Discografias Comentadas: Los Hermanos

Discografias Comentadas: Los Hermanos

Por Mairon Machado

Surgido no final dos anos 90, mais precisamente em 1997, no meio de um turbilhão de músicas sem o mínimo conteúdo musical e totalmente apelativas, como É O Tchan, Arakêtu e Terra Samba, o grupo carioca Los Hermanos conquistou uma geração de fãs como sucesso “Anna Julia”. Porém, o então quinteto renegou a fama, e partiu para novos rumos. Como um quarteto, abandonaram a fama de “Anna Julia” e revolucionaram o rock nacional na década passada, misturando ao estilo toques de samba, jazz, blues e chorinho, e consagrando uma das mais fortes formações da música nacional, com Marcelo Camelo (guitarras, baixo, vocais), Rodrigo Barba (guitarra, baixo, vocais), Bruno Medina (teclados) e Rodrigo Barba (bateria).

São quatro álbuns de estúdio, que conquistaram uma enorme legião de seguidores. Vamos à eles.


Los_Hermanos_1999_Los_HermanosLos Hermanos [1999]

O disco que lançou o grupo ao Brasil é uma paulada, e não deve ser menosprezado pelas suas duas músicas mais conhecidas. Com letras totalmente voltadas para relações amorosas (fracassadas ou não), e ainda contando com o baixista Patrick Laplan, é um álbum bastante pesado, misturando ska com hard rock, em faixas como “Tenha Dó”, “Descoberta”, “Outro Alguém” e “Lágrimas Sofridas”. Outra mistura interessante é a marchinha de carnaval/hard rock de “Pierrot“, que se tornou um dos grandes sucessos dos fãs eternos da banda, e o cantar embriagado de Rodrigo Amarante é revelado em “Quem Sabe”, outra que se tornou um clássico. Amarante e responsável também pelos vocais da oitentista “Onze Dias”. “Vai Embora” é pesadíssima, mas com uma interessante passagem jazzística. “Aline” e “Azedume” não misturam estilos, apenas o melhor do hard rock, colocando a casa para quebrar com uma roda punk de tirar o fôlego. Roger (Ultraje a Rigor) participa fazendo os vocais da ótima “Bárbara“, e “Sem Ter Você” é a única a passar despercebida. Há ainda “Primavera”, uma canção que em nada representa a potência de Los Hermanos, e que podia muito bem ter ficado de fora, e a clássica “Anna Julia”, com clipe tendo a participação da novata Mariana Ximenes e estourando mundialmente, levando inclusive a fazer George Harrison, Ian Paice, Jim Capaldi e Paul Weller registrarem uma versão britânica para a mesma. Apesar de ser um álbum muito pesado, cercado de lindos arranjos de metais, que eram o diferencial do Los Hermanos em comparação com outros da época, como LS Jack e P. O. Box, o disco ficou marcado mesmo por “Anna Julia”. Tudo que era programa de TV, evento de igreja, rodeio e até mesmo festa de criança tinha a bendita canção sendo cantada pelo Los Hermanos. O sucesso foi enorme, e em menos de seis meses o hit figurava na primeira posição das principais rádios do país, com o álbum vendendo 300 mil cópias e com o grupo lotando estádios pelo Brasil, mas agitando as 80 mil pessoas com um único hit. “Anna Julia” inclusive levou o grupo a indicação de melhor álbum no Grammy de 2000 e, na entrega do Prêmio Multishow de 2000 para o Los Hermanos, pagou seu mico, com Camelo afirmando que jamais poderia ter ganho aquele prêmio na mesma categoria que Chico Buarque estava concorrendo, mostrando todo o descontentamento do grupo com o sucesso da canção.

O desgaste começou a bater, e logo se viu que ou a banda mudava de atitude ou iria fechar as portas como outras. Laplan chuta o balde, alegando divergências musicais, e vai trabalhar com o ex-vocalista dos Raimundos, Rodolfo, no projeto Rodox, fundando posteriormente o Eskimo. Amarante assume o baixo (com Camelo também participando vez ou outra no instrumento) e então decidem se trancar em um sítio na cidade de Petrópolis, onde começam a conceber o segundo álbum.

Rodrigo Amarante, Marcelo Camelo, Rodrigo Barba e Bruno Medina (em pé); Patrick Laplan (agachado)
Rodrigo Amarante, Marcelo Camelo, Rodrigo Barba e Bruno Medina (em pé); Patrick Laplan (agachado)

 


los_hermanos-bloco_do_eu_sozinhoBloco do Eu Sozinho [2001]

Como uma das atrações nacionais principais do Rock in Rio III, em 2001, o novo Los Hermanos mostra uma nova postura, diminuindo o ritmo e investindo nas composições e arranjos, o que é comprovado no excelente Bloco do Eu Sozinho. A tiragem inicial trazia o encarte todo feito com papel reciclado, e hoje é catada a tapas e puxões de cabelo nos sebos. As canções pesadas são poucas, ficando a cargo de “Todo Carnaval Tem Seu Fim”, mais um clássico na carreira do grupo, “A Flor“, duelo vocal entre Amarante e Camelo, e que ficou de fora do primeiro disco para dar lugar a “Anna Julia”, “Deixa Estar” e “Tão Sozinho“, outra que foi abandonada no resultado final de Los Hermanos. As demais canções são experimentações sonoras que revelam como o agora quarteto carioca pensava além do que era possível se imaginar, criando novas formas de composição, inspiradas no sambam reggae, rock e diversos outros estilos, além de letras com mais conteúdo do que apenas as separações amorosas, apesar disso aparecer na linda balada “Sentimental” e na emocionante “Veja Bem Meu Bem“, uma das melhores letras do grupo. Amarante canta em francês na complicada “Cher Antoine”, um jazz rock empolgante, e faz a separação do cordão umbilical hard rock através de “Retrato pra Iaiá”, a canção que fez o grupo amadurecer e sair do cordão umbilical de letras ingênuas e velocidade descomunal, aplicando uma mistura de samba, reggae e ska. “Assim Será” apresenta leves pitadas de samba, junto com o samba-choro de “Cadê Teu Suín?” possui outra letra maravilhosa, fazendo se destacar o que alguns chamam de genialidade para Camelo, apesar de eu discordar disso. Ainda temos a valsa de “Mais Uma Canção”, o sucesso “Fingi Na Hora Rir”, a ótima participação de Barba em “Casa Pré-Fabricada” e a balada “Adeus Você”, que encerra o álbum com um belo arranjo de metais. O disco não vendeu tanto quanto o primeiro, mas foi importante, pois acabou fazendo com que a banda ganhasse fãs reais e não fãs de uma canção, levando o grupo a tocar em locais menores, mas com muito mais retorno da plateia.

Em 2002, o DVD Luau MTV, com versões acústicas para algumas músicas dos dois primeiros discos, chegou às lojas, e começa a surgir o mito Los Hermanos, com fãs divulgando a banda através do boca-a-boca, opondo-se a participação na imprensa e crescendo cada vez mais o número de admiradores pelo país.


117060648_1GGVentura [2003]

Por motivos até hoje inexplicáveis, esse álbum estourou na internet antes mesmo do lançamento oficial, com o nome de Bonança. A expectativa ficou lá em cima, pois a qualidade do que “vazou” era enorme. A banda fez algumas pequenas alterações nas músicas e na ordem das canções e lançou, em 2003, o magnífico Ventura, para muitos, o melhor disco da banda. É a partir dele que Amarante e Camelo passam a dividir democraticamente as letras e as vozes das canções, e mostra um crescimento individual de cada membro do quarteto. Várias tornaram-se clássico, com destaque para “O Vencedor”, “Além do Que Se Vê”, abrindo espaço para o coral de vozes dos fãs cantarem pelo país, “Cara Estranho” e seu crescendo destruidor, “Um Par” e “Último Romance”, as duas cantadas por Amarante, sendo “Último Romance” uma das melhores faixas dos cariocas. Amarante é o grande nome do álbum, assumindo a guitarra e fazendo interpretações assombrosas em “Do Sétimo Andar” e “Deixa o Verão”, mas Camelo não fica atrás, tocando os fãs com um lado sentimental, através de “A Outra”, “Do Lado de Dentro” e “De Onde Vem a Calma“, outra pertencente ao hall de melhores canções do grupo. Há espaço para o samba de “Samba a Dois”, o clima viajante de “O Velho e O Moço”, o peso de “O Pouco Que Sobrou” e simplicidade de “Tá Bom” e “Conversa de Botas Batidas”, todas eternizadas nos diversos shows que o grupo fez pelo país, inclusive próximo a minha cidade natal, em Pelotas, quando conferi o quarteto pela primeira vez ao vivo, em um show inesquecível no Teatro Guarani lotado.

A turnê de Ventura contou com shows na Europa (Portugal e Espanha), e foi registrada no DVD Ao Vivo no Cine Íris, lançado em 2005. Foi nela também que Gabriel Bubu, Valtecir Bubu, Mauro Zacharias e Marcelo Costa cravaram sua espada como membros do baixo e do naipe de metais respectivamente. Com o crescimento da internet, surgem diversas comunidades e blogs dedicadas exclusivamente para o grupo. Ao mesmo tempo, Camelo consolida-se como compositor, tendo três músicas gravadas por Maria Rita em seu álbum homônimo: “Santa Chuva”, “Cara Valente” e a citada “Veja Bem Meu Bem”.


los-hermanos-44 [2005]

Após Camelo envolver-se em uma briga com o falecido Chorão (ex-Charlie Brown Jr.), que levou o vocalista santista a agredir covardemente Camelo no aeroporto de Fortaleza, chega às lojas 4, O DISCO do quarteto, mantendo a homogeneidade deVentura, alternando músicas mais trabalhadas com temas simples, porém com um elo muito forte à MPB, destacando bastante os metais e sendo a despedida essencial para os fãs. O álbum é considerado arrastado e depressivo, por conta de suas canções de abertura, a linda “Dois Barcos“, cantada arrasadoramente por Camelo, “Primeiro Andar”, essa com os vocais de Amarante e um interessante riff de guitarras, e a bossa-psicodélica “Fez-se Mar”, uma mistura de Elis Regina e Tom Jobim na melodia vocal de Camelo e nos acordes do violão. “Os Pássaros”, cantada por Amarante, chega a causa arrepios, tamanha a agonia e sofrimento expressas pela canção. “Morena” faz Camelo revisitar João Gilberto em um ótimo samba-choro, e “Sapato Novo“, com João Moraes no xilofone, tem sua pegada típica de Chico Buarque. Por outro lado, a latina “Paquetá” destoa bastante do clima denso do álbum, assim como “O Vento”, que inclusive foi tema de abertura do programa Malhação da TV Globo, e a barulheira infernal de “Condicional”. “Horizonte Distante” é uma das mais intrincadas peças do grupo, falando sobre disco voador e com Medina criando uma atmosfera muito sombria para os vocais de Camelo. “Pois É” tornou-se uma das favoritas dos fãs, com um clima bem leve, e “É De Lágrima” mantém a tradição de encerrar os álbuns do grupo com uma canção leve. O melhor álbum nacional dos últimos vinte anos, e que ainda está para ser descoberto pelos preconceituosos que torcem o nariz para o nome Los Hermanos.

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Los Hermanos em 2012

O grupo saiu em uma longa turnê de divulgação de 4 e, em abril de 2007, anunciou um recesso por tempo indeterminado nos trabalhos, alegando acúmulo de projetos pessoais. Os dois últimos shows da banda foram realizados na Fundição Progresso, no centro da Lapa (Rio de Janeiro) em julho de 2007, shows esses que foram mixados e lançados em CD e DVD Na Fundição Progresso, 09 de junho de 2007, em fevereiro de 2008. Camelo partiu para uma carreira solo, enquanto Amarante fundou o Little Joy, lançando um único álbum em 2008. Medina virou escritor em revistas e blogs, exercendo a profissão de publicitário, e Barba participou dos projetos Latuya e Canastra.

Em 2009 o grupo se reuniu para fazer a abertura dos shows de Kraftwerk (Rio de Janeiro, 20 de março) e Radiohead (São Paulo, 22 de março), e em 2012, o Box Los Hermanos, e mais uma série de shows pelo país. Em 2014 , a banda se reúne para 2 shows que celebravam os 450 anos de Rio de Janeiro e aproveita para fazer algumas apresentações. A turnê de 2019, ocorrida por conta dos 20 anos de seu primeiro álbum, ficou na cabeça dos fãs por conta dos shows no Maracanã (RJ) e Allianz Parque (SP), além do lançamento de um novo álbum ao vivo e de uma canção inédita, “Corre Corre”, seu primeiro lançamento desde o álbum de 2005. E assim se conclui (ao menos, por enquanto) a carreira de uma das melhores bandas do rock nacional. Um grupo infelizmente marcado por um hit que em nada condiz com a grandeza de sua obra, e que teve a sabedoria de encerrar as atividades no auge do sucesso, permitindo assim que a cada dia, mais e mais pessoas passem a admirar suas canções.

4 comentários sobre “Discografias Comentadas: Los Hermanos

  1. Muito legal a postagem, Mairon, concordo contigo quando os coloca como grande banda (que são – ou foram, sei lá se não voltam mais) de grandes discos (também acho o “4” excepcional, mas, discordando de você, eu coloco o “Ventura” à frente e ele sim o maior disco dos últimos vinte anos do rock nacional). Letras, timbres, harmonias, sacadas, os caras são diferenciados. Além disso, que outro lançamento (deles ou de outros) tem uma sequência tão poderosa quanto “O vencedor”, “Tá bom” e “Último romance”, “Do sétimo andar” e “A outra”? Leia as letras dessas cinco canções juntas, na sequência mesmo, para ver quão líricas são em uma mesma temática… Pelo potencial produtivo deles, pela idade e pelo “encerrar as atividades no auge do sucesso” ser O AUGE, eu realmente lamento que eles tenham encerrado tão cedo… Sabe a angústia na linha dos Smiths, que também tinham um armazém lotado de lenha para queimar? É por aí a minha melancolia… Ao menos o Los Hermanos já veio e foi algumas vezes, se não trazendo discos de inéditas, ao menos shows e discos ao vivo. Muito obrigado pelo texto!

    1. Entao Marcelo, eu sou um apaixonado pelo 4, mas acho que pela forma como o conheci, e a forma como o álbum me acompanhou em vários momentos difíceis. É como aquele amigo que posso contar sempre. A sua citação ao Smiths é perfeita, e ainda bem que os LH ainda conseguem reunir-se vez que outra para agradar os fãs. Ao mesmo tempo que lamento a carreira curta, fico feliz de ver que a banda não seguiu adiante em virtude das carreiras falhas do Camelo e do Amarante

      Eu que agradeço seu comentário

      Abraços

      1. Entendi… Aí não há critério algum que se sobreponha, o elemento sentimental é o que nos faz, inclusive, apreciar a arte. Nesse caso, o “4” mantém-se à frente do “Ventura”. E, mais uma vez, concordo contigo: não vi graça nas carreiras dos dois hermanos. Um abração e feliz Páscoa!

  2. Acompanho essa série das discografias comentadas na página faz muitos anos e fico muito feliz ao perceber que continuam na ativa com textos, mesmo na era dos podcasts. E parabenizo em especial as postagens dos irmãos Machado, que compartilho muito dos gostos e impressões (sobretudo do Mairon). Concordei demais com as impressões e comentários sobre os Hermanos, embora eu seja do time que prefere o Ventura. Cheguei a ir em 4 shows dos Hermanos antes de separarem e só lamento que a banda ao vivo era (no meu ponto de vista) bem aquém. Vide o único lançamento ao vivo em CD, na Fundição Progresso. Em todo caso, foi uma banda espetacular mesmo. O último grande fenômeno, acredito.

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