, ao formar a Mahavishnu Orchestra, uma mega-banda contando com nomes como Jean Luc-Ponty (violino), Jan Hammer (teclados), Billy Cobham (bateria), entre outros.

A Mahavishnu Orchestra foi uma nebulosa de Maravilhas Prog. Em seus sete álbuns de estúdio, lançados entre 1971 e 1977, passeamos por improvisos, construções intrincadas e demais características que representam o progressivo com uma perfeição digna de Narciso, e uma exigência raríssima (e cansativa) para os músicos acompanhantes de McLaughlin, tanto que nem o próprio McLaughlin aguentou a pressão, e em um momento “férias”, resolveu entrar na maior viagem de sua vida, o projeto  Shakti.

Vinayakram, Shankar, McLaughlin e Hussain

Tudo começou em 1974, quando McLaughlin encontrou um velho amigo indiano, Lakshminarayanan Shankar, também conhecido como L. Shankar, o qual já tinha feito seu nome tocando com Ornette Coleman e Jimmy Garrison durante o final da década de 60. Em um concerto de Shankar, McLaughlin ficou extasiado com a sonoridade que vinha da percussão que acompanhava o violinista, a qual era formada somente por instrumentos indianos.

A partir de então, alguns contatos foram feitos e, com poucos ensaios, Shankar e McLaughlin se uniram, formando a Shakti. Basicamente na Shakti, McLaughlin teria a oportunidade de fazer aquilo que não conseguia na Mahavishnu: tocar sem compromisso, sem seguir regras, apenas seguindo o sentimento e a própria vontade. Os demais integrantes da Shakti eram Zakir Hussain (tabla), Thetakudi Harihara Vinayakram (ghatam) e Ramnad Raghavan (mridangam), todos naturais da Índia.

O estranho violão de McLaughlin, somente para aShakti

A excentricidade do grupo não parava somente nos instrumentos indianos. O próprio McLaughlin encomendou com o luthier da Gibson, Abraham Wechter, um violão especial, que trazia sete cordas adicionais perpendiculares às seis cordas tradicionais do violão normal, as quais criavam um som parecido com o de uma cítara.

O grupo começou a fazer shows, sendo o realizado no Colégio South Hampton, em Nova Iorque, o primeiro álbum lançado pelo grupo. Batizado de Shakti with John McLaughlin (1975), é um disco adorável, trazendo a mistura dos elementos indianos com a virtuose britânica nas canções “Joy”, com um belo trabalho de Hussain, “Lotus Feet”, que viria aparecer depois na turnê de McLaughlin com Paco De Lucia e Larry Coriell, e a incrível “What Need Have I for This – What Need Have I for That – I Am Dancing at the Feet of My Lord – All is Bliss – All is Bliss”, que, conforme seu nome, possui mais de 28 minutos de muita improvisação e sentimento. Durante toda a faixa fica claro que os músicos estão em êxtase em cima do palco, no auge da inspiração e harmonia. Os duelos de ghatam e tabla sobressaem em várias etapas. O clima indiano e a levada diabólica da música com certeza irão fazer você viajar pra outro mundo, mesmo estando no seu quarto.

Isso era o principal da Shakti, a viagem sem fim. Mesmo contando com um guitarrista de renome, não era ele o destaque da banda, aliás o grupo não tinha um destaque. Todos se encaixavam de forma a harmonizar cada segundo da canção, tornando assim a música uma peça não só para ser ouvida, mas também absorvida pelo ouvinte.

John McLaughlin

Em 1976, veio o segundo álbum, o também fabuloso A Handful of Beauty. Com vocalizações e muito mais improvisos, este é um álbum perfeito, desde “La Danse Du Bonheur”, na qual as vocalizações imitam as batidas de uma tabla, a suave “Lady L.”, e um belíssimo solo de L. Shankar, canção essa comparável aquela de “Kashmir” no álbum UnLeded (1994), lançado por Jimmy Page e Robert Plant, a rápida “Kriti”, onde temos várias sequências em que o violão faz duelos com o violino e com a tabla, “Isis” e seus quinze minutos de uma sequência arrebatadora de solos de Shankar e McLaughlin, sempre intercalados por um riff principal onde ambos fazem algo típico do oriente, e “Two Sisters”, um lamento super lento apenas com John no acompanhamento e L. Shankar executando um solo triste, porém marcante, que deixa um gosto de quero mais para o ouvinte.

Mas nada compara-se a Maravilha Prog que conclui o lado A do LP. Batizada de “India”, ela começa com um triste solo no violão de McLaughlin, lento, com notas gemidas e intervenções de um mesmo acorde que repete-se por diversas vezes. Uma série de vibratos e desafinações no instrumento levam para os harmônicos, e assim, um dedilhado leve é executado, apresentando o violino de Shankar.
Shankar e McLaughlin fazem um breve tema, e a percussão invade as caixas de som, muito suave, acompanhando o dedilhado do violão. Shankar e McLaughlin executam dois temas breves, e com a percussão mais animada, e o dedilhado sereno de McLaughlin, Shankar faz um breve solo.
A percussão então enlouquece, e McLaughlin solta os dedos em um solo muito veloz, característico de seu estilo de tocar, duelando com as batidas no ghatam e no mridangam. Palheteando com força as cordas do violão, subindo e descendo escalas com uma velocidade incrível, McLaughlin dá uma aula de virtuosismo para muitos guitarristas metidos a virtuoses, e nessa aula, começa um belo duelo entre violino/violão contra as batidas da tabla, sempre com velocidades muito altas.
L. Shankar

O ritmo então adquire um embalo gostoso, e é nele que Shankar executa seu solo, rasgando as cordas do violino sem ser tão veloz, mas com escalas apropriadamente escolhidas para encantar o ouvinte. Uma sequência de arpejos é o ponto central do solo, encerrado com a repetição do duelo violino/violão contra a tabla, retornando para o ritmo inicial, com o dedilhado do violão acompanhando o solo de encerramento do violino, concluindo a canção com a sessão percussiva fazendo um estardalhaço no recinto.O Shakti ainda lançou Natural Elements em 1977, e depois, John resolveu voltar para a carreira solo após esse álbum, lançando o magistral Electric Guitarist em 1978, misturando com exatidão free jazz e rock (algo parecido com o que Jeff Beck fez em Blow By Blow e Wired). Depois disso, alternou bons e maus momentos em sua carreira solo, reviveu a Mahavishnu Orchestra nos anos oitenta e fez sucesso com o trio de violões  ao lado de Al Di Meola e Paco De Lucia. Os demais integrantes da Shakti seguiram suas carreiras independentemente, com Vynaiakram sendo o primeiro músico indiano a ganhar um Grammy (isso já na década de 90).

Shakti em 1977

Em 1997, John, Hussain e Vinayakaram, juntos com o músico convidado Hariprasad Chaurasia nas flautas, se reuniram para uma pequena turnê chamada “Remember Shakti”, a qual ficou registrada em CD duplo com o mesmo nome. Infelizmente L. Shankar não pôde comparecer aos shows, mas certamente o clima entre os músicos remanescentes era excelente, e o destaque maior do disco fica por conta da faixa “Mukti”, com seus mais de 63 minutos (!!!) de muito improviso. Essa formação ainda lançou os álbuns The Believer (1999) e Saturday Night in Bombay (2001), mas infelizmente acabaram por se separar.

De qualquer forma, a Shakti deixou seu nome registrado na história musical, não somente por ser a primeira banda a misturar sons ocidentais e orientais de uma forma totalmente improvisional, mas também por suas belíssimas composições e arranjos que ficam na cabeça por muito tempo, e ainda, uma Maravilhosa peça progressiva chamada “India”, que encerra o Maravilhas do Mundo Prog de 2012. Voltaremos em 2013 com um formato especial aos cinco grandes nomes do prog britânico (Yes, Genesis, King Crimson, Pink Floyd e Emerson Lake & Palmer).

2 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Shakti – India [1977]

  1. Tenho todos os discos da fase Shakti e, embora tenha dúvida sobre o qualificativo prog, o que é uma bobagem, são mesmo maravilhosos, fazendo jus ao nome da coluna.

    Eudes Baima

  2. Que bacana encontrar um comentário dum sujeito que era eu há anos atrás.
    Não lembrava deste texto maravilhoso do Mairon (ok, ok, o ciumento do Gaspari vai dizer que eu namoro o Mairon). Mas tirando o soberbo texto do Mairon, fundamental saber porque o Shankar reduziu o primeiro nome para “L”. Lakshminarayanan ninguém merece.

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