Maravilhas do Mundo Prog: O Terço – 1974 [1975]

Maravilhas do Mundo Prog: O Terço – 1974 [1975]

Por Mairon Machado

Depois de ter passado pelos cinco gigantes do progressivo britânico, começarei hoje a homenagear alguns dos principais nomes do estilo no rock nacional. Mas vamos lá, o que é “esse tal de roque enrow” nacional? Mutantes, Secos & Molhados e Novos Baianos são os nomes mais citados quando falamos das bandas dos anos setenta, lançando álbuns que hoje viraram artigos de luxo nos sebos espalhados pelo país e pelo mundo. Depois destes, temos ainda Bacamarte, Som Imaginário, Módulo 1000, Quintal de Clorofila, Som Nosso de Cada Dia, Recordando O Vale das Maçãs, Bixo da Seda, entre outras bandas que, apesar de muitos de nós conhecermos, sabemos que lançaram poucos discos, ainda mais raros do que o trio acima citado.

Primeiro compacto do grupo
Primeiro compacto do grupo

Um grupo que está nos limites de ser o principal nome do rock ou mais uma ótima obscuridade é o carioca O Terço. Suas origens estão no janeiro de 1968, quando os grupos Joint Stock Co. – formado por Vinícius Cantuária (bateria), Jorge Amiden (guitarra), Sérgio Magrão (baixo) e César de Mercês (guitarra) – e Hot Dogs, do qual o guitarrista Sérgio Hinds fazia parte, fundiam-se para dar origem ao conjunto Os Libertos, formado por Sérgio, Vinícius e Mercês, com o último tocando baixo. Em pouco tempo, Os Libertos passaram a se chamar Santíssima Trindade.

No início de 1970, Mercês foi substituído por Amiden, com Sérgio indo para o baixo e, assim, adotaram o nome de O Têrço, com acento circunflexo. Passam a ensaiar e se apresentar em diversos festivais Brasil afora, tais como o Festival de Juiz de Fora, onde ganharam o prêmio principal com a canção “Velhas Histórias”, e o Festival Universitário do Rio de Janeiro, onde ficaram em segundo lugar com “Espaço Branco”.

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A estreia, ainda com o ^ no nome

O som folk rock dos garotos, com um vocal bem trabalhado, não demorou a chamar a atenção das gravadoras, dentre elas a Polygram, que colocou o trio para gravar em poucos dias, lançando ainda em 1970 o auto-intitulado álbum O Têrço. Nele, encontramos um disco fortemente influenciado por The Band e Buffalo Springfield, entre outros nomes do folk rock internacional, com destaque para faixas como “Plaxe Voador”, “Velhas Histórias” e “Yes, I Do”.

A banda chegou a causar certa polêmica com a capa do disco, onde aparecem sentados com calças jeans e descalços dentro de uma igreja, com um terço entre o trio. Em outubro de 1970, participam do V Festival Internacional da Canção, classificando “Tributo ao Sorriso” em terceiro lugar, e do espetáculo Aberto para Obras, no Teatro de Arena, ao lado do Módulo 1000 e outros artistas.

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Compacto duplo de O Terço, trazendo cinco canções

Sérgio decidiu seguir carreira ao lado de Ivan Lins, abrindo espaço para a volta de Mercês. Porém, o tempo ao lado de Ivan foi curto, fazendo com que Sérgio retornasse para O Têrço, assumindo as guitarras e deixando o trio agora como um quarteto. De cara, lançaram um compacto duplo com as músicas “O Visitante”, “Adormeceu”, “Doze Avisos”, “Meio Ouvinte” e “Teatro da Área Extraída da Suíte em Ré Maior (Bach)”. Influenciados pelo rock progressivo britânico, consideram cada vez mais do experimentalismo em seus ensaios, e além disso, passam a construir seus instrumentos. É aqui que surge a famosa “Tritarra”, uma guitarra de três braços que Amiden empunhava para executar as difíceis peças que a banda começava a criar, bem como o violoncelo elétrico que Sérgio tocava. Esse violoncelo pode ser ouvido, por exemplo, em “Doze Avisos”. Os novos instrumentos foram apresentados ao público no VI Festival Internacional da Canção, em 1971, onde a música “O Visitante” alcançou o quarto lugar.

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Sérgio Hinds, Cezar de Mêrces, Vinicius Cantuária e Jorge Amiden

Após a participação no VI FIC, Amiden saiu. Para evitar problemas futuros, os remanescentes registraram o nome da banda, agora como Terço, sem acento, e seguem como um trio, enquanto Amiden montou a banda Karma, ao lado de Luiz Mendes Jr (violões) e Alen Terra (baixo). O Terço passou a acompanhar o cantor Marcos Valle, participando no fantástico álbum Vento Sul, com destaque para a esquisita canção “Democústico”, culminando este projeto com a apresentação da banda ao lado de Valle no Festival do Midem, na cidade de Cannes, França.

A ida à França e a colaboração com Valle deu um contato ainda mais forte do O Terço com o rock progressivo, demonstrado no compacto “Ilusão de Ótica” / “Tempo é Vento” (1971), onde até mesmo as letras estão mais trabalhadas. Sérgio passa a tocar viola e a estudar cada vez mais. Nessa nova fase lançam o fantástico álbum Terço, abrindo assim sua principal fase no cenário nacional.

A estreia progressiva do Terço, sem o ^
A estreia progressiva do Terço, sem o ^

Mais pesado e “roqueiro” que O Têrço, os destaques ficam para as faixas “Deus”, a acústica “Estrada Vazia” e a Maravilhosa suíte “Amanhecer Total“, com suas cinco partes (“Cores / Despertar pro Sonho / Sons Flutuantes / Respiração Vegetal / Primeiras Luzes no Final da Estrada – Cores Finais”) e com a participação de Luiz Simas (Módulo 1000) nos teclados, ocupando todo o Lado B do LP em seus quase vinte minutos de muita loucura e viagem.

Vinícius foi parar na banda de Caetano Veloso, sendo substituído por Luiz Moreno. Sérgio Magrão foi convidado para tocar baixo e Mercês assumiu a função única de letrista e compositor. Com a ajuda de Milton Mascimento, conhecem o multi-instrumentista Flávio Venturini, que havia acompanhado o pessoal do Clube da Esquina e tinha um talento incomum no Brasil, assumindo os teclados do agora batizado O Terço. A nova formação participa do álbum Nunca, de Sá & Guarabyra, e torna-se a formação clássica do O Terço, ao lançar, em 1975 o espetacular Criaturas da Noite, que completa portanto 50 anos agora em 2025.

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Compacto de “Queimada”

O disco contém no mínimo quatro clássicos do rock nacional, que qualquer brasileiro em qualquer rincão do mundo conhece. “Hey Amigo” é um deles, abrindo com o seu famoso refrão que foi cantado à plenos pulmões pelos jovens na década de setenta. “Queimada”, com seus violões e violas, tornou-se outro grande clássico, e vem na sequência. O talento de Venturini nos teclados aparece em “Pano de Fundo”, e no piano durante a viajante instrumental “Ponto Final”, com vocalizações de Marisa Fossa. Nela, Venturini também se aventura em solos de moog, órgão e piano. O lado A encerra-se com a hard “Volte na Próxima Semana”, com um refrão grudento e muito órgão, e que já torna o álbum essencial.

O lado B então é simplesmente o que os fãs consideram como o mais genial momento da carreira do grupo, abrindo com mais um clássico, “Criaturas da Noite”. O que falar de uma canção que está entre as dez mais conhecidas do rock nacional? Com arranjos do maestro Rogéro Duprat, “Criaturas da Noite” virou uma das peças centrais da banda, sendo pedida nos shows até os dias de hoje. “Jogo das Pedras” retoma o clima de “Queimada”, com os violões tendo maior destaque.

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Sérgio Magrão, Sergio Hinds, Luiz Moreno e Flavio Venturini

E por fim, uma das melhores suítes do rock nacional, a Maravilhosa “1974”. Composta por Venturini, essa faixa retrata a importância da entrada do tecladista, dando enfim uma cara de grupo para O Terço. A faixa começa com sua clássica introdução ao piano e com o baixo executando os acordes para Sérgio trazer o tema principal. As marcações se fazem presentes, trazendo o tema principal com as famosas vocalizações de Sérgio (“Na-na-na-na-na-na-na-naaaaaaaaa”) e novamente as marcações, para modificar um pouco o tema principal e também as vocalizações (“Da-ra-ri-ra-tu-ra-raaaaaaa Di-ra-ri-ra-ra-raaaaaaaaaa”) em uma marcação hipnotizante, com a guitarra executando as mesmas notas das vocalizações.

A canção vai sendo desenvolvida suavemente, e então, os riffs mudam, com Venturini solando sobre um segundo tema instrumental, levando a música para um clima embalado, onde Sérgio sola com um efeito de reverb sensacional.

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O Terço ao vivo em 75

A parte mais viajante então chega, com Venturini virando uma centopeia nos teclados, enquanto Sérgio emite vocalizações tristes, acompanhadas por notas de guitarra mais tristes ainda. O baixo de Magrão dá o toque suingado para a música, passando um clima de apreensão, onde o ouvinte não consegue imaginar o que vai vir. Sequências de baixo, bateria e guitarra intercalam sobre os longos acordes dos teclados de Venturini, levando ao tema final da canção, com mais um solo de Sérgio e as últimas vocalizações, feitas somente com o acompanhamento do piano.

Guitarra e sintetizador duelam por alguns segundos, para Sérgio solar e encerrar essa faixa que, com certeza, tem que ser ouvida e reouvida com todo o carinho e a atenção que se deve dar a uma obra-prima.

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Encarte pôster (acima) e a capa interna gatefold de Criaturas da Noite (abaixo)

Criaturas da Noite foi lançado na Europa em 1976 numa versão rara, com as músicas cantadas em inglês e com o nome de Creatures of the Night. Foi o álbum mais bem sucedido da banda, com o compacto de “Hey Amigo” vendendo milhares de cópias e com direito até a apresentação de “1974” como peça musical coreografada, fato este ocorrido em 1977 através do artista argentino Oscar Araiz. Muitos consideram o melhor álbum de todos os tempos do rock nacional.

Em sua versão original o LP trazia uma arte muito bonita, chamada A Compreensão, obra de Antônio e André Peticov, além de um encarte e pôster gigante do grupo tocando ao vivo. É claro que essa versão, quando encontrada, é disputada a tapa nos sebos, valendo alguns barris de cerveja. Existe também uma outra versão com o pôster sendo a capa do álbum, e que muitos achavam que tratava-se de um álbum ao vivo da banda quando a mesma foi lançada.

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Cerveja O Terço

O Terço tornava-se então um expoente do progressivo nacional, ao lado dos Mutantes de Sérgio Dias, participando como um dos headliners dos festivais Águas Claras (1975), Banana Progressiva (1975), Hollywood Rock e Temporada de Verão. Em 1976 a banda isolou-se em uma fazendo no interior de São Paulo, seguindo os passos de Novos Baianos, Mutantes, entre outros. Lá, construíram as canções para o próximo álbum, Casa Encantada, lançado em 1976, e cuja história estará aqui em um mês, quando chegaremos na Maravilhosa “Solaris”.

Um comentário em “Maravilhas do Mundo Prog: O Terço – 1974 [1975]

  1. O Terço faz parte daquelas bandas brasileiras que não se decidiam pelo hard rock ou pelo prog, mas conseguia fazer algo interessante em ambos os estilos. Não conheço muito bem a discografia da banda, mas esse “Criaturas da Noite” é bem legal. Meu irmão assistiu a banda aqui em Florianópolis nos anos 70 e sempre elogiou a habilidade do Sergio Hinds na guitarra.
    Só uma curiosidade: o nome era grafado com acento circunflexo por causa de um absurdo do português brasileiro que estabelecia o acento diferencial para distinguir o substantivo Têrço do verbo terço, algo que deixou de ser obrigatório em 1971 e foi abolido definitivamente em 2009 para uniformizar com o português de Portugal e dos países africanos (mas, como nada é fácil na língua portuguesa, o acento continua a ser usado para distinguir o verbo “pôr” da preposição “por” e o tempo verbal passado “pôde” do tempo presente”pode”).

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