Shows Inesquecíveis: Guns N’ Roses (Porto Alegre, 03 de abril de 2014)

Shows Inesquecíveis: Guns N’ Roses (Porto Alegre, 03 de abril de 2014)

Por Micael Machado

Desde a primeira vez em que ouvi “Sweet Child O’Mine” no rádio, foram quase vinte e cinco anos de espera até poder estar presente em um show com Axl Rose sobre o palco. Tudo bem que tive uma outra oportunidade em 2010, mas, naquela data, por uma infeliz “birra” entre promotores locais (ao que se comenta até hoje), havia uma apresentação do Dream Theater em outro local da cidade, e optei por prestigiar John Petrucci e companhia, naquela que viria a ser a última turnê do baterista Mike Portnoy com o grupo (até agora, pelo menos). Em muito por causa disso, não me arrependo de minha decisão, mas até aquela quinta feira, três de abril de 2014 (data em que o grupo realizou a sétima apresentação brasileira de sua turnê sul-americana da época) o fato de eu, conscientemente, ter abdicado de assistir a uma apresentação do Guns And Roses ainda me doía na consciência.

Sou um fã do grupo há muito tempo, como coloquei acima. A primeira camiseta de uma banda de rock que eu tive estampava a famosa cruz com as caveiras dos integrantes originais, em arte que foi uma espécie de “logo” do grupo por um bom tempo. Foi por causa do Guns que acabei ouvindo mais grupos de heavy metal e hard rock, e foi por causa disto, tenho certeza, que estou aqui hoje escrevendo estas linhas. Não fosse pela música de Axl e seus colegas, e eu poderia muito bem estar ouvindo o pop inofensivo de FM que eu curtia quando tinha meus treze ou quatorze anos! Deus me livre! Já havia assistido a um show de Duff McKagan em Porto alegre, e ouvido uma apresentação de Slash na mesma cidade (pois assistir à mesma foi quase impossível, como relatei aqui). Visto que Izzy Stradlin dificilmente algum dia virá de novo para estes lados (ele tocou apenas na primeira apresentação do grupo no Brasil, no Rock In Rio de 1991), e Gilby Clarke, Steven Adler e Matt Sorum nunca foram assim tão importantes para mim, da formação “clássica” faltava apenas o chefão Axl para eu conferir “in loco”. Tendo a seu lado três guitarristas (Richard Fortus, Bumblefoot e DJ Ashba) e dois tecladistas (Chris Pitman e Dizzy Reed, único que chegou a participar da famosa turnê de promoção aos dois discos Use Your Illusion, que durou de 1991 a 1993, e que está no Guns desde então), além do baixista Tommy Stinson e do baterista Frank Ferrer, o vocalista repetia a mesma formação que tocou na cidade quase quatro anos antes, desmentindo um pouco a pecha de “banda de aluguel” que muitos aplicam aquela fase “intermediária” do Guns And Roses.

O problema é que, em 2014, o local escolhido para o espetáculo foi o longínquo, inapropriado e inadequado pavilhão da Fiergs, uma das piores opções existentes na capital gaúcha para um evento deste porte. Se em 2010 a apresentação foi no estacionamento da Federação das Indústrias do RS, desta vez o grande público presente (quase quinze mil pessoas) teve de ficar em um local fechado que é pouco mais que um galpão, não tendo o mesmo sido projetado para este tipo de concerto. Muito por causa disto, fiquei duas horas retido no congestionamento tentando chegar ao local, e mais uma hora em pé na (lenta e aparentemente interminável) fila tentando entrar no pavilhão (havia apenas uma fila para todos os setores, com o pessoal sendo conduzido aos seus locais apenas depois da revista). Quando consegui finalmente me juntar às muitas pessoas que já estavam localizadas na pista, já perto das 21h (horário indicado para início da apresentação), a banda de abertura (a gaúcha Gunport, que, ao que soube, tocou vários clássicos do hard rock e do heavy metal para esquentar o pessoal, além de músicas próprias) estava terminando seu show, e muitas outras pessoas ainda aguardavam lá fora por uma chance de adentrar o pavilhão. Do ponto onde acabei ficando, no começo da pista “comum”, a visão do palco era dificultada por uma estrutura montada para a mesa de som bem na divisa entre a pista VIP e a “dos pobres”, pelos próprios pilares da estrutura do local, e até por banheiros químicos colocados no meio da pista VIP (!), para que quem lá estivesse não precisasse sair do local e ir aos toaletes colocados no fundo da pista comum (e dane-se quem quisesse ver algo). Realmente, este não era o melhor local para este espetáculo…

O Guns n’ Roses no palco do Fiergs, em Porto Alegre

Para dar tempo de todos os que estavam na longa fila chegarem às pistas (suponho eu), a apresentação acabou atrasando em quase uma hora e meia, e, perto das 10:30h, os telões se acenderam e o octeto entrou em cena, após uma intro instrumental, com “Chinese Democracy”, faixa título do polêmico disco de 2008, a qual soou muito melhor ao vivo, mas não provocou muita comoção no pessoal, que preferiu pular, berrar ou filmar/fotografar o “evento” do que curtir o som. Já nesta faixa, deu para notar que não teríamos as pirotecnias de outros shows da turnê, acredito eu que por questões de segurança devido ao fato da apresentação ocorrer em um lugar fechado (em mais um prejuízo proporcionado a nós pela produção do evento, ao escolher este recinto), e que os dois telões laterais e os vários no fundo do palco mereceriam tanta atenção quanto o que ocorria sobre o palco, este de difícil visualização, em muito devido à sua baixa estatura – a coisa melhorava bastante quando Axl ou um dos outros músicos subia nos retornos, mas, se eles ficassem no “chão”, era muito difícil vê-los. A festa começou mesmo, pelo menos para a maioria do público, quando DJ Ashba puxou o primeiro riff de “Welcome To The Jungle“, que foi cantada quase em uníssono pelo enlouquecido público, que ainda recebeu na sequência as clássicas “It’s So Easy” e “Mr. Brownstone” para não deixar a adrenalina baixar.

A partir daí, foram muitos os pontos altos. Quase todos os que estavam lá hão de citar “Sweet Child O’ Mine” (a que mais levantou o público, e a que teve a letra mais cantada, ou berrada, no caso) como o melhor momento, mas, para mim, nada superou “Estranged“, uma de minhas favoritas na discografia do grupo, interpretada à perfeição, emocionante o tempo todo, especialmente no solo ao piano de Dizzy, o qual alguns babacas preferiram não escutar para ficar batendo papo animadamente (por quê será que algumas pessoas acham que música/partes mais lentas/emotivas são sinônimo de “licença para papear” e não precisam ser escutadas?). Nem mesmo “Rocket Queen”, minha faixa preferida do Guns, conseguiu me animar mais do que a faixa registrada no “disco azul” dos Use Your Illusion, e até a manjada “November Rain”, que por muito tempo eu considerava que já havia “enchido o saco”, foi outra que me tocou bastante, bem como a inesperada “Don’t Cry” (outra onde o público soltou a voz com vontade) e a clássica “Patience”, esta, uma das melhores baladas do grupo.

Axl Rose ao piano em “November Rain”

Claro que hits do porte de “Live and Let Die”, “You Could Be Mine”, “Knockin’ On Heaven’s Door”, “Nightrain” e a inesperada “Used to Love Her” fizeram o pessoal vibrar muito, mas algumas músicas do então “recente” Chinese Democracy (especialmente a sequência “Catcher in the Rye” e “Shackler’s Revenge”) foram completamente ignoradas pelo pessoal, bem como a cover para “Nice Boys” (presente no disco Lies, de 1988) e vários dos bons momentos solos dos músicos “coadjuvantes”: Dizzy com um belo número ao piano, Richard Fortus com um lento blues instrumental que remeteu ao Led Zeppelin, Bumblefoot e DJ Ashba com uma lindíssima versão instrumental para “Baby, I’m Gonna Leave You”, que ficou imortalizada na versão registrada no primeiro disco do mesmo Led, Tommy Stinson no baixo e vocais da cover para “Holidays in the Sun”, dos Sex Pistols (que ficou com uma cara e atitude bem punk, como deveria ser) e, novamente, Bumblefoot, com um tema de sua autoria (“Abnormal”, onde pode soltar a voz com vontade) e o famoso “Tema da Vitória” associado ao inesquecível Ayrton Senna, como já havia feito em outros shows daquela excursão, em um dos poucos “momentos solos” que foi muito bem recebido pela multidão.

Estes muitos trechos onde Axl aproveitava para se ausentar do palco podem ser o segredo para a boa performance do vocalista durante o show. Todas as resenhas que li durante anos falando que a voz do cantor estava arruinada para sempre foram plenamente desmentidas naquela noite. Claro que não era mais a mesma coisa de vinte anos antes (e piorou bastante desde então, sejamos honestos), mas, justiça seja feita, o então gorducho Axl não fez feio em nenhum momento, sabendo dosar seu arsenal quando necessário, mas soltando alguns gritos e agudos impressionantes quando tinha oportunidade (mesmo mais ao final do show), sem deixar, é claro, de trocar de jaquetas e chapéus por pelo menos umas três vezes ao longo da noite, além de só retirar os óculos escuros no final do bis. A mesma qualidade pode ser atribuída aos músicos que acompanharam o vocalista naquela versão do Guns. Todos talentosíssimos, mantiveram os arranjos originais das canções durante quase todo o espetáculo, e não deram nenhum motivo para reclamação durante praticamente toda a apresentação, mesmo quando precisaram parar e reiniciar “Better” após poucos acordes, visto que Axl alegou que não conseguia ouvir sua voz no retorno por algum problema técnico (o cantor, que se dirigiu pouco à audiência durante toda a noite, também deu uma bronca em um segurança a certa altura, acredito que por causa de algum mau trato a alguém da plateia, e ajudou um membro da equipe técnica a distribuir copos de água àqueles presentes nas primeiras fileiras – aliás, o preço de qualquer coisa era abusivo dentro do pavilhão, com uma garrafa de água sem gás chegando a dez reais, sendo que, com o calor do local, muita gente começou a passar mal e desmaiar em algumas partes das pistas comum e VIP, segundo relatos que li, pois não presenciei pessoalmente ninguém caindo, só gente sentando ou se queixando de tontura e indisposição, como eu próprio durante o bis). Algumas resenhas que li na época reclamaram muito da qualidade do som, que teria oscilado bastante, e o pessoal que ficou lá no “fundão” da pista comum disse que era muito difícil ouvir o show de onde estavam. Não sei se é emoção de fã ou se sou meio surdo mesmo, mas, no ponto onde eu estava, o som chegava bem audível, e não notei as tais oscilações …

Momentos da apresentação do Guns And Roses em Porto Alegre

Voltando ao relato do show, após o tradicional “vai e volta” ocorrido depois do final de “Nightrain”, Ashba e Bumblefoot fizeram um pequeno número acústico, seguido pela citada “Patience”, e o bis continuou com a também quase ignorada cover para a fantástica “The Seeker”, do The Who (onde Axl mostrou que pode ser, sim, um bom cantor, mas não chega nem a segurar o microfone de um Roger Daltrey), e tudo acabou, como esperado, com a clássica “Paradise City” e uma longa chuva de papel picado (de cor vermelha) sobre o palco e a audiência (da pista VIP, claro!), em uma grande festa para quem ainda tinha forças para pular e vibrar após quase três horas de show!

Apenas dois anos depois, em novembro de 2016, assisti ao grupo no (muito melhor, em todos os aspectos) Estádio Beira Rio, já com Slash e Duff de volta, na “Not In This Lifetime Tour” (no melhor show da banda que já estive presente, mas isto é assunto para outra hora), e, em setembro de 2022, novamente os assisti em Porto Alegre, desta vez na Arena OAS, em outro bom show de Axl, Slash, Duff e companhia! Quanto à apresentação de 2014, tudo bem que não foi o Guns And Roses que eu aprendi a idolatrar na adolescência, soando mais como uma competente banda cover daquele que já foi o maior grupo do mundo (onde, nos quesitos técnicos, talvez o músico mais “fraco” seja o próprio vocalista, vejam vocês), mas as músicas e as melodias que estes oito sujeitos nos ofereceram até próximo da uma e meia da manhã daquele dia quatro de abril eram fiéis àquelas clássicas canções que eu ouvia no meu quarto lá no interior do Rio Grande do Sul tantos anos atrás. Pode ter muita gente que não gostou, mas, para o desespero das viúvas da “formação clássica” do grupo – como eu -, achei a apresentação, para usar uma palavra já surrada, “memorável”! Quem foi, há de concordar!

A “chuva” de papel picado em “Paradise City”

 

Set List:*

1. Intro: True Detective theme music

2. Chinese Democracy

3. Welcome to the Jungle

4. It’s So Easy

5. Mr. Brownstone

6. Estranged

7. Rocket Queen

8. Better

9. Used to Love Her

10. Nice Boys

11. Richard Fortus Guitar Solo

12. Live and Let Die

13. This I Love

14. Holidays in the Sun

15. Dizzy Reed Piano Solo

16. You Could Be Mine

17. DJ Ashba Guitar Solo

18. Sweet Child O’ Mine

19. Jam (“Baby, I’m Gonna Leave You” Instrumental)

20. November Rain

21. Abnormal

22. Bumblefoot Guitar Solo (“Tema da Vitória”)

23. Don’t Cry

24. Catcher in the Rye

25. Shackler’s Revenge

26. Knockin’ on Heaven’s Door

27. Nightrain

Bis:

28. Jam Acústica

29. Patience

30. The Seeker

31. Paradise City

 

O final da apresentação, em imagem de um dos telões

 

(* Nota: esta não é a relação de músicas oficial, mas acredito que está bem próxima da que realmente foi executada. Caso você saiba de algum erro ou de algo a ser alterado, por favor, deixe nos comentários)

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