Datas Especiais: 40 anos sem Duane Allman

Datas Especiais: 40 anos sem Duane Allman

Por Mairon Machado

Acho que é normal criarmos ídolos em nossa cabeça, daqueles que pretendemos ser, que são exemplos, que te fazem sentir vontade de seguir um determinado rumo, um determinado caminho. Eu, com seis anos, tinha em Jimmy Page (guitarrista do Led Zeppelin) o cara que “fazia as coisas que eu queria fazer”. O disco ao vivo  The Song Remains the Same (1976), e a versão de “Dazed and Confused” inserida neste LP, eram meu “sonho de consumo” para um dia tocar. Certamente foi Page que me levou a gostar de guitarra. 
Depois, veio Ritchie Blackmore (guitarrista do Deep Purple). O também ao vivo Made in Europe era um atentado aos meus sete anos de idade. Aquele cara era muito bom, quase tão bom quanto o Page (na verdade era melhor, mas eu não queria assumir).
Quando eu comecei realmente a aprender violão (e consequentemente guitarra), eu tinha 13 anos. Foi com 13 anos que eu me dei de conta que o que o Jimmy Page fazia não era assim tão dificil de fazer, e que o Blackmore fazia mais pirueta do que música, e mesmo assim, eles eram meus ídolos (fora o Steve Howe, que eu sempre fui consciente de que não dava para fazer o que aquele cara fazia). A única coisa que eu ainda confiava em Page era o slide de “In My Time of Dying”. ali, Page me dizia: “Viu, isso aqui tú não vais fazer” …

The Allman Brothers Band: Dickey Betts, Duane Allman, Greg Allman,
Jai Jaimoe Johanson, Butch Trucks, Berry Oakley
Daí, um belo dia, numa fita cassete toda esfolada que encontrei em uma caixa de sapato de um amigo meu, me deparei com um tal de Allman Brothers. Sempre ouvi falar na banda, e muito bem. Bizz, Rock Brigade, Top Rock (as revistas da época) elogiavam e muito a tal banda, principalmente por um disco ao vivo chamado at Fillmore East, dito pelas três como o melhor disco ao vivo da história. Eu que já era fascinado por álbuns ao vivo, tinha curiosidade em ouvir o tal álbum, mas assim como era fácil ouvir elogios do mesmo, era tão difícil encontrar algum cidadão em Pedro Osório (aonde eu morava) que conhecesse o tal álbum. Até que nessa fita do meu amigo, lá estava o “benedito”.
Porém, antes de pegar a fita emprestada, salivando para ouvir, meu amigo me avisou: “Tchê, essa fita tem duas músicas só, não vale a pena“. Duas músicas??!! Aí sim que valeria a pena. Cheguei em casa e fui direto no toca-fitas. Coloquei o lado A e um baixo cavalgante começou a saculejar as paredes do quarto. Uma guitarra apareceu, outra, órgão, teclados e um vozeirão rouco, pouco há pouco foram invadindo o quarto e minha mente, que passava a ser hipnotizada. A fita não tinha o nome das músicas, só o ALLMAN BROTHERS FILLMORE estampado em uma letra cursiva de péssima escrita, mas chegou o refrão e eu não tive dúvidas: aquela canção se chamava “Whippin’ Post”.

Duane e seu irmão, Greg Allman
Durante os vinte e dois minutos de “Whippin’ Post”, fui levado do breu ao paraíso por solos intermináveis, totalmente exploratórios da guitarra, uma levada mais que complicada das baterias, o vozeirão do vocalista que eu sabia ser Greg Allman, mas principalmente, uma manhosa guitarra, tocada por Duane Allman, irmão de Greg.
O lado B da fita veio com 20 minutos de “You Don’t Love Me”, e agora, um slide guitar destrinchava meu cérebro, sem eu ter chances de defesa. “O que esse cara tá fazendo? Isso não é um arco de violino, é mais claro, mas soa como”. Era Duane novamente. Ouvi, ouvi, ouvi aquela fita tanto, mas tanto, que um dos primeiros discos que o meu irmão me deu foi o at Fillmore East do The Allman Brothers Band, uma fortuna na época (1998), importado, canadense, …, raríssimo. Ao mesmo tempo que ouvia o at Fillmore East, ouvia o Physical Graffitti, e comparava o Page com o guitarrista do The Allman Brothers Band. O líder do Zeppelin de chumbo não era mais o melhor.
Os anos nos fazem mudanças aos poucos, e com o tempo, fui descobrindo outros músicos. A guitarra virou segundo plano (tive que trabalhar), e as informações tornaram-se mais fáceis. Então, descobri quem era na verdade o cara por detrás daquele slide guitar.
Nascido em 20 de novembro de 1946, o escorpiano (que nem eu) Duane Allman com apenas 20 anos, fundou ao lado do irmão Greg Allman (voz, teclados), o grupo Hour Glass, gravando dois belos álbuns: Hourglass (1967) e Power of Love (1968). A sonoridade do grupo era muito próxima ao que foi eternizado anos depois também por Duane e Gregg, que era o Southern Rock, misturado com o pop rock e o soul.

O Hour Glass deixou de existir em 1968, quando os irmãos criaram o The Allman Brothers Band. Ao lado de Jai Jaimoe Johanson (bateria), Butch Trucks (bateria), Dickey Betts (guitarra) e Berry Oakley (baixo), Duane deixou para a história apenas três álbuns gravados: The Allman Brothers Band (1969), Idlewild South (1970) e o já citado At Fillmore East (1971). Canções como a citada “Whippin’ Post”, “Dreams”, “Midnight Rider”, “In Memory of Elizabeth Reed” e “Statesboro Blues”, são alguns exemplos de como o guitarrista era diferenciado nas seis cordas, e elevaram o Southern Rock para as alturas, consolidando o estilo principalmente nos Estados Unidos. Com o slide na mão, Duane tocava como que se estivesse passando uma roupa de cetim, ou seja, com uma delicadeza única, que caracteriza seu som e, consequentemente, seu nome. 

Porém, não foi só com o The Allman Brothers Band que Duane conquistou o posto de mestre da guitarra. Vários eram os músicos que, com o perdão da expressão, “pagaram (e ainda pagam) pau” para o guitarrista. Jimmy Page, Jeff Beck, Jimi Hendrix, Frank Zappa, Keith Richards, Gary Moore, Eric Clapton, esses só para citar alguns (a lista é enorme), expressam (ou expressaram) sua adoração pelo guitarrista americano, dizendo sempre que ninguém tocava um slide guitar como Duane tocava. 

Eric Clapton e Duane Allman
Como músico de estúdio, Duane gravou solos marcantes, destacando seu trabalho no álbum Hey Jude (1969), de Wilson Pickett. Outros artistas que também tiveram o prazer de ter um solo de Duane em suas canções foram: King Curtis; Aretha Franklin, Otis Rush, Delaney & Bonnie, e muitos outros. Mas nenhuma participação foi tão especial quanto ao lado de Eric Clapton, no excpecional Layla and Other Assorted Love Songs, lançado em 1970 pelo grupo Derek and the Dominos.
Nesse disco, o slide guitar de Duane extrapola os limites da imaginação. “Key to the Highway”, “Have You Ever Loved  Woman?” e principalmente, “Layla”, são exemplos claros do talento de Duane Allman (não, o solo de “Layla não é o Eric Clapton que faz). Com dois exímios guitarristas, o Derek and the Dominos gravou um disco essencial para os admiradores da música, tanto que ele figura entre os 200 álbuns mais vendidos da história. Assim como no The Allman Brothers Band, através de at Fillmore East, Duane deixou sua marca também no Derek and the Dominos.

Para quem quiser conhecer uma carreira abrangente do músico, basta pegar as coletâneas An Anthology (1972) e An Anthology 2 (1974), as quais trazem um bom apanhado de canções que contam com a mão de Duane Allman.

Cachorrão, alucinando ao vivo com Delaney e Boonie
A influência que o Cachorrão (apelido do guitarrista) deixava quando passava em um estúdio era como a de um santo. Todos se curvavam ao seu talento. Carismático, e pelos registros, extremamente humilde, Duane era um elegante guitarrista, que não precisava quebrar sua guitarra para se promover. Bastava um vidro de remédio nos dedos, uma palheta na outra mão, e pronto, ele extraia música da Gibson Les Paul.
No dia 29 de outubro de 1971, um acidente de moto levou sua vida. Duane deixava órfãos milhares de fãs, pouco antes de completar 25 anos. Eric Clapton ficou tão abalado com a morte do amigo que afundou-se ainda mais em drogas. O Lynyrd Skynyrd dedicou “Free Bird” (um dos solos de guitarra mais difícil e bonito da história), gravado no primeiro álbum do grupo em 1973, Pronounced Lĕh-‘nérd ‘Skin-‘nérd, exclusivamente para o Cachorrão. O The Allman Brothers Band teve que fazer uma pausa, até por que Greg era irmão de Duane, e seguiu caminho sempre com a pendência de não suprir o talento de um gênio chamado Duane Allman.
40 anos depois, seu nome ainda é falado com soberanidade por todo o mundo, não somente entre os pequenos músicos que surgem aqui e acolá, e que assim como eu nem sabiam do que Duane era capaz, mas também entre os grandes nomes da guitarra. Duane Allman virou um ídolo assim como Page e Blackmore, e é para mim a referência para alguém tentar tocar slide guitar, a qual é uma das tarefas mais ingratas da guitarra. E tocar como Duane Allman tocava, isso é praticamente impossível.

4 comentários sobre “Datas Especiais: 40 anos sem Duane Allman

  1. Perda lamentável que ainda hoje repercute. Muitos foram cedo demais, mas o Cachorrão foi ainda mais cedo, nos deixando apenas imaginar como a maturidade iria alterar (e, provavelmente, melhorar o que já era quase perfeito) o seu som.

    Um relato bonito e emocionante, mano, meus parabéns!

  2. Tô engatinhando ainda na família Allman e também em artistas como Derek & the Dominoes e Delaney & Bonnie, mas curti pakas o texto, essa coisa da experiência pessoal com a obra do músico. Parabéns pelo texto. Ao que tudo indica, em breve eu deverei ser mais um órFÃo desse cara, hehe.

  3. Tem que deixar registrado também que Duane foi eleito pela revista Rolling Stone como o 2º melhor guitarrista de todos os tempo, atrás apenas do mago Jimi Hendrix.

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