Datas Especiais: 30 Anos de Mood Swings

Datas Especiais: 30 Anos de Mood Swings

Por Diogo Bizotto

E eis que chegou o momento de celebrarmos os 30 anos do lançamento de Mood Swings, segundo álbum dos canadenses do Harem Scarem, lançado em 11 de junho de 1993. Nada mais justo, afinal, poucos grupos ligados ao lado mais melódico do hard rock ganharam um culto tão ímpar quanto a banda liderada pela dupla Harry Hess (vocais, guitarra, teclados) e Pete Lesperance (guitarra), especialmente em se tratando de formações egressas da década de 90. Levando em conta que a intenção desta coluna é justamente trazer informação a respeito dos bons artistas ligados a esse subgênero um tanto ignorado pela proclamada imprensa musical, a motivação torna-se ainda mais especial!

Mike Gionet, Pete Lesperance, Harry Hess e Darren Smith

Em outra feita, já abordei o primeiro disco do grupo, auto-intitulado. Lançado em 1991, Harem Scarem conseguiu aproveitar a rabeira do sucesso que o hard rock oitentista vinha fazendo ao redor do mundo e foi recebido positivamente, chegando a alcançar êxito moderado em seu país natal, inclusive emplacando um hit, “Slowly Slipping Away”, e dois outros sucessos menores, “Honestly” e “Love Reaction”. O cenário musical da época, porém, já apresentava  fortes indicativos de que o lado rock do mainstream estava prestes a ter seu equilíbrio desestabilizado, pendendo para o lado daquilo que era, até então, rotulado como “alternativo”. Dessa maneira, e também devido a outros fatores difíceis de determinar, afinal, a carreira do Harem Scarem não é exatamente muito bem documentada, a banda não conseguiu desbravar as paradas norte-americanas e teve seu crescimento restringido. Os canadenses, no entanto, conseguiram criar uma base bastante fiel de seguidores, que lhes atribuíram o status de cult, fato que cresceu mais e mais com o passar do tempo, tornando Harem Scarem um dos registros mais adorados por quem aprecia a faceta mais melódica do hard rock, superando grupos muito mais conhecidos e melhor sucedidos.

Em pouco tempo, porém, o Harem Scarem editaria um álbum capaz de fazer frente ao seu primeiro lançamento, confirmando de vez a capacidade do quarteto, completo por Darren Smith (bateria, vocais) e Mike Gionet (baixo), e conquistando popularidade no Japão, país que recebeu bem e abrigou várias bandas de hard rock que entraram em decadência, especialmente no mercado norte-americano, durante os anos 90. Mais do que isso, Mood Swings mostrou um grupo que não estava preso aos anos 80, apresentando uma produção que, apesar de não negar o estilo do quarteto, deixou para trás os vínculos mais fortes com a sonoridade da década anterior, que ainda apareceram com força em Harem Scarem. Mood Swings tem mais guitarras em profusão, menos teclados e mais peso em geral, além de Harry Hess, um dos melhores vocalistas de sua geração, abusar bem mais dos drives.

A formação clássica da banda, em 1993

Sobre as guitarras, é necessário abrir um aparte: Pete Lesperance conseguiu algo raro em se tratando de um músico que se consolidou após a grande explosão de guitar heroes que ocorreu nos anos 80. Sem necessariamente seguir uma escola pré-determinada, o guitarrista consolidou um estilo próprio que tem tanto a ver com a maneira como executa o instrumento quanto com o equipamento com que trabalha, extraindo uma timbragem reconhecível em poucos segundos. Tanto é que, mesmo com todas as possibilidades que a gravação digital ofereceu com o passar do tempo, Lesperance conseguiu fugir da pasteurização de sonoridades e ainda mantém essa característica intacta.

É justamente com sua guitarra, acompanhada de mais nada, que “Saviors Never Cry” abre esse pequeno clássico, cuja dose maior de agressividade fica bastante evidente quando os outros instrumentos ecoam nas caixas de som. Mesmo assim, em momento algum a banda esconde que sua verdadeira vocação é criar canções com um tino melódico muito acima da média, fazendo com que compor músicas viciantes pareça fácil, além de produzir refrões que trazem apelo comercial, mas não costumam cair nas armadilhas das rimas fáceis e batidas, denotando o esmero que a dupla de compositores Hess e Lesperance tem ao colocar suas ideias em prática.

A mídia de Mood Swings

Se em Harem Scarem o hit foi “Slowly Slipping Away”, coube, em Mood Swings, a “No Justice” a tarefa de ser o primeiro single. O impacto não foi o mesmo, mas, considerando a mudança de cenário, apenas uma conjunção muito positiva de acontecimentos conseguiria fazer com que uma banda da estirpe do quarteto canadense emplacasse um grande sucesso em pleno 1993. O fato torna-se ainda mais lamentável quando nos damos conta da qualidade da canção, destacando a performance de Lesperance, tanto em se tratando de bases quanto de solos (estes, próximos à linha de Eddie Van Halen), e o crescendo final, no qual a música adquire contornos quase heavy metal.

Parece ser um tanto inútil querer destrinchar faixa a faixa um disco como Mood Swings, cujas qualidades são tão evidentes e constantes que fica difícil conseguir não me repetir. Caso o leitor não conheça o álbum e já tenha chegado a esse ponto do artigo sem ao menos ter criado vontade de escutá-lo, dificilmente esse fato se modificará. No entanto, não posso deixar de citar que “Stranger Than Love” dá sequência ao disco de forma magnífica, enquanto “Change Comes Around” injeta ainda mais doses de guitarra, incluindo momentos em que Lesperance soa como uma mistura entre Eddie Van Halen e Paul Gilbert (Mr. Big). Como se não bastasse, “Jealousy” traz uma interessante pitada de blues e um refrão arrebatador, além de ter a maior cara de candidata a single, fato que infelizmente não se concretizou.

Ainda não se convenceu? Talvez a estreia do baterista Darren Smith como vocalista principal o convença, pois “Sentimental Blvd.” é empolgante do início ao fim, além de contar com uma bela letra. Aliás, nunca é tarde para frisar: ao contrário de grande parte de seus contemporâneos no hard rock, cuja preocupação com esse aspecto não era exatamente prioritária, o Harem Scarem costumava demonstrar mais esmero com esse elemento, tanto em se tratando de conteúdo, de caráter mais sóbrio que a maior parte das bandas do gênero, quanto na forma, preenchendo linhas vocais que trazem a marca registrada do melhor hard rock melódico que a década de 90 produziu.

Para atestar ainda mais os dotes de Lesperance nas seis cordas, a curta instrumental “Mandy” traz apenas o músico, amparado por leves camadas de teclados ao fundo, solando com sutileza, sem se preocupar com velocidade ou quaisquer outras demonstrações de exibicionismo. Já com Hess de volta ao microfone, “Empty Promises” traz mais uma performance esperta de Lesperance, além de, justiça seja feita, mostrar que Smith e Gionet também estavam na ponta dos cascos. Mais ainda, evidencia que vocais de apoio não eram problema para a banda, já que os outros músicos também se saem muito bem. Não à toa, em seus projetos fora do Harem Scarem, Lesperance e Smith assumiram o controle do microfone de forma satisfatória.

Single de “If There Was A Time”

Sei que afirmei parecer inútil destacar as qualidades de cada faixa, mas isso se torna ainda mais impossível ao ouvir uma canção como “If There Was a Time”. Teclados dão o clima que a introduz, seguidos pelo violão de Lesperance e pela voz de Hess, quase sussurrada, até explodir em gritos rasgados que viram a mesa e conduzem a música para um caminho diverso, atípico, mas que ainda assim é cheia de apelo, do tipo para ouvir em sequência, repetidas vezes. O Harem Scarem dá mais uma prova de seu talento vocal em “Just Like I Planned”, que, sem estar munida de linhas instrumentais, traz apenas as vozes do quarteto em um coral magnífico, conduzido por Hess e amparado pelos outros músicos.

“Had Enough” finaliza de forma quase metálica um álbum sem erros, colocando os ânimos no alto através de uma canção sem compromisso, mais básica e veloz, bem escolhida para ser o fechamento de Mood Swings, para muitos o melhor álbum daquilo que se convencionou rotular como AOR ou hard rock melódico em todos os tempos, disputando, inclusive, esse título com seu predecessor. Da mesma maneira que a banda não se limitou a repetir em seu segundo disco o trabalho que apresentou no primeiro, o Harem Scarem seguiu uma interessante linha evolutiva em seu terceiro registro, Voice of Reason (1995). Trata-se de uma progressão natural de seu antecessor, explorando dessa vez uma faceta mais sombria, mas que infelizmente não foi tão bem compreendida, fazendo com que esse álbum não seja tão bem cotado quanto os dois primeiros lançamentos.

O grupo, que passou por mudanças de formação e chegou a encerrar atividades após o lançamento de Hope (2008), voltou em 2013 com Hess, Lesperance, Smith e Creighton Doane, que chegou a ocupar o posto de baterista, no baixo, quando lançou Mood Swings II, disco que consiste justamente saciando uma base de fãs que pode não ser grande, mas que tem um apreço muito especial pelo trabalho desses canadenses.

Contra-capa

Track list

  1. Saviors Never Cry
  2. No Justice
  3. Stranger Than Love
  4. Change Comes Around
  5. Jealousy
  6. Sentimental Blvd.
  7. Mandy
  8. Empty Promises
  9. If There Was a Time
  10. Just Like I Planned
  11. Had Enough

 

Um comentário em “Datas Especiais: 30 Anos de Mood Swings

  1. Álbum extremamente subestimado de uma banda igualmente injustiçada em se tratando de reconhecimento, inclusive por grande parte dos próprios fãs de hard rock e AOR. Acredito que um dos motivos seja pelo fato do Harem Scarem ser aquele tipo de banda que nunca se repete, nunca fazem o mesmo disco duas vezes, sempre procurando se renovarem, porém mantendo as principais características da banda como as melodias e refrães marcantes, o vozeirão suave e agressivo ao mesmo tempo do Harry Hess e os solos certeiros e únicos do Pete Lesperance, esse sem exageros de nenhuma forma, embora virtuoso mas sempre jogando para a música. Enfim, na minha opinião trata-se de uma banda de extrema qualidade com uma vasta discografia com pouquíssimos pontos baixos e qualidades muito acima da média. Recomendo pra fãs do hard rock e AOR não tão convencional mas mantendo a essência do estilo sem se repetirem a cada lançamento.

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