Discografias Comentadas: Sepultura – Parte II

Discografias Comentadas: Sepultura – Parte II

Por Micael Machado

Após a “Era Max” terminar com a saída do vocalista e guitarrista, o Sepultura tentou continuar como um trio, com Andreas Kisser assumindo os vocais. Mas acabou encontrando no americano Derrick Green (que havia passado por algumas bandas de hardcore de pouca relevância antes de juntar-se aos mineiros) o frontman ideal para continuar sua trajetória. Começava assim a “Era Derrick” na maior banda de heavy metal do Brasil!


Against [1998]

A estreia de Derrick Green pode ser considerada uma continuação de Roots, o último disco com Max Cavalera, com o grupo mantendo o uso de muitas percussões nas músicas e o estilo de vozes do novo cantor não tão diferente do vocalista anterior.

O álbum começa muito bem com a porradaria da curta faixa título, seguida de “Choke“, até hoje presente nos shows, mas depois tem uma queda de qualidade. Algo que nunca entendi foi a banda ter gravado uma versão para “F.O.E.”, há anos usada como tema do programa “Globo Repórter”, e que pouco acrescenta ao track list, assim como as instrumentais “Kamaitachi”, gravada ao lado do grupo de percussão japonês Kodo, “Tribus”, que até saiu em single, e “T3rcermillennium”, com seu clima de jam acústica.

A hardcore “Reza“, com a participação de João Gordo, do Ratos de Porão, as agressivas “Boycott” e “Drowned Out”, as variações de climas de “Unconscious” e a veloz “Hatred Aside“, com participação de Jason Newsted (na época ainda integrante do Metallica), também se destacam em um álbum bastante irregular. A versão nacional contou com os bônus “Gene Machine/Don’t Bother Me” (cover do Bad Brains) e “Prenúncio”, gravada ao vivo com os vocais declamados pelo lendário Zé do Caixão, que inclusive havia sido citado na letra de “Ratamahatta”. Against representou uma queda de qualidade e de vendas na carreira da banda, mas manteve o nome do Sepultura vivo e importante na cena metálica mundial após a conturbada troca de vocalistas.


Nation [2001]

O segundo álbum com Derrick nos vocais introduziu o conceito de uma nação formada pelos fãs do Sepultura, a “Sepulnation” da faixa de abertura, que foi apresentada aos fãs ainda antes do lançamento oficial do disco, quando da participação do grupo no Rock in Rio III.

As letras retratam o que seria o cotidiano desta nação, com seus lados bons e ruins. Musicalmente, os experimentalismos parecem ter evoluído (“Water”, por exemplo, foi gravada com quatro baixos e sem guitarras), e as partes com percussão ganharam ainda mais força (como, por exemplo, em “Uma Cura”, com letra em inglês apesar do título), bem como não se pode reclamar do peso das composições.

Até mesmo vocais limpos foram usados em várias partes, como em “The Ways of Faith”, para surpresa de alguns fãs. As faixas são de difícil assimilação em uma primeira ouvida, devido a suas muitas variações, e os destaques vão para a já citada abertura, o hardcore de “Revolt” e “Human Cause” (com a participação de Jamey Jasta, do Hatebreed), “Saga” (onde os vários climas se encaixam muito bem) e a instrumental “Valtio“, o hino da fictícia nação, que foi composto e executado pelo Apocalyptica.

Como destaques negativos, além da grande variação da maioria das composições (que as tornam meio sem pé nem cabeça), cito os solos de Andreas, que aparecem em número bastante reduzido, e em grande parte mais compostos de barulhos que de melodia ou recursos técnicos, sendo que “Vox Populi” tem um riff principal que beira o ridículo, e “Tribe to a Nation” (com a participação de Dr. Israel – de quem nunca ouvi falar antes) tem até toques de reggae (!), o que a aproxima mais do Soulfly que do Sepultura. Além disso, nem a participação de Jello Biafra, ex-vocalista do Dead Kennedys, consegue salvar a chatinha “Politricks”, com seus vocais discursados e muita lentidão.

A edição brasileira trouxe vários bônus, tendo como destaque a cover para as clássicas “Bela Lugosi’s Dead”, do Bauhaus, e “Rise Above”, do Black Flag. Mais experimental e com músicas mais lentas em relação ao seu antecessor, não é um disco que me agrade muito, e parece que os fãs concordam com isso, pois o álbum vendeu ainda menos que Against, o que fez com que o Sepultura deixasse a Roadrunner, assinando com a SPV

Igor Cavalera, Paulo Jr., Derrick Green e Andreas Kisser.

Roorback [2003]

Este foi por muito tempo o meu disco favorito da “Era Derrick”. Com composições mais diretas e concisas que os dois lançamentos anteriores, o álbum agradou em cheio aos fãs, continuando o estilo mais percussivo iniciado em Roots.

As faixas mais constantes nos repertórios dos shows do grupo, como “Come Back Alive“, “Apes of God” e “Mind War” (que ganhou um vídeo clipe), acabam sendo as mais conhecidas e, neste caso, as melhores do track list, mas não se pode deixar de citar as excelentes “Corrupted”, “Leech” e “Activist” dentre os destaques.

Em um aspecto praticamente inexistente enquanto Max Cavalera estava ao microfone, mais uma vez Derrick usa bastante de vozes limpas ao longo do disco, como em partes de “More of the Same”, “As It Is” e “Bottomed Out”, que é bem diferente do estilo tradicional dos mineiros. Praticamente sem pontos negativos, Roorback é um excelente disco, que só perde em qualidade para os discos da “Era Max” registrados pela Roadrunner. A edição nacional trouxe como bônus a cover para “Bullet The Blue Sky”, do U2, além de um vídeo para esta mesma música.


Revolusongs [2003]

Não sei o motivo pelo qual o Sepultura resolveu gravar este EP de covers, a princípio lançado apenas no Brasil e no Japão, mas ainda bem que o fizeram.

Paradoxalmente, acabou se tornando um dos melhores lançamentos da “Era Derrick”, mostrando que o grupo estava em grande forma após o lançamento de Roorback. Das músicas compostas por Hellhammer (“Messiah“) e Exodus (a clássica “Piranha“), já se esperava que ficasse algo bom, e, embora sem melhorar as versões originais, o grupo não pisou na bola aqui.

O tratamento dado a composições como “Angel” (do Massive Attack) ou “Bullet the Blue Sky” (do U2, que ganhou até clipe, incluído como bônus da edição nacional do disco anterior), tão distantes do estilo do Sepultura, foi surpreendente, e o resultado ficou excelente. Um pouco mais abaixo vem “Mongoloid”, do Devo, e “Mountain Song”, do Jane’s Addiction, que também são diferentes do que se esperaria do grupo (se bem que até Bob Marley eles já haviam gravado antes, então…), mas não ficaram tão legais quanto as outras.

A única pisada na bola de verdade ficou com a ridícula “Black Steel in the Hour of Chaos”, do grupo de rap Public Enemy, que conta com a participação do rapper Sabotage e do DJ Gonzales, e ficou quase inaudível. A brincadeira com as músicas do Metallica na “faixa escondida” lembra o que o grupo americano fez com “Run To The Hills”, do Iron Maiden, no famoso The $5.98 E.P.: Garage Days Re-Revisited, e ficou bem engraçada. Revolusongs seria depois incluído na versão digipak de Roorback (sem a brincadeira com as músicas do Metallica), e é um lançamento menor na discografia da banda, mas um dos que possui maior qualidade.

No ano de 2005, o Sepultura lançou o CD/DVD Live In São Paulo, registrando os vinte e cinco anos do grupo (contados a partir do lançamento de Bestial Devastation), em um show que teve muitas participações especiais (como Alex Camargo, do Krisiun, João Gordo, do Ratos de Porão, e Jairo Guedz, o mesmo Jairo Tormentor dos dois primeiros discos), sendo o segundo registro ao vivo oficial do grupo, e o único (até agora) com Derrick nos vocais. O DVD ainda conta com um documentário sobre os anos de estrada e alguns vídeo clipes.

Andreas Kisser, Paulo Jr., Derrick Green e Jean Dolabella.

Dante XXI [2006]

Dante XXI é um álbum conceitual, baseado na obra “A Divina Comédia”, do poeta renascentista italiano Dante Alighieri. É outro disco que começa muito bem, com a curta “Dark Wood of Error” (logo após a intro “Lost”), “Convicted in Life”, o maior destaque do play (com direito a clipe), “City of Dis“, com um trabalho excepcional de Igor no bumbo duplo, e a porradaria de “False“, com uma parte mais lenta no final.

Mas, daí para frente, as músicas novamente caem de qualidade, perdidas em experimentalismos (como o uso de trompas e violinos em “Ostia”, que não é de toda ruim, e em “Still Flame”), e solos cada vez mais distantes da qualidade dos executados por Andreas na “Era Max”. Além das citadas, me agradam a empolgante “Buried Words” e a porradaria da curta “Crown and Miter”.

Um disco dentro da média da segunda fase do grupo, mas longe da qualidade produzida na primeira metade da carreira, e que foi também o último a contar com o monstruoso (no bom sentido) Igor Cavalera na bateria, sendo que ele deixou a banda para se dedicar a projetos pessoais, e alguns anos depois se juntou a seu irmão Max no Cavalera Conspiracy, que já lançou dois álbuns sensacionais. Mas, mesmo com apenas Paulo Jr. da formação original, o Sepultura seguiu em frente!


A-Lex [2009]

A estreia do baterista Jean Dolabella no Sepultura é outro álbum conceitual, desta vez inspirado na obra “A Laranja Mecânica” (1962) de Anthony Burgess, sendo seu nome (“Sem Lei”, em latim), um trocadilho com o do personagem principal do livro.

Após a curta intro “A-Lex I”, a veloz “Moloko Mesto” abre os trabalhos com tudo, sendo um dos maiores destaques do track list, além de possuir um dos melhores solos de Andreas em anos.

A pesada e cadenciada “We’ve Lost You!” gerou o primeiro clipe de divulgação do disco, e também pode ser incluída nos destaques, ao lado de “Paradox” (uma das melhores composições da “Era Derrick”, lembrando os tempos de Chaos A.D.), “What I Do!” (que também mereceu clipe), “A-Lex II”, “Ludwig Van” (baseada a Nona Sinfonia de Beethoven) e “The Treatment”.

A partir desta faixa, o disco cai bastante de qualidade, e as muitas variações dentro de uma mesma música acabam prejudicando a audição das mesmas, embora não se possa dizer que nenhuma seja desprezível. Jean se saiu muito bem em estúdio, ainda que as partes percussivas (tão importantes na sonoridade do grupo desde Roots) tenham diminuído bastante, ganhando mais destaque apenas em “Filthy Rot”, e a ausência de Igor acabou nem sendo tão sentida. Não foi o álbum que fez o Sepultura recuperar o prestígio de outrora, mas foi uma evolução em relação ao disco anterior.


Kairos [2011]

Os anúncios deste disco na mídia propagavam que ele “faria frente a Arise e Chaos A.D.“. Balela pura! Apesar de ser o melhor registro da “Era Derrick”, Kairos fica abaixo dos álbuns lançados pela Roadrunner com Max nos vocais.

É o primeiro lançamento pela Nuclear Blast, após a saída da SPV, e o último com o baterista Jean Dolabella, que deixou a banda pouco menos de seis meses após o play chegar ao mercado. Neste registro, os mineiros parecem ter resgatado a fase dos anos 90, e ecos dos discos citados (bem como de Roots e Beneath The Remains) aparecem com frequência em certas partes.

Abandonando a ideia de álbuns conceituais, o grupo montou um track list onde é difícil apontar destaques, pois o nível de qualidade é bem alto, mas indico a faixa título (com um excelente trabalho de bateria – Jean mostrou mais uma vez que, pelo menos em estúdio, podia sim substituir Igor muito bem), “Relentless” (que me lembra muito as músicas de Arise), a porradaria de “Mask”, a agitada “Born Strong” e a harcore “No One Will Stand“.

Além dessas, pela primeira vez desde Against uma cover faz parte do track list oficial de um disco do Sepultura (pois “Bullet the Blue Sky” saiu como bônus apenas em algumas edições de Roorback), no caso, a versão para “Just One Fix“, do Ministry, que também ficou excelente. “Structure Violence (Azzes)” tem foco no percussão e trechos em português, e em “Dialog” Derrick novamente usa vozes limpas em algumas partes.

A edição brasileira trouxe os bônus “Point of No Return” e “Firestarter”, original do L7, mas que ficou mais conhecida pela versão registrada pelo The Prodigy. Ao lado de Roorback, talvez seja o único álbum imprescindível da “Era Derrick”, e deixa uma esperança de um futuro ainda relevante para o Sepultura.

Andreas Kisser, Paulo Jr., Derrick Green e Eloy Casagrande.

Com a definição do fenômeno Eloy Casagrande para o posto de baterista (ele que já tocou na banda solo de Andre Matos e no Gloria, além de outros grupos de menor expressão), o Sepultura segue firme e forte na estrada do metal, e um novo lançamento com esta formação já é bastante aguardado pelos fãs.

Resta-nos esperar que o grupo continue com a qualidade demonstrada em seu mais recente álbum, e continue a nos orgulhar não só por seu passado, mas também pelo seu presente. Afinal, como Max já anunciava nos shows (tradição que Derrick manteve), este é o “Sepultura do Brasil”!

3 comentários sobre “Discografias Comentadas: Sepultura – Parte II

  1. ““Firestarter”, original do L7, mas que ficou mais conhecida pela versão registrada pelo The Prodigy”, a música “Firestarter” é original do Prodigy e possui um sample da banda Breeders (da baixista dos Pixies, a música é “SOS”), e (Prodigy) fez uma cover de L7 da música “Fuel my fire”, do mesmo álbum que tem “Firestarter”. No mais, curti a análise da discografia.

  2. Com todo o respeito aos caras, mas essa banda já deveria ter acabado. Banda de rock e de metal deveria durar no máximo dez anos e depois encerrar definitivamente as atividades, porque os integrantes das bandas conforme vai se passando o tempo vão mudando os gostos musicais e a forma de pensar. Muitos continuam persistindo em tocar, apenas para não ficar em casa sem fazer nada, ou seja, pra fugir do tédio!

  3. Concordo com o comentário acima a respeito das bandas durarem dez anos. salve algumas exceções.
    O Sepultura deveria ter trocado de nome depois do Against. Ficaram iguais ao Metallica e ao Guns N’ Roses, uma comédia deles mesmos.
    Particularmente, eles só viriam a gravar algo melhor que Against com Quadra de resto poderia dar no máximo um disco inteiro e um Ep.

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