Datas Especiais: 50 Anos de Eat It

Datas Especiais: 50 Anos de Eat It

Por Marcello Zapelini

Lançado no início de abril de 1973, o sétimo disco do Humble Pie, e o segundo após a saída de Peter Frampton – e sua substituição pelo excelente Clem Clempson (ex-Bakerloo e Colosseum), Eat It representou uma tentativa de encapsular tudo o que o Humble Pie representava em um só lançamento. O álbum duplo possuía uma personalidade distinta para cada um de seus quatro lados: o primeiro concentrava composições mais pesadas, o segundo trazia covers para clássicos do soul e rhythm & blues, o terceiro apresentava o lado acústico, folk, do Pie, e o quarto foi gravado ao vivo.

Um pouco de história cabe aqui. Steve Marriott (guitarra, teclados, harmônica, vocais) deixou o Small Faces no início de 1969 após lançar o sensacional Ogden’s Nut Gone Flake, um dos primeiros discos conceituais da história e um verdadeiro triunfo em termos de composições e apresentação gráfica. Marriott queria trabalhar com um jovem guitarrista, oriundo da teen band The Herd, chamado Peter Frampton que, como ele, era capaz de se virar bem no teclado e era um bom cantor. Um ótimo baterista adolescente chamado Jerry Shirley foi recrutado, e para o baixo e vocal veio outro músico conhecido, Greg Ridley, que não pensou duas vezes em deixar o Spooly Tooth para se juntar a Marriott e seus colegas.

Em agosto de 1969, a nova banda estreava com o single “Natural Born Bugie” e, logo depois, o LP As Safe As Yesterday Is, lançados pela gravadora do ex-empresário dos Rolling Stones, o famigerado Andrew Loog Oldham. Esse disco trazia todas as influências dos músicos e possuía uma ótima versão para “Desperation”, do Steppenwolf. O line-up de Marriott, Frampton, Shirley e Ridley gravou mais quatro discos: “Town and Country”, que refletia o interesse de Frampton pelo som acústico e pela música folk, o auto-intitulado Humble Pie, primeiro álbum pela A&M Records (a Immediate tinha falido), e Rock On, ambos com som mais pesado e pouco espaço para o material acústico. Os discos venderam razoavelmente na Inglaterra, mas a banda precisava de algo mais para conquistar os EUA, e essa veio com Performance: Rockin’ The Fillmore, gravado ao longo de quatro shows no Fillmore East – e simplesmente um dos melhores álbuns ao vivo de todos os tempos (se tiver oportunidade, confira a box com os quatro shows completos).

Aí veio a bomba: Peter Frampton estava fora. De acordo com ele, o fato de o grupo estar se voltando cada vez mais para o hard rock não era o que ele desejava para sua carreira, portanto, sair e fazer seu próprio trabalho era uma escolha natural. Clem Clempson, desempregado após o fim do Colosseum, foi convidado para seu lugar, e o Pie continuou. Entretanto, a dinâmica do grupo tinha sido alterada. Embora Clempson seja um excelente guitarrista, não era um cantor adequado para o Humble Pie, fazendo com que a maioria dos vocais nas músicas ficasse a cargo de Steve Marriott, com Greg Ridley se encarregando de uma ou outra a cada disco, e compunha menos do que Frampton. Smokin’, lançado em 1972, manteve o Pie em alta, e escancarou o amor de Marriott pelo soul e rhythm & blues; como uma progressão natural, a banda ampliou essa influência, contratando um trio de vocalistas (Clydie King, Venetta Fields e Billie Barnum) para os backing vocals nos shows. As cantoras, rebatizadas The Blackberries, acompanhariam o grupo em Eat It e Thunderbox e, inclusive, com acompanhamento do Pie e produção de Marriott, lançaram dois singles pela A&M.

Isso nos leva a Eat It. O ambicioso álbum duplo trazia, em sua edição original, um belo livreto de ilustrações e fotos da banda no palco, tornando a edição original uma raridade nos dias de hoje, já que está ausente dos relançamentos posteriores em vinil ou CD. O disco abre a todo vapor com a dobradinha “Get Down to It” e “Good Booze and Bad Women”, que mostram o peso do Pie aliado aos vocais das Blackberries. “Is it for Love?” suaviza o som, dando uma chance ao ouvinte de respirar, e “Drugstore Cowboy” encerra o lado A em alto astral, com belo trabalho de Clempson e Marriott nas guitarras. O lado B mostra que, quando se tratava de recriar composições alheias, Marriott e seus colegas eram verdadeiros mestres. O material de “Performance” demonstrava isso, pois era quase todo composto por covers; aqui a banda recria “Black Coffee”, “I Believe To My Soul” (com um belo solo de Sidney George no sax, seguido por outro não menos impressionante de Clempson), “That’s How Strong My Love Is” e “Shut Up Don’t Interrupt Me” (com Ridley assumindo parte dos vocais), clássicos da música negra americana que mostram que, em termos de potência vocal, Marriott estava à altura dos velhos mestres. Nessas músicas, as Blackberries dão um verdadeiro show (alternando-se no vocal solo em “That’s How Strong…”), enquanto a banda está totalmente à vontade.

O segundo LP abre com três canções acústicas, “Say No More”, “Oh Bella” (que apresenta B. J. Cole na steel guitar) e a bluesy “Summer Song”, trazendo de volta o lado folk e country do Pie original. A quarta música, “Beckton Dumps”, joga os holofotes sobre Clempson, que brilha na slide guitar e restabelece o peso do álbum – um aperitivo para o lado D do álbum original, gravado ao vivo em Glasgow (Escócia), em 1973. Após a pesada “Up Our Sleeve” (única composição original com a coautoria dos outros membros da banda), há uma versão incendiária para “Honky Tonk Women”, com as Blackberries mostrando sua potência no palco, e a longa “Road Runner”, que remete às jams de Performance e fecha os 65 minutos do álbum duplo com maestria. Um adendo: nunca li nada a respeito, mas sempre tive a suspeita de que os backing vocals desta última música foram regravados em estúdio, pois me soam mais claros do que o resto dos vocais e instrumentos. Nos anos 90, a King Biscuit Flower Hour lançou uma gravação de um show no Winterland de San Francisco, mais ou menos da mesma época, que mostra que essa versão do Pie não devia em nada àquela com Frampton.

Eat It teve um desempenho respeitável na parada norte-americana, atingindo o 13º posto na parada norte-americana, mas o Humble Pie iniciou seu declínio com esse álbum. As gravações de estúdio foram feitas na casa de Steve Marriott – por insistência do líder da patota – e sua qualidade sonora deixa um pouco a desejar. Clem Clempson e Jerry Shirley foram especialmente críticos dessa escolha, e Shirley queixou-se da mixagem, que tirou muito das músicas mais pesadas, como “Get Down to It”; Clempson afirmou que nessa música, sua guitarra estava mais alta do que o vocal! A banda ainda lançaria Thunderbox, outro álbum eclético que não repetiria o bom desempenho nas paradas. Marriott queria lançar um disco solo, mas a A&M pressionou por um novo álbum do Pie, levando ao lançamento de Street Rats, que desagradou a todos e acabou com o grupo. Jerry Shirley não deixou o Pie morrer e vem liderando a banda, que contou com Ridley até sua morte em 2003 e hoje inclui Clempson novamente. Mas Marriott, alma do grupo, nunca mais atingiu o sucesso que merecia: tendo fracassado em sua empreitada solo, voltou com o Small Faces, depois com o Humble Pie (em formação que incluía Shirley, o ex-Jeff Beck Group Bobby Tench na guitarra e vocal e Anthony Jones no baixo), e passou os anos 80 com uma banda chamada Packet of Three, com a qual fez muitos shows na Inglaterra.

Em 1991, Peter Frampton convidou Steve Marriott para viajar aos EUA para retomarem sua parceria, negociando um novo contrato; na volta, com um caso sério de jet lag, Marriott adormeceu em sua casa, que se incendiou, matando o maior cantor de rhythm & blues que a Inglaterra gerou.

Junto com Performance, Eat It mostra toda a versatilidade de Marriott como cantor, instrumentista e compositor, e, junto com Performance, é uma das melhores formas de honrar sua memória. Desde o ano passado, o álbum está disponível na box The A&M Box Set 1970-75, junto com outros seis álbuns do período e um disco de raridades – vale a pena ir atrás!

Track list

  1. Get Down To It
  2. Good Booze And Bad Women
  3. Is It For Love?
  4. Drugstore Cowboy
  5. Black Coffee
  6. I Believe To My Soul
  7. Shut Up And Don’t Interrupt Me
  8. That’s How Strong My Love Is
  9. Say No More
  10. Oh, Bella (That’s All Hers)
  11. Summer Song
  12. Beckton Dumps
  13. Up Our Sleeve
  14. Honky Tonk Women
  15. Road Runner

2 comentários sobre “Datas Especiais: 50 Anos de Eat It

  1. Disco realmente revolucionário. A carreira do Humble Pie é muito centrada na obra de Peter Frampton (que na minha humilde opinião é realmente a melhor), mas há muito material de qualidade pós-sua saída, com Eat It sendo o mais alto quilate dessa joita. Steve Marriott é um dos grandes nomes do rock, pena que seu reconhecimento não seja no nível de sua obra. Baita texto!!!

  2. Valeu, Mairon! Este disco foi o meu segundo LP do Humble Pie, a capa estava toda ferrada – e não tinha o livreto – mas os discos estavam bons. Para mim a fase do Pie com o Clempson começa muito bem, com o Smokin’ e este aqui, e acaba mal com o Street Rats, mas, considerando o histórico da gravação, até acho que podia ser pior. Para mim o Marriott foi um dos melhores da sua geração, especialmente pela voz excepcional! Os cinco discos com o Frampton realmente são os melhores, em especial o Rock On e o terceiro, autointitulado. E claro, o Performance é imbatível

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