Cinco Discos para Conhecer: O Rock Progressivo Alemão

Cinco Discos para Conhecer: O Rock Progressivo Alemão

Por Fernando Bueno

É inegável que o berço do rock progressivo é a Inglaterra. Os pilares do estilo surgiram ali e as diversas vertentes, pelo menos as mais importantes delas, também acabaram surgindo em solo inglês. Porém outros países ajudaram a moldar essa sonoridade tão apaixonante e os principais deles, a meu ver, são a Alemanha e a Itália. Para o rock progressivo italiano já publicamos aqui na Consultoria do Rock alguns textos (clique aqui, aqui e aqui para saber mais). Alguns textos sobre os alemães também já surgiram nas nossas páginas, sendo o principal deles uma edição desse mesmo Cinco Discos Para Conhecer feito pelo nosso colaborador mais sumido, Marco Gaspari (leia a matéria aqui).  Nessa oportunidade ele nos apresenta bandas que são classificadas dentro do que se convencionou a chamar krautrock, um termo um pouco controverso, carregado de preconceito e que não é tão aceito pelos próprios alemães, mas que acabou se difundindo e se estabelecendo. Assim, optei para apresentar nessa edição um apanhado de bandas mais ligadas ao progressivo sinfônico, que é também o meu preferido dentro desse caldeirão de influências do estilo. O critério para escolhas de cada um dos discos foi totalmente pessoal também. Não me preocupei em colocar o principal ou o mais aclamado pelos fãs. Se você sentir falta de alguém deixe nos comentários o nome da banda e o disco que você indicaria. Quem sabe não fazemos uma segunda parte. Não deixe de ouvir a playlist especial criada para essa matéria.


Triumvirat – Mediterranean Tales (Across the Waters) (1972)

Triunvirato, ou triarquia, é o nome do sistema político romano em que existia um conjunto de três governantes com um mesmo poder e importância. Pensando assim é um belo nome para uma banda de três componentes, mesmo que seja clara a liderança do tecladista Jürgen Fritz (mas no primeiro triunvirato romano também teve uma ascendência de Julio Cesar, não é?). Esse é o disco de estreia da banda alemã e a comparação com o Emerson, Lake and Palmer foi inevitável, não só por conta da formação, mas também por sua sonoridade. A longa faixa de abertura entrega tudo o que teremos no álbum e um pouco da carreira do Triumvirat também. A lembrança de algumas peças de Mozart também vai aparecer para os mais detalhistas o que já mostra uma das características principais do Triumvirat, a sua clara inspiração em música erudita (lembram do ELP de novo?). Mesmo assim, é injusto tratar o que o Triumvirat fez em sua carreira como mera cópia, basta ouvir com atenção para sacar a identidade própria do grupo. “E Minor5/9 Minor 5” tem uma progressão totalmente hipnótica e “Broken Mirror” apresenta um trabalho vocal muito acima da média (lembrando até os Beatles em algumas passagens), além de uma belíssima melodia. Nos anos seguintes as comparações com o ELP ficariam um pouco menor já que a banda passou a ser tratada como a banda do rato, por conta de suas capas. Por falar em capa essa de Mediterranean Tales é linda!

Line-up: Jürgen Fritz (teclados), Hans Bathelt (bateria) e Hans Pape (baixo e vocal)

Track List:
01 – Across the Waters
02 – Eleven Kids
03 – E Minor 5/9 Minor /5
04 – Broken Mirror


Grobschnitt – Grobschnitt (1972)

Não se engane com o início desse álbum. O coro nas paradas instrumentais é quase cômico. Dá para imaginar um grupo de amigos cantando, bebendo e fazendo zueira. O grupo sempre foi adepto à comédia, apresentando até esquetes durante seus shows. Mas esqueça a zueira, o que o Grobschnitt entrega é um dos sérios candidatos à melhor do prog alemão. Aliás, a banda é uma das mais prolíferas do país, com muitos álbuns para desespero daqueles que gostarem e resolverem colecionar seus discos, mesmo que em algum momento os alemães tenham se afastado do progressivo mais tradicional e seguido a tendência de muitos medalhões nos anos 80. Ao contrário de outras bandas dessa lista é difícil compará-los à apenas uma banda mais conhecida. O leque de possibilidades do Grobschinitt é bastante amplo. Eles passam da simplicidade ao virtuosismo com muita naturalidade. Um exemplo é o peso do início de “Travelling”, que desemboca em uma batida quase tribal e nos leva para passagens frenéticas de guitarra, baixo e bateria. “Sun Trip” é a longa suíte da vez, com seus mais de 25 minutos de duração, inicia com uma narração em alemão, daqueles bem característicos mesmo. A alternância na dinâmica da música é grande, uma verdadeira viagem sonora com direito até a sons de batalhas. Não se engane, lá pelos 12 minutos de música tudo se transforma e até parece que é outra faixa, mas não a música é a mesma. Ouvir esse disco e depois os outros seguintes dá para notar que a banda ainda viria a evoluir muito mais, mas o que me pega aqui é justamente a espontaneidade dos músicos, que estavam fazendo aquilo que vinha de suas inspirações mais primitivas mesmo.

Line-up: Joachim Ehrig (programação e bateria), Axel Harlos (bateria), Stefan Danielak (guitarra e vocal), Bernhard Uhlemann (baixo e flauta), Gerd-Otto Kühn (guitarra), Hermann Quetting (teclados)

Track List:
01 – Symphony
02 – Traveling
03 – Wonderful Music
04 – Sun Trip


Novalis – Novalis (1975)

Quer progressivo alemão? Então que tal ouvir direto na língua nativa? É o que entrega o Novalis nesse seu segundo disco, apesar da banda trabalhar bem em longa partes instrumentais como a faixa de abertura que representa de forma perfeita o melhor do que já foi feito no progressivo sinfônico. A segunda música tem a voz de Heino Schünzel, que também é o baixista. Em uma faixa que beira os 10 min, com diversas passagens em que cada instrumento faz sua performance, não necessariamente em formato de solo. As melodias e progressões me fazem lembrar o Camel, além de um solo de vocal feminino muito bonito. Os sites especializados indicam o álbum seguinte, Sommerabend (1976), que é ótimo, assim como seu álbum de estréia, Banished Bridge (1973). Caso o leitor queira ir direto em algo mais característico e que represente bem o que é o rock progressivo alemão sugiro começar por esse disco.

Line-up: Lutz Rahn (teclados), Hartwig Biereichel (bateria), Heino Schünzel (baixo e vocal) e Detlef Job (guitarra)

Track List:
01 – Sonnengeflecht
02 – Wer Schmetterlinge lachen hört
03 – Dronsz
04 – Impressionen
05 – Es färbte sich die Wiese grün


Eloy – Ocean (1977)

Sei que o Ocean não seria a escolha de muitos dos leitores e fãs da banda, mas eu tenho um carinho muito especial por ele. Adorei a capa logo quando vi (no vinil em gatefold deve ficar fantástica), foi o primeiro que ouvi, o primeiro que comprei e é o primeiro que lembro toda vez que tenho que citar a banda para alguém, mesmo o consenso dos fãs e publicações especializadas dizer que o principal disco da banda é seu sucessor, Silent Cries and Mighty Echoes (1979). Todos que ouvem o Eloy pela primeira vez notam que Frank Bornemann tem um sotaque bastante carregado e até incomum, pois ouvimos tantas bandas alemãs que passariam perfeitamente por americanas ou inglesas que ficamos com a impressão de que isso é algo até proposital. É quase incontrolável a comparação do Eloy com o Pink Floyd. Aquela sonoridade que muitos chamam de space rock, os climas e timbres, lembram muito a banda de David Gilmour. Mas dá para identificar muitas outras influências no som do quarteto alemão – Camel e Yes são duas que vem à mente logo de cara. O conceito do disco fala sobre a criação da mítica cidade de Atlântida por Poseidon, senhor dos terremotos e deus dos mares e oceanos. As letras são um tsunami de mitologia e filosofia para quem se aprofundar, mas a criação de Atlântida, de seus habitantes, os conflitos e por fim, sua destruição, são uma alegoria aos períodos tensos da Guerra Fria com o constante medo de uma guerra nuclear. Quando saiu, o álbum vendeu bastante na Alemanha, mais do que bandas inglesas já consagradas fazendo o nome do Eloy crescer entre os fãs de progressivo. Ocean ganharia uma continuação (com o “criativo” nome Ocean 2) em 1998, com a volta de integrantes depois da banda passar anos somente com Bornemann na formação, porém não teve a mesma repercussão mesmo com a onda da nostalgia com o progressivo setentista em alta na época.

Line-up: Frank Bornemann (guitarras e vocal), Klaus-Peter Matziol (baixo), Detlev Schmidtchen (teclados) e Jürgen Rosenthal (bateria e sopros)

Track List
01 – Poseidon’s Creation
02 – Incarnation of the Logos
03 – Decay of the Logos
04 – Atlantis’ Agony at June 5th – 8498, 13 P.M. Gregorian Earthtime


RPWL – Trying To Kiss The Sun (2002)

Não poderia de deixar de colocar alguma coisa mais recente aqui nessa lista. Tudo bem que escolhi um álbum de 2002 que já tem impressionantes 21 anos de seu lançamento – poderia até ter escolhido o Tales From Outer Space de 2019 que é ótimo também. O RPWL iniciou como uma banda cover de Pink Floyd e daí você pode tirar suas conclusões sobre qual é a sonoridade do grupo. As passagens prog estão temperadas por um apelo mais pop que é feito com maestria. Dos discos apresentados aqui esse é o de mais fácil assimilação para aqueles que não tem o rock progressivo como seu estilo favorito. Outro ponto que diferencia o RPWL das outras bandas aqui é a duração das músicas. Basta ver que esse álbum possui 10 faixas enquanto os outros álbuns tem no máximo 5. Tudo isso demonstra que o progressivo não precisa de complexidades instrumentais, faixas, solos e passagens longuíssimas para ser bom. E obviamente não estou criticando as bandas que fazem isso, mas apenas tentando eliminar estereótipos. Das batidas étnicas da primeira faixa, passando pelas guitarras gilmorianas até as partes mais psicodélicas com direito até ao uso de sítara, o RPWL nos entrega um excelente álbum que pode até ter sido superado nos seus álbuns seguintes – Stock (2003) e principalmente World Throught My Eyes (2005) – mas Trying to Kiss the Sun continua sendo o meu favorito.

Line-up: Yogi Lang (Vocals e teclados), Karlheinz Wallner (guitarra), Andreas Wernthaler (teclado), Stephan Ebner (baixo) e Philipp Rissettio (bateria)

Track list:
01 – Trying to Kiss the Sun
02 – Waiting for a Smile
03 – I Don’t Know (What It’s Like)
04 – Sugar for the Ape
05 – Side by Side
06 – You
07 – Tell Me Why
08 – Believe Me
09 – Sunday Morning
10 – Home Again


DISCO BÔNUS

Nektar – Remember the Future (1973)

Normalmente não colocamos discos bônus nessa sessão – cinco são cinco, não é? Porém, quando rascunhei os álbuns que entrariam nessa edição esse foi um dos primeiros que lembrei. Porém por ter a controvérsia de que o Nektar não é necessariamente uma banda alemã e o tema é justamente progressivo alemão fiquei na dúvida se colocaria ou não. Aí estou usando de uma certa malandragem para não deixar de citar essa maravilha. Da formação que gravou esse disco três são ingleses e um escocês (o tecladista Alan Freeman). Porém é muito comum considerar o Nektar uma banda alemã por ter sido formada e ter sua carreira se consolidada na Alemanha, em Hamburgo para ser mais exato, e só depois ir para outros países. Mais ou menos o que acontece com o AC/DC, uma banda nascida na Austrália e formada praticamente por escoceses. A banda até é citada quando o assunto é krautrock. Assim como muitos, conheci o Nektar por conta da versão de “King of Twilight” que o Iron Maiden gravou e saiu no lado B do single de “Aces High”. Porém poucos, os que foram atrás da versão original no álbum A Tab In The Ocean, sabem que o Maiden fez um medley com duas faixas do disco e o início da música contém partes de “Crying in the Dark” e só depois “King of Twilight” é tocada. Mas estou aqui para falar de outro disco do Nektar, talvez seu disco mais celebrado e a escolha entre um e outro foi pelo fato de eu entender que A Tab In the Ocean é mais hard e como a ideia é apresentar discos de progressivos de fato optei pelo Remember the Future. Entretanto, os primeiros minutos de “Remember the Future – Part One” é muito alinhado com o que chamamos de hard setentista, mas a partir disso a música toma outras direções, suaviza as melodias e se desenvolve para uma clássica música de prog rock. O disco é composto praticamente por uma música dividida em duas partes cada uma em um dos lados do LP. As versões em CD lançadas posteriormente continham uma versão editada da faixa toda e mais duas outras que só tinham saído em singles da época (a floydiana “Lonely Roads” e “Let it Grow” que é somente uma das partes da música que estava no disco).

Line-up: Allan Freeman (teclados), Roye Albrighton (guitarra e vocal), Derek Moore (baixo) e Ron Howden (bateria)

Track List:
01 – Remember the Future (Part I)
02 – Remember the Future (Part II)

5 comentários sobre “Cinco Discos para Conhecer: O Rock Progressivo Alemão

  1. O prog alemão é muito bom, e as escolhas feitas são muito interessantes – não conheço o RPWL, vou conferir. O primeiro álbum do Triumvirat tende a ser meio esquecido por causa do sucesso de “Illusions on a Double Dimple” (meu favorito deles) e “Spartacus”, mas é muito legal. Quanto ao Grobschnitt, pensei que a escolha seria o “Ballermann” ou o “Solar Music Live”, por causa de “Solar Music”, obra-prima da banda; nunca dei muita atenção para esse primeiro disco, então vou ter que ir atrás! Novalis e Eloy são casos diferentes, os discos dos anos 70 têm um alto padrão em geral, e no caso do segundo, “Ocean” também é meu favorito. Por fim, o Nektar não poderia estar melhor representado – embora por questões sentimentais o meu favorito da banda seja “…Sounds Like These”, que não chega a ser a melhor escolha para introduzir a banda…

    1. Sem o Pell Mell, sem o Jane, sem o Anyone’s Daughter, sem o Can, sem o Faust e sem um monte de outros…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.