Mountain – Climbing! [1970]

Mountain – Climbing! [1970]

Por Micael Machado

Apesar de quase nunca aparecer naquelas listas de “melhores” que surgem de vez em quando aqui e ali, Climbing!, do grupo norte-americano Mountain, é, sem sombras de dúvidas, uma das melhores estreias vinílicas de todos os tempos. Embora, para muitos, não seja sequer o primeiro disco da banda…

A história do Mountain pode começar a ser contada a partir de meados dos anos 1960, quando o produtor, compositor e multi-instrumentista Felix Pappalardi começou a ter certo destaque na “cena” da época através de seus trabalhos como produtor ou músico de estúdio de diversas bandas do período, especialmente algumas sediadas na costa leste do país, como The Devil’s Anvil, The Youngbloods e a dupla canadense de folk e country Ian e Sylvia. Em meados de 1967, o power trio inglês Cream escolheu Felix para produzir seu segundo registro, Disraeli Gears, lançado em novembro daquele ano. O trabalho de Pappalardi junto ao grupo formado por Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker foi tão bem recebido, que Felix continuaria trabalhando com a banda nos discos seguintes do trio (não apenas como produtor, mas também contribuindo nas composições e como instrumentista no estúdio), além de ser produtor dos dois discos ao vivo lançados entre 1970 e 1972, já depois da separação do grupo britânico.

Pois foi após o final do Cream, em 1969, que Pappalardi foi procurado pelo guitarrista e vocalista nova-iorquino Leslie West (que faria 80 anos amanhã, 22 de outubro), com quem o produtor já havia trabalhado anteriormente, quando o músico ainda integrava os Vagrants (grupo que mantinha junto a seu irmão, o baixista e vocalista Larry West), banda para a qual Felix havia produzido alguns singles entre 1966 e 1967. West havia montado uma nova banda, e gostaria de contar com os serviços de Pappalardi como produtor. Ainda abalado pelo final prematuro do Cream, e louco para descobrir uma banda que continuasse a sonoridade do power trio que ele havia produzido, Felix compareceu a um ensaio da banda de West, e gostou tanto do que ouviu que se ofereceu não só para produzir o grupo, mas também para assumir o baixo da banda, alegando que o baixista original era muito “fraco” para empunhar o instrumento.

Ficou acertado que, ao invés de um novo grupo, o trio (completado pelo baterista N.D. Smart II) registraria um álbum pelo recém fundado selo de Pappalardi, o Windfall Records (na Inglaterra, o disco sairia pelo selo Bell Records), o qual seria lançado como o início da carreira solo de West, e que chegou ao mercado em julho de 1969, sob o nome de Mountain (apelido “carinhoso” dado pelo produtor ao guitarrista, devido ao seu porte físico, digamos, “avantajado”) – cabe citar que o álbum conta, em algumas faixas, com a participação de Norman Landsberg nos teclados, ele que era o tal “baixista fraco” do trio original imaginado por West, o qual era completado pelo baterista Ken Janick. Além de gravar e produzir o disco, Felix também saiu em turnê com West e Smart (além do reforço do tecladista Steve Knight), com a banda chegando até mesmo a se apresentar no festival de Woodstock, em agosto daquele ano, naquele que foi, apenas, o quarto show da carreira do grupo.

Com a boa repercussão da apresentação em Woodstock (e do próprio disco solo de West, que levou muitos a considerarem a sonoridade do grupo como uma espécie de “resposta” norte-americana ao som do Cream), Leslie e Pappalardi resolveram “oficializar” de vez a banda sob o nome Mountain, mantendo Knight na formação (segundo declarações de West anos depois, simplesmente porque Felix não queria que a banda soasse excessivamente parecida com o Cream), mas trocando N.D. Smart pelo baterista canadense Corky Laing (que integrava, então, a banda Energy, que já havia sido produzida por Gail Collins, esposa de Felix Pappalardi), o qual, além de arrasar com as baquetas, também se revelaria um compositor de mão cheia, colaborando diretamente para criar alguns dos maiores sucessos do quarteto nos anos futuros.

O Mountain em 1970: Steve Knight, Corky Laing, Leslie West e Felix Pappalardi (à frente, abaixado)

O primeiro registro desta turma, lançado em março de 1970, é justamente o citado Climbing!, que, se na teoria é o álbum de estreia do Mountain, na prática, para muita gente (inclusive este que vos escreve), é considerado como o segundo registro da banda, visto que West e Papallardi estavam juntos na gravação do disco solo de West. Seja ele o início ou não da trajetória do Mountain, o que não se pode discutir é que Climbing! é um dos grandes álbuns da década de 1960 (que, nunca esqueçamos, terminou justamente em 1970), desde a sua abertura com a hoje clássica “Mississippi Queen”, composição de Laing não aproveitada pelo Energy, a qual foi rearranjada por West, e se tornou a música mais conhecida da carreira da banda, sendo regravada posteriormente por grupos como Bachman-Turner Overdrive, Ted Nugent (ao lado do Molly Hatchet), W.A.S.P. e Ozzy Osbourne (que contou com a participação especial do próprio Leslie West nas guitarras da sua versão). Na mesma linha musical da primeira faixa, outra composição que se tornou um “clássico” deste registro é “Never in My Life”, cujo riff é um dos mais reconhecidos da discografia do grupo, e que surgiu de uma jam feita de improviso entre West e Laing, após Felix já ter ido para casa ao final de uma das muitas sessões diárias de ensaios (as quais chegavam a durar até dez horas, com a “mão de ferro” do produtor e baixista Papallardi comandando os músicos “de perto”) feitas pelo grupo, com Corky ficando responsável pelas letras de mais este destaque do álbum.

Entre estas duas faixas mais “roqueiras”, temos a calma (e linda) versão do Mountain para “Theme for an Imaginary Western”, composição de Pete Brown e Jack Bruce registrada pelo ex-baixista do Cream em seu primeiro disco solo, Songs for a Tailor, lançado em 1969. Cantada por Papallardi, a faixa é uma das mais tocantes e melódicas da carreira do grupo, e se tornaria um destaque ao longo dos anos nos shows feitos pelo Mountain. Felix também assume os vocais principais em “The Laird”, outra faixa de ritmo mais lento, onde a guitarra de West soa quase como uma cítara em certas partes, além de dividir o microfone com Leslie no encerramento do álbum, com a variada “Boys In the Band” (que mescla partes lentas e alternadas, além de dar destaque para o mellotron de Knight), na homenagem da banda ao festival de Woodstock na forma da balada “For Yasgur’s Farm” (outra composição que se tornou um clássico da carreira do grupo, e que também dá bastante destaque para os teclados de Steve, além de apresentar outro solo maravilhoso de West – a “fazenda de Yasgur” foi o local onde o festival aconteceu, que, à época, era de propriedade do fazendeiro Max Yasgur) e na faixa que encerra o lado A do vinil original, a agitada e “estradeira” “Silver Paper”, outra composição que se tornou bastante apreciada pelos fãs dentre as músicas gravadas pela banda em sua carreira.

“Sittin’ On a Rainbow” é uma faixa “típica” de sua época, e poderia, facilmente, ser confundida com uma canção do já citado Bachman-Turner Overdrive ou de outros grupos do estilo na época, não fossem os vocais e a guitarra de West. Fechando o track list da versão original, temos a instrumental acústica “To My Friend”, onde o violão de Leslie vai, como escreveu o jornalista Robert Christgau em seu livro Christgau’s Record Guide: Rock Albums of the Seventies, “do raga ao flamenco”. Algumas versões posteriores em CD ainda trazem uma versão ao vivo de “For Yasgur’s Farm” como bônus, além de liner notes escritas tanto por West quanto por Laing falando sobre o disco.

Contracapa da versão em vinil de Climbing!
EP japonês de “Mississippi Queen”

Com pouco mais de trinta e dois minutos e arte gráfica a cargo da já citada Gail Collins, Climbing! chegou à décima sétima posição nas paradas dos Estados Unidos na época, com o single de “Mississippi Queen” chegando ao número 21 da parada da Billboard (o single de “For Yasgur’s Farm” parou na posição 107, enquanto o de “Silver Paper” não chegou a figurar nas paradas). Infelizmente, a banda teria apenas mais dois anos de auge, com Papallardi se afastando do grupo devido a problemas de audição desenvolvidos graças ao altíssimo volume das apresentações ao vivo da turma. West e Laing formariam então o power trio West, Bruce and Laing ao lado do baixista e vocalista Jack Bruce, antes de retornarem com o Mountain para um último disco ao lado de Felix em 1974, o também recomendável Avalanche.

Single japonês de “For Yasgur’s farm”

Com a separação definitiva do Mountain após um show de despedida no Felt Forum de Nova Iorque em 31 de dezembro daquele ano, Papallardi foi trabalhar com o grupo japonês Creation, além de lançar um álbum solo em 1979 (intitulado Don’t Worry, Ma), com West e Laing continuando juntos por um tempo na recém formada The Leslie West Band, antes de os dois saírem em carreiras individuais no final da década de 1970. O guitarrista e o baterista ainda tentariam algumas “voltas” do Mountain entre 1984 e 2007, gravando alguns álbuns que não conseguiram alcançar as glórias e os méritos daqueles registrados entre 1969 e 1974, sendo que estes discos, infelizmente, não puderam contar com a participação de Papallardi, assassinado com um tiro no pescoço dado por sua própria esposa em 17 de abril de 1983. West viria a falecer de um ataque cardíaco em 21 de dezembro de 2020, enquanto Laing continua a excursionar com sua própria banda ainda hoje, mantendo vivo, de certa forma, o nome do Mountain, grupo que, para mim e muitos outros, atingiu seu auge logo em sua estreia vinílica, o qual, segundo alguns, é o segundo disco da banda…

Track List:

1. Mississippi Queen
2. Theme For An Imaginary Western
3. Never In My Life
4. Silver Paper
5. For Yasgur’s Farm
6. To My Friend
7. The Laird
8. Sittin’ On A Rainbow
9. Boys In The Band

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