USPM – O Elo Perdido do Metal dos Anos 80

USPM… Você já deve ter visto essa sigla em algum lugar: um site de música, um livro ou até em certos encartes de CD. A sigla NWOBHM, apesar de mais estranha, é mais conhecida, e talvez você não saiba a relação entre USPM e NWOBHM ou nunca tenha feito essa ligação entre elas. Mas, afinal, o que é USPM? USPM significa United States Power Metal, que é um subgênero do heavy metal surgido no início dos anos 80 nos Estados Unidos. Ele é, às vezes, tratado como uma evolução da New Wave Of British Heavy Metal ou até mesmo uma resposta americana a ela. Nesse texto, vou tentar mostrar as peculiaridades desse subgênero, falar um pouco sobre o estilo e as bandas que surgiram nesse período.
Como todos estão cansados de saber, a NWOBHM foi um movimento musical surgido no Reino Unido, que trazia de volta a sonoridade das bandas mais pesadas do início da década de 70 e que foram, de certa forma, escanteadas por conta do surgimento do punk, da disco e de outros gêneros musicais. Foi muito importante para revitalizar o heavy metal, que passava por um declínio. Por questões de proximidade e influência direta, surgiram também bandas no continente europeu que tinham o mesmo direcionamento e algumas daquelas bandas europeias foram classificadas como Power Metal.
Assim, em paralelo, as bandas americanas, que foram absorvendo as características das bandas da NWOBHM e do Power Metal europeu, começaram a desenvolver seu próprio som também. Daí a definição USPM. Claro que o background do rock americano, a tradição doméstica no estilo de bandas como Aerosmith, Ted Nugent, Kiss e Blue Öyster Cult foi muito importante e serviu como um ponto de partida. Por ter surgido praticamente em paralelo ao Thrash Metal, muitas vezes compartilhando palcos e, principalmente, o público, pode-se até dizer que o USPM foi uma espécie de ponte entre o heavy metal e o thrash metal, com uma sonoridade um pouco mais épica e melódica. Já a diferença entre o Power Metal americano e o europeu se dá na intensidade e velocidade: enquanto os europeus prezavam mais pela velocidade, pela produção mais polida e pela grandiosidade dos refrãos, os americanos privilegiavam riffs mais pesados e ritmos mais variados. Na temática também havia, no geral, algumas diferenças: os europeus eram mais fantasiosos e otimistas, enquanto os americanos eram mais sombrios e densos. Para amarrar todos esses estilos, havia uma grande semelhança entre todas as bandas da NWOBHM, do Power Metal europeu e do americano: uma cada vez menor influência e dependência do blues em suas músicas, bastante diferente das grandes bandas pesadas da década anterior.
E qual foi o primeiro lançamento desse estilo musical? Tirando as demos, EPs e singles que foram lançados por várias bandas no período entre 1981 e 1983, tivemos os primeiros álbuns saindo pouco depois. Os primeiros álbuns foram os do Rat Attack e Lady Killer, com seus discos homônimos lançados em 1983. Porém, são muito importantes os dois EPs do mesmo ano do Jag Panzer (Jag Panzer e Death Row), por se tratar de uma grupos que seriam expoentes do estilo. Também não posso deixar de citar os primeiros álbuns do Culprit, Guilty As Charged, e a estreia do Hawaii, banda formada em Honolulu por um jovem guitarrista de nome Marty Friedman, One Nation Underground. Porém, os principais álbuns lançados no ano de 1983 são mesmo o Crystal Logic do Manilla Road, o Sirens do Savatage e Into Glory Ride do Manowar. Alguns diriam que a estreia do Cirith Ungol, Frost and Fire, de 1981, pode ter esse mérito de ser o primeiro, mas eu vejo esse álbum com tanta influência inglesa que não consigo identificar a sonoridade dos álbuns citados aqui. Seu álbum seguinte, de 1984, seria mais adequado.
O ano de 1984 também foi muito prolífico. Levando em consideração os nomes e os álbuns lançados, é possivelmente o melhor ano dessa safra. Muitas bandas soltaram EPs muito cultuados pelos fãs, como os do Nasty Savage, do Leatherwolf, The Warning do Queensrÿche e o famoso Dungeons Are Calling do Savatage, banda que estaria se tornando uma das principais do estilo, junto com o Manowar, que lançou não um, mas dois clássicos: Sign of the Hammer e Hail to England. O título desse último mostra bem que a intenção dessas bandas americanas era se relacionar com o que estava sendo feito dentro do metal europeu, principalmente na Inglaterra. Não posso deixar de citar mais alguns excelentes discos e muito representativos: Ample Destruction do Jag Panzer, o Battle Cry do Omen, a estreia do Armored Saint, March of the Saint, e o Warlord, que veio com o fantástico And the Cannons of Destruction Have Begun. Um álbum que não é considerado da USPM e é mais relacionado ao thrash metal é a estreia do Metal Church. Porém, ele apareceu tanto nas minhas pesquisas que não pude deixar de citá-lo. Podemos dizer que o Metal Church está na fronteira que dividiria os dois estilos.
No ano seguinte, 1985, mais uma enxurrada de ótimos discos: Master of Disguise do Savage Grace (um pouco mais rápido que os de outras bandas), Flight of the Griffin do Griffin, Battle at Helm’s Deep do Attacker, a estreia do Malice, In the Beginning…, o Fates Warning já dando um dos primeiros passos no metal progressivo com The Spectre Within, além de outros.
Nos anos seguintes, para não ficar falando de ano a ano, os lançamentos mais importantes foram o disco homônimo do Fifth Angel (1986), o Savatage com o excepcional Hall of the Mountain King (1987), o Riot, que foi reformulado depois de uma carreira já bastante estabelecida e um som totalmente diferente em Thundersteel (1988). No mesmo ano, o Helstar com A Distant Thunder e o Titan Force com seu álbum de mesmo nome de 1989.
Poderia ficar citando nomes e mais nomes de discos e bandas ao longo de todos os anos até meados dos anos 90. A partir do fim dos anos 80 e na virada da década de 90, as influências globais acabaram sendo muito absorvidas por todos e, pelo menos dentro do heavy metal tradicional, já não existiam tantas diferenças marcantes para que a gente pudesse ficar criando essas caixinhas dos estilos. Porém, muitas bandas importantes surgiram, como o Sanctuary, do saudoso e excelente vocalista Warren Dane, o Iced Earth, que se consolidou como uma das grandes bandas nos anos 90, e o Virgin Steele, caminhando um pouco na trilha do Manowar, mas fez discos com personalidade própria que atraíram bastante fãs. Lembrando que a carreira de Yngwie Malmsteen, apesar de ser sueco, surgiu e se desenvolveu um pouco dentro de todo esse contexto também após ter estreado em disco com o Steeler. Também existe a carreira solo de Ronnie James Dio, porém, por conta de seu trabalho com o Black Sabbath, fica um pouco difícil de encaixá-lo aqui dentre essas bandas. Acho que, da mesma forma que o Judas Priest já era muito veterano para ser considerado da NWOBHM, o Dio também podemos considerá-lo assim em relação ao USPM.
Obviamente, com o benefício do distanciamento temporal, poderíamos até mesmo expandir todo esse universo em três vertentes distintas: o USPM Agressivo, o USPM Melódico/Progressivo e o USPM Épico. O primeiro deles beira o thrash, com vocais bastante agudos e velocidade maior (não tanto quanto o próprio thrash). Seus representantes seriam o Jag Panzer, o Liege Lord e o Helstar. O USPM Progressivo, como o nome já diz, é mais melódico e intrincado, e abriu caminho para muitas bandas de prog metal: Fates Warning, Crimson Glory e, claro, o Queensrÿche como seu principal representante. E, para finalizar, o USPM Épico, com mais semelhança aos seus pares europeus, que abusavam das temáticas de guerreiros e sagas fantásticas, de bandas como o Manowar, Virgin Steele, Omen, Warlord e Manilla Road.
Algo bastante importante é que durante todo o período de desenvolvimento e crescimento das bandas de power metal americano, tiveram uma concorrência pesada com o hard rock oitentista, ou glam metal. Esse estilo, muito mais radiofônico, ofuscava essas bandas deixando-as relegadas ao underground. Chegou num ponto que na década de 90 muitas bandas já estavam em declínio e mais uma vez o power metal europeu aparece na história do USPM. Próximo dos anos 2000 alguns grupos de power metal como Stratovarius, Blind Guardian, Hammerfall e Rhapsody ajudaram no ressurgimento dessa cena americana, pois os fãs acabam se interessando por todas as influências que essas bandas tiveram. Isso influenciou no surgimento de novos grupos americanos, Visigoth e Eternal Champion, que também ajudaram a renovar o público.
Espero que, com esse monte de nomes, eu não tenha assustado o leitor; pelo contrário, quero incentivar quem, porventura, nunca sequer leu os nomes dessas bandas ou que nunca ouviu e tinha curiosidade de saber qual seria o tipo de som delas. Saiba que deixei muitos nomes fora do texto e eu tenho certeza de que vou ficar chateado por isso. Tudo bem, vou deixar mais alguns nomes aqui: Tyrant, Chastain, Brocas Helm, Obsession, Lethal, Wild Dogs, Hexx, Malice, Artch, Abattoir…
Aproveito para agradecer o nosso fundador e ex-consultor Leonardo Dias pela ajuda!