Titãs – Nheengatu [2014]

Titãs – Nheengatu [2014]

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Por Davi Pascale

O grupo paulista Titãs soltou um disco de inéditas em 2014. Reduzido à um quarteto (Branco Mello, Paulo Miklos, Sérgio Britto e Tony Belotto), os músicos traziam de volta algumas características que marcaram sua carreira na década de 80, algo que certamente agradou seus fãs mais antigos.

Embora seja verdade que tenham iniciado sua carreira como um grupo pop (basta ouvir “Sonifera Ilha” para entender o que estou falando), foi com seu som mais pesado que eles fizeram a cabeça da garotada. Quando lançaram a sua obra-prima Cabeça Dinossauro, a banda atingiu um status que não tinham alcançado até então. Com um LP que era ao mesmo tempo crítico e debochado, pesado e com nuances comerciais, os músicos se tornaram ídolos de boa parte dos rockeiros da época. Toda essa ousadia e criatividade foi por água abaixo com o sucesso do Acústico MTV.

Há quem questione o acústico, eu questiono o pós-acústico. Sério mesmo! Quando fizeram o programa, os defendi com unhas e dentes, mesmo que o resultado final tenha ficado um pouco distante daquilo que esperava. Via aquilo como um reconhecimento digno. Afinal, os considerava – e ainda considero – uma das grandes bandas do rock brasileiro. O problema é que após o programa, eles não apenas amoleceram seu som, como modificaram sua postura. Seria ousado se o mercado não estivesse vivendo uma retomada do segmento pop na ocasião. Aquela banda que antes ia contra a maré, agora ia a favor dela. Contudo, nem todos os discos lançados nesse período foram ruins, é verdade. Considero A Melhor Banda de Todos os Tempos e Como Estão Vocês? trabalhos bem bacanas, apesar dos pesares. Imaginava que o único modo de voltarem à ligar o famoso foda-se e entregar um material de inéditas sem pensar no bolso, seria com a indústria tendo alguma crise. Algo que ninguém imaginava que fosse acontecer quando venderam 1.000.000 de cópias com o apoio da MTV, mas que acontece atualmente. Há males que vem para bem. Em Nheengatu os músicos resgatavam muitas características que haviam sido deixadas de lado em seus trabalhos mais recentes. O velho Titãs estava de volta.

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Titãs retornam com álbum pesado e conteúdo crítico

O disco abre com “Fardado”, música que foi faixa de trabalho e que trazia uma nova crítica à polícia. Se no clássico dos anos 80, a inspiração era a indignação com o tratamento destinado aos usuários de droga, dessa vez a inspiração foi o modus operandi dos policiais nas manifestações que vinham ocorrendo no país. Mas nem só das manifestações vive o disco. Permeiam também o álbum os temas que indignaram todas essas pessoas: a falsa sensação de liberdade, a fome, a corrupção, a falta de segurança… Sim, a critica político-social é marca desse álbum.

“Cadaver Sobre Cadaver” traz talvez uma das letras mais fortes do disco. Composta por Paulo Miklos e Arnaldo Antunes, a faixa deixa nítida a insatisfação com o cenário que vivíamos (e ainda vivemos). Fala sobre a dificuldade que é viver em um país com problemas graves na área de saúde e segurança (Quem vive, sobrevive. No meio do tiroteio. No seio da calmaria. Morrem na guerra e na paz. De fome ou de anorexia). “Fala, Renata” retrata sobre a ânsia de se falar mesmo quando não tem algo a dizer. De pessoas que fazem criticas sem fundamento, sem embasamento e que estão mais preocupadas em criar tumulto do que em discutir algo. Algo cada vez mais comum nos dias dominados pela internet, onde a velocidade da informação é impressionante, mas a qualidade da informação, muitas vezes, é questionável. (Fala sem parar. Fala sem assunto. Difícil é escutar). A critica é válida tanto para a imprensa (cada vez dando mais importância para assuntos banais e criando diversas subcelebridades) quanto para o publico que antes mesmo de ouvir a segunda versão da história já está julgando o personagem principal.

Não escapam também dos compositores os assuntos como o racismo (quem não comentou, nem que seja pelo Facebook ou em algum bar, sobre o jogador que recolheu a banana do campo e comeu ao ser chamado de macaco?29) e a homofobia. Ambos os assuntos são retratados em “Quem São Os Animais?”, faixa de Sergio Britto, que questiona o posicionamento exagerado daqueles que se sentem incomodados com aqueles que possuem um tom de pele diferente ou uma opção sexual diferente da sua.

Há ainda espaço para uma releitura de “Canalha”. Vale lembrar aos mais jovens que essa canção não é do Camisa de Vênus. O grupo de Marcelo Nova fez uma (ótima) versão dessa música, mas a faixa é do compositor maldito Walter Franco, um dos principais nomes da música brasileira dos anos 70.

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Em seu primeiro álbum como quarteto, banda retoma relevância

Outras velhas características voltavam com força. As guitarras voltam a ganhar volume. Os palavrões e a ironia voltam à rondar seu trabalho. Em muitos momentos, os arranjos nos remetem aos seus discos mais pesados: Cabeça Dinossauro, Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, Tudo Ao Mesmo Tempo Agora e Titanomaquia. Parece que a turnê que realizaram comemorando os 20 anos do Cabeça acabou influenciando o rumos das composições. A maior diferença ficava por conta de Mario Fabre. Embora seu trabalho de bateria mantenha o espírito da banda, ele é mais contido do que Charles Gavin. Sinto falta de algumas viradas em algumas composições. Mas isso pode ser chatice minha, já que sou baterista. Talvez os demais fãs não pensem assim… De todo modo, não resta duvidas de que é um bom musico e combina com o grupo.

A influência da MPB ainda se fazia presente. “Baião de Dois” é uma que deixa isso claro. Tanto na concepção do seu arranjo quanto nas referências contidas na letra. Fazem parte da letra frases como ‘o mundo é um moinho’ (Cartola) e ‘a vida é um buraco’ (Pixinguinha). Mas tudo bem. Já haviam feito isso em “32 Dentes” com a frase: ‘meu pai um dia me falou para que eu nunca mentisse, mas ele se esqueceu de me dizer a verdade’. Frase “roubada” da canção “Traumas” de Roberto Carlos.

Nheengatu resgatava a criatividade e ousadia que os Titãs haviam deixado de lado há muito tempo. Certamente, seu melhor trabalho desde Domingo. Se você curtiu a banda nos anos 80 e inicio dos anos 90, vá sem medo. Na época, comprei o kit limitadíssimo que vinha com camiseta, bottom, caneca e o disco autografado. Quem aí se lembra disso?

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Kit limitado em 100 unidades: camiseta, caneca, bottom, 2 adesivos, 1 certificado de autenticidade e o novo CD autografado

Faixas:

1. Fardados
2. Mensageiros da Desgraça
3. Republica dos Bananas
4. Fala, Renata
5. Cadaver Sobre Cadaver
6. Canalha
7. Pedofilia
8. Chegada ao Brasil
9. Eu Me Sinto Bem
10. Flores Pra Ela
11. Não Pode
12. Senhor
13. Baião de Dois
14. Quem São Os Animais

3 comentários sobre “Titãs – Nheengatu [2014]

  1. Este disco é uma bomba!!!Sabe aquela “revolta” de adolescente classe média bem nutrido, sem foco, rasteira e com alvos óbvios e fáceis, embalada em supostos peso e agressividade tão inofensivos quanto estéreis? Pois é isso que temos aqui em doses ofensivas e cavalares, ou seja, uma “revolta” genérica de shopping center que fica bem tanto na voz de Ivete Sangalo quanto na de Xuxa, Luciano Hulk ou do Restart, e só na deles e de gente desse naipe de tão cínica que é… Vai por mim: acredite mais nos tiozões que se reuniram para ganhar alguns milhões em uma turnê de reunião, mesmo não se suportando (porque sabemos, a não ser os “inocentes”, que os caras só se reuniram pelos cifrões e mais nada!), do que nos pretensos “revoltados” desse disco! Não por acaso, os geniais CABEÇA DINOSSAURO e JESUS NÃO TEM DENTES NO PAÍS DOS BANGUELAS, mesmo tendo sido feitos décadas antes, estão bem mais atuais do que essa porcaria chamada NHEENGATU.

    1. Esse Nheengatu acho um bom disco. As bombas dos Titãs, para mim, são o Sacos Plásticos e a ópera-rock As Doze Flores Amarelas.

  2. Gosto de quase toda a obra dos Titãs, mas para mim a banda realmente ficou chata depois que o Nando Reis saiu (só não me lembro quando foi que isso aconteceu).

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