Maravilhas do Mundo Prog: Pink Floyd – Atom Heart Mother [1970]

Maravilhas do Mundo Prog: Pink Floyd – Atom Heart Mother [1970]

Por Mairon Machado

Esse ano, o Maravilhas do Mundo Prog irá homenagear os considerados cinco grandes grupos do rock progressivo britânico: Pink Floyd; Genesis; Yes; King Crimson e Emerson Lake & Palmer. Apesar de tantos outros grupos britânicos do gênero terem se destacado com relevância no cenário progressivo mundial, esses cinco foram os que conquistaram mais seguidores, e até hoje, são os que mais venderam LPs dentro do estilo.

Sendo assim, mensalmente, irei dedicaremos este espaço para esses que foram verdadeiros geradores de Maravilhas Prog durante suas carreiras. Começamos então com aquele que provavelmente seja o mais reconhecido dentre eles. Afinal, qualquer ser humano que tenha um pequeno contato com a música já ouviu falar de Pink Floyd.

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Roger Waters, Nick Mason, Rick Wright (acima); David Gilmour (abaixo)

O grupo já teve uma Maravilha Prog apresentada aqui há algum tempo, mas ela com certeza não é a única. Desde o início do grupo, em 1967, aonde a psicodelia lisérgica dos pubs londrinos incendiava as composições do quarteto formado por Syd Barrett (guitarra, vocais), Roger Waters (baixo, vocais), Rick Wright (órgão, piano, vocais) e Nick Mason (bateria), canções como “Interstellar Overdrive” e “Astronomy Domine” (lançadas no essencial The Piper at the Gates of Dawn) já mostravam pinceladas do caminho prog que os ingleses percorreriam anos depois.

Com A Saucerful of Secrets (1968), veio David Gilmour para o lugar de Barrett, e o Pink Floyd fincava de vez um dos pés no progressivo, com a espetacular suíte-título. A trilha para o filme More (1969), de Barbet Schroeder, bem como a pequena participação na trilha do filme Zabriskie Point (1970, de Michelangelo Antonioni), foram uma fuga eficiente para o novo quarteto passar a experimentar com novos instrumentos, como o moog, mellotron e gravações. Essa mudança pôde ser ouvida no álbum duplo Ummagumma (1969), no qual cada um dos músicos teve seu espaço para fazer o que bem entender, ocupando um disco inteiro de Ummagumma (deixando o outro para gravações ao vivo, repletas de experimentação).

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Contra-capa de Atom Heart Mother

Mas foi com o quinto álbum oficial que o Pink Floyd finalmente lançava sua primeira e verdadeira Maravilha Prog, e para construir a mesma, a tarefa foi árdua. “Atom Heart Mother” é uma incrível suíte de pouco mais de vinte e três minutos, dividida em seis partes, e que causa um espanto inicial ao fã do Pink Floyd, seja ele aquele que apenas conhece “Another Brick in the Wall Part 2”, seja aquele que já tenha um contato maior com álbuns clássicos, como Dark Side of the Moon (1973) e Wish You Were Here (1975), ou até mesmo o mais cavernoso dos fãs, que vive na sua louvação para Barrett.

Com a colaboração de Alan Parsons como engenheiro de som, Ron Geesin como compositor auxiliar, o Coral John Aldiss e a Abbey Road Session Pops Orchestra, o quinteto trancou-se nos estúdios da Abbey Road entre fevereiro e agosto de 1970, para sair de lá com um dos grandes álbuns do rock progressivo, que acabou levando o nome de nossa Maravilha Prog.

A ideia inicial foi tentar aproveitar o material que o grupo havia composto para Ummagumma e Zabriskie Point, e principalmente, inserir cordas ao som do Pink Floyd, o que era algo atraente para os ouvidos principalmente de Waters, Wright e Gilmour. O guitarrista, por exemplo, criou a sessão inicial da canção, originalmente chamada “Theme from an Imaginary Western”, e que posteriormente virou “Father’s Shout”.

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Ron Geesin

Mas, por incrível que pareça, “Atom Heart Mother” ganhou forma em cima do palco. O grupo começou a apresentar versões iniciais da suíte em 17 de janeiro de 1970, no Hull University, de Kingston (Inglaterra), e desde ali, manusearam as diferentes partes apresentadas, até chegarem em uma versão final dois meses depois. Tendo as melodias concluídas, foi a vez da participação de Geesin, responsável por inserir as cordas dentro das linhas musicas do quarteto. O trabalho de Geesin foi estafante, até por que nenhum dos músicos do Pink Floyd sabia ler música. Por outro lado, a gravadora EMI cedeu sua Orquestra para acompanhar as gravações, o que facilitou na questão de preparação para a gravação. por fim, o coral de John Alldis, contando com dezesseis membros, foi chamado para fazer as partes vocais, com o regente sendo o próprio Alldis.

Durante o festival de Bath (27 de junho de 1970), uma versão quase completa de “Atom Heart Mother” foi apresentada ao grande público, com o nome de “Epic”, sendo que originalmente, ela era para ser chamada “The Amazing Pudding”. Somente em 16 de julho de 1970, durante uma apresentação no BBC Radio 1, Geesin sugeriu o título “Atom Heart Mother”, inspirado em uma manchete do jornal Evening Standard, a qual narrava a história de uma mulher possuindo um marca-passo controlado por energia nuclear.

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Nick Mason

Nossa Maravilha surge nos sulcos do vinil através de “Father’s Shout”, com os metais fazendo uma espécie de apresentação dos principais temas da suíte, destacando as trompas e a sobreposição dos instrumentos. Um tema marcado e somos apresentados ao tema central da canção, feito pelas trompas e com o acompanhamento de guitarra, baixo, órgão e bateria. O tal “Theme from an Imaginary Western” aparece, com relinchos de cavalos e galopes, entre as marcações das trompas, e após uma moto cruzar diante dos instrumentos, o tema central é repetido.

Entramos na linda “Breast Milky”, na qual um violoncelo faz o belíssimo solo da canção, enquanto Wright dedilha o órgão, acompanhado pela marcação do baixo. Mason surge fazendo intervenções que acompanham o ritmo das notas do baixo, e o violoncelo dá espaço para Gilmour solar com a slide guitar, acompanhado pelo leve andamento dos demais integrantes do Floyd. “Breast Milky” então ganha um lindo crescendo com a entrada dos metais e do piano, que fazem a base para o solo rasgado e emocionante da guitarra, um dos melhores da carreira de Gilmour. No final dessa sessão, o coral surge fazendo pequenas intervenções, que levam para “Mother Fore”.

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David Gilmour

Nela, o coral predomina. Acompanhado apenas pelo órgão de Wright, o coral surge primeiro com vozes feminininas fazendo um duelo em particular,o qual vai crescendo, trazendo as demais vozes do coral que entoam mais um tema emocionante. A explosão ocorre com a entrada da percussão, com o coral repetindo o tema principal dessa terceira parte em uníssono, destacando a marcação dos barítonos, além de Wright ser um atraente a mais com o seu órgão.

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Rick Wright

É o órgão que nos leva para “Funky Dung” aonde ouvimos apenas uma bluesística jam session, com Gilmour solando sem parar, melódicamente, acompanhado pelo leve andamento do órgão, baixo e bateria. O coral surge, fazendo diversas vocalizações, enquanto Wright delira no piano, levando-nos então ao tema central de “Father’s Shout”, agora com mais pegada pela parte da orquestra.

A repetição deste tema abre “Mind Your Throats, Please”, a mais viajante das partes de “Atom Heart Mother”, abrindo primeiro com os sintetizadores fazendo sons muito estranhos, enquanto ouvimos colagens instrumentais e vocais, além de efeitos diversos. Essa parte era a única que não era apresentada ao vivo, justamente pela alta quantidade de efeitos de estúdio. Os barulhos aumentam o volume, variando entre sirenes, gotas de água e outros efeitos do sintetizador, encerrando a sequência com uma grande explosão.

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Roger Waters

Por fim, “Remergence” abre a parte final da suíte, resgatando diversos trechos da canção, como partes do solo melódico de Gilmour em “Breast Milky”, a sessão inicial de “Father’s Shout” e trechos de “Mind Your Throats, Please”, todos sobrepostos. Os metais ganham força, e assim, a melodia de “Father’s Shout” aparece, após ouvirmos um “Silent in the Studio”, mas de forma um pouco diferente. O violoncelo de “Breast Milky” também retorna, trazendo o derradeiro solo de guitarra, encerrando a suíte magnificamente, com o coral fazendo as vozes finais imitando o tema central de “Father’s Shout”, em um incrível e único arranjo, tanto vocal como instrumental, acabando simplesmente com um longo trecho vocal e os metais sendo soberanos. De arrepiar!

Alguns fatos curiosos envolvendo a gravação de nossa Maravilha Prog são também importantes para entendermos o acabamento final dessa obra. Pela primeira vez, a EMI utilizou o sistema de oito-faixas para registrar um álbum, além de uma mesa de mixagem TG12345, capaz de mixar ao mesmo tempo as oito faixas e vinte microfones. Por conta disso, a EMI exigiu que não ocorresse nenhuma edição na gravação, já que os custos poderiam ser altos, além de poucos saberem manusear o equipamento muito bem na época. Consequentemente, Waters e Mason tocaram as partes de baixo e bateria ao vivo, sendo essa a primeira gravação, que foi mixada posteriormente com os demais instrumentos, que também foram gravados ao vivo.

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“Atom Heart Mother”, apresentada ao vivo na Alemanha

“Atom Heart Mother” foi o encerramento de uma sequência de canções instrumentais que o Floyd fazia no final da década de sessenta, começando com “Interstellar Overdrive” e passando por “A Saucerful of Secrets”. Além do fato de trazer a primeira Maravilha Prog feita pelo Pink Floyd, Atom Heart Mother também foi o primeiro álbum do grupo a conquistar a primeira posição em vendas nas paradas britânicas, sendo fundamental para a consolidação do rock progressivo como estilo favorito dos roqueiros durante o início da década de 70.

Mês que vem, apresentaremos a segunda Maravilha Prog feita pelo Pink Floyd, a qual é uma das mais belas suítes que o progressivo pariu, e que encerrava os shows do grupo no início da década de 70: “Echoes”.

12 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Pink Floyd – Atom Heart Mother [1970]

  1. Adorei a matéria..até vou colocar o disco pra rodar, mesmo porque faz tempo q não o ouço..
    Aguardo sobre “Echoes” q eu simplesmente adoro.

  2. Gostei muito da matéria..até vou colocar o disco pra rodar, faz tempo q não o ouço..aguardo sobre Echoes outra maravilha do PF.

  3. “Atom Heart Mother” é um dos meus discos favoritos do Pink Floyd desde sempre, aparecendo no meu top 5 (atualmente formado por “Dark Side…”, “Animals”, “Wish You…”, este álbum e “Meddle”) desde que completei a coleção da banda ainda na época do vinil. Lembro muito bem de ter comprado o LP, ainda adolescente, e ir direto para a casa de um amigo que morava perto da loja, e ambos ficamos maravilhados com a faixa-título. E muito discuti com outros fãs do Floyd sobre qual era a melhor, esta ou “Echoes” – nunca os convenci que “Atom Heart Mother” ganhava, mas eles também nunca conseguiram me fazer mudar de opinião. É pena que Gilmour e Waters detestam o disco, o que impossibilita ouvi-la ao vivo novamente; Nick Mason apresentou apenas uma versão muito resumida. Quem sabe a banda libera gravações dos anos 70 para a gente…

    1. Marcello, a versão ao vivo com orquestra da época é fantástica né? Minha suíte favorita é essa, seguida de Shine On e Echoes. Meu Top 5 HOJE seria

      Atom Heart Mother
      Wish You Were Here
      The Final Cut
      Meddle
      Obscured By Clouds

      Mas é HOJE. Amanhã talvez entre o Animals no lugar do Obscured. E apesar do DSOTM ser um discaço, ainda acho aquém do que fizeram nesses cinco aí de cima.

      Abração e valeu o comentário

      1. Legal! Pensei que “Obscured by Clouds” era daqueles disco que só eu gosto, porque a maioria das pessoas que conheço não dava muita bola para ele… O “Dark Side…” voltou para a minha lista depois de ouvir duas vezes com headphones, coisa que eu não fazia desde os tempos do vinil – impressiona como a banda joga com os efeitos sonoros, e fez com que eu voltasse a gostar do disco, andava meio enjoado dele. Mas também isso é coisa de momento! Tenho o pirata com o show no Hyde Park em 1970 e “Atom Heart Mother” está fantástica lá, pena é a má qualidade sonora da gravação…

      2. Então Marcello, o Obscured By Clouds é um disco a ser descoberto. Tem muitos momentos bons ali, e é um divisor de águas na carreira do Floyd (das ingenuidades experimentais de Meddle e Atom Heart Mother para os aprofundamentos líricos do Water pós DSOTM). O DSOTM é um discaço, praticamente uma obra prima, mas peca pelo fato de ter feito muito sucesso, e músicas como “Time”, “Money” ou “Breathe” já terem saturado. Por outro lado, “The Great Gig in the Sky” e “Us & Them” nunca incomodam!!! Abraços

  4. Eu amo esta canção! Incrível como você ia descrevendo as partes, eu ia ouvindo na minha imaginação. Parecia que eu estava até ouvindo Atom Heart Mother! Parabéns!

    1. Muito obrigado Maria Alice, pelo seu comentário. É uma alegria ver que o trabalho aqui realizado atinge alguém exatamente como esperamos. Boas audições e mês que vem vamos de “Echoes”. Aproveitando, qual sua suíte favorita do Floyd?

  5. Aconteceu comigo exatamente o que a Maria Alice descreveu. Lendo e as melodias, coro e orquestrações vindo “aos meus ouvidos”. Foi o primeiro álbum do PF que comprei, ainda uma criança. E agora fico imaginando as crianças de hoje ouvindo atentamente uma suíte tão complexa como AHM…impensável kkkk.

    1. Que legal Rogério. Obrigado mesmo pelas palavras de vocês. Não consigo imaginar uma criança ouvindo AHM hj hahahaha. Qual sua suíte favorita da banda???

  6. Cara, é o seguinte… Eu simplesmente amo o Pink Floyd, mas não gosto muito deste álbum, assim como boa parte dos fãs mais “fiéis” da banda. Foram poucas as vezes em que eu ouvi o Atom Heart Mother atentamente do começo ao fim, mas no geral nunca bateu bem comigo. Eu diria que se fosse lançado na fase clássica que vai do Dark Side of the Moon ao The Wall (e com uma capa diferente da que saiu em 1970), aprovaria 100%. Mas se fosse lançada nos dias de hoje – eu por mim, tiraria essa vaca da capa e colocaria uma outra coisa mais interessante para substituir – aprovaria o trabalho como um todo ainda mais!

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