Rainbow – Live In Japan [2015]

Rainbow – Live In Japan [2015]

Por Micael Machado

Mais um dos muitos bootlegs do Rainbow “oficializados” pelo chefão Ritchie Blackmore entre 2013 e 2016 ganhou edição nacional (em CD duplo, pela gravadora Shinigami Records) neste recente ano de 2022. Editado pela primeira vez nos formatos CD duplo e DVD apenas no Japão em 2015 (com uma versão em um box com um vinil triplo e um CD duplo ganhando as prateleiras europeias em 2018, e outra apenas com as três bolachonas lançada no mesmo mercado no ano seguinte), Live In Japan registra a apresentação do grupo no famoso Budokan, em Tóquio, a 14 de março de 1984, na segunda noite da turma naquela cidade em sequência (e a última data de uma turnê de três dias pelo país), naquela que viria a ser a última performance oficial do Rainbow antes do retorno de Ritchie (e do baixista Roger Glover) ao Deep Purple naquele mesmo ano (e antes do “ressurgimento” do grupo em 1993, com uma formação totalmente diferente), retorno este que, curiosamente, já estava sacramentado mesmo antes destes últimos concertos serem realizados pela banda, e que seria oficialmente anunciado algumas poucas semanas depois do final desta excursão.

Ao contrário de outro lançamento desta “leva” de bootlegs que já resenhei para o site (o do show de Boston em 1981), nesta apresentação aqui, ao longo de 22 faixas (ou excertos) em uma hora e quarenta e cinco minutos, a banda (formada, então, pelo mesmo time que havia gravado Bent Out of Shape no ano anterior, ou seja, Joe Lynn Turner nos vocais, David Rosenthal nos teclados, Chuck Burgi na bateria, o já citado Roger Glover no baixo e o chefão Ritchie Blackmore nas guitarras, reforçados, como em datas anteriores, pelos backing vocals das cantoras Dee Beale e Lin Robinson) apresenta um repertório muito mais focado na “era-Turner” do Rainbow, com músicas mais adequadas ao seu estilo vocal (e à tendência AOR que Ritchie vinha progressivamente agregando à sonoridade do grupo) do que aqueles de excursões anteriores. Vide a abertura (após uma intro de teclados quase progressivos e do tradicional trecho de “Over The Rainbow” retirado do filme “O Mágico de Oz”), com a sensacional “Spotlight Kid” (com destaque para o solo de teclado de David e a marcante presença dos backing vocals femininos), a clássica “I Surrender”, um dos maiores sucessos comerciais deste período da banda, e que aqui inicia com um trechinho de seu refrão ao teclado, ou de outras como a veloz “Can’t Happen Here” ou a agitada “Power”, uma composição muito legal, apesar de extremamente comercial. Chamam a atenção também algumas faixas que dificilmente tiveram versões “ao vivo” divulgadas antes em discos oficiais do Rainbow, como “Death Alley Driver”, uma das minhas composições favoritas da “fase Turner”, e que já ganha destaque aqui pelas linhas iniciais da bateria (bem mais agressivas que boa parte do material deste disco), e onde a presença das moças dos backing vocals no refrão também é bem marcante, com o solo de Ritchie sendo a cereja do bolo, em uma das melhores performances do guitarrista ao longo CD (sendo que David também tem um curtinho destaque logo antes da retomada dos versos iniciais), “Miss Mistreated”, uma faixa bem AOR e comercial, com Joe se dirigindo ao público com algumas frases em japonês no seu início, e as quatro faixas saídas de Bent Out of Shape, disco praticamente ignorado (para mim, com toda razão) pelo grupo em seus retornos posteriores nas décadas seguintes, com destaque para a rápida “Fire Dance”, que aparece aqui em uma versão mais pesada que a de estúdio, e para “Stranded”, a qual, após alguns improvisos com a plateia ali pelo meio, traz alguns trechos de “Hey Joe” (aquela mesma), para depois voltar à interação com o público e encerrar em “grande estilo” com a presença repetida de seu característico refrão (as outras duas faixas do disco de 1983 presentes são o single “Street Of Dreams”, que pode causar doses altas de glicemia em diabéticos que porventura a ouvirem, e a veloz “Fool For The Night”, em uma versão que, para o meu gosto, carece de mais agressividade).

O Rainbow no palco do Budokan em 1984

Não faltam também alguns clássicos das encarnações anteriores do grupo, como “All Night Long” (antecedida por uma versão abreviada da linda “Maybe Next Time”, originalmente intitulada “Vielleicht Das Nächste Mal (Maybe Next Time)” no disco Difficult to Cure), a qual, em seus quase dez minutos de duração, ganha muitos improvisos da banda, um trecho (bem curtinho) do refrão de “Woman From Tokyo” ali pelo meio e um longo trecho de interação entre Joe e a plateia japonesa, ou uma versão abreviada de “Catch The Rainbow”, sem aquela longa sequência de solos no final presente nos tempos de Ronnie James Dio, sendo esta outra faixa na qual os backing femininos ganham destaque, mas que não chega a causar aqueles “calafrios emocionais” das versões com o saudoso “nanico” vocalista ao microfone. Há também espaço para um solo de teclado (sem muita “exibição de técnica e habilidade”, como tantas vezes costumava ocorrer na década de 1970, mas com alguns efeitos sonoros que, tenho certeza, pareciam “revolucionários” à época), um furioso solo de guitarra do chefão Ritchie (onde, acompanhado pela bateria acelerada, o músico improvisa aquilo que seria um “esqueleto de composição” melhor que muitas das músicas “oficiais” desta fase da banda), o qual é seguido por um solo de bateria de quase cinco minutos, que, como quase sempre acontece nesses casos, deve ter sido mais interessante de assistir do que de ouvir (embora a segunda parte do mesmo seja bem legal, com alguns efeitos percussivos interessantes por parte de Burgi), além de algumas lembranças da época de Ritchie e Roger em seus tempos de Deep Purple, como os trechinhos de “Blues” (um tema instrumental relativamente curto que Richie executava ao vivo desde a época de sua banda anterior, e que aqui ganha uma certa “interação” maior dos teclados com a guitarra do chefão) ou “Lazy”, cuja introdução instrumental (bem mais rápida que qualquer uma executada antes pelo Deep Purple que eu conheça) é seguida por um curto trecho (pouco menos de um minuto e meio) da clássica “Since You’ve Been Gone” (outra das poucas músicas do CD não gravadas originalmente por Turner), a qual, finalmente, leva ao final do show com a surpreendente “Smoke On The Water”, mega clássico da banda anterior de Ritchie e Roger, cujo primeiro verso inteiro é levado a capella por Joe, com a banda entrando “de mansinho” a partir do segundo verso, para, então, “detonar” tudo depois do segundo refrão, com a presença de mais um inspirado solo do chefão, e com a música terminando em um inesperado “fade out” da plateia japonesa entoando seu refrão, ao invés do tradicional “arrasa quarteirão” que tradicionalmente encerra as versões ao vivo da banda que a registrou originalmente, e indicando, ao menos para mim, que edições (sabe-se lá quantas) foram feitas sobre a gravação original deste show…

Mas, é claro, tudo o que foi falado acima é facilmente superado em termos de qualidade quando tratamos da versão de “Difficult To Cure” presente aqui, onde o grupo aparece acompanhado por uma orquestra sinfônica, dirigida pelo maestro Takashi Hiroi, neste clássico baseado na nona sinfonia de Beethoven. Quando ouvi esta versão pela primeira vez na coletânea Finyl Vinyl, mais de vinte e cinco anos atrás, fiquei impressionado pela junção da banda com a orquestra, a qual realmente adiciona muito à composição, além de ter direito a um longo trecho “solo” ao longo da execução da mesma (trecho este que, ao que consta, foi totalmente composto e escrito pelo tecladista David Rosenthal), coisa a qual eu não estava acostumado a ouvir em discos de rock à época. Pois esta execução deste clássico continua impressionante ainda hoje, ainda mais que a versão presente aqui é diferente daquela encontrada na coletânea, a qual teve o solo de guitarra regravado em estúdio por Ritchie Blackmore. Arrisco a dizer que ela, sozinha, vale a aquisição deste CD. Se ainda não a conhece, ouça e confira!

Roger Glover e Ritchie Blackmore no palco do Budokan em 1984

O interessantíssimo encarte que acompanha a versão digipak nacional aponta em seu texto que apenas “Spotlight Kid” já havia sido disponibilizada oficialmente antes (na já citada coletânea Finyl Vinyl), com outras duas faixas presentes em um box de 2014 (as quais acredito serem “Fool For The Night” e “Smoke On The Water”, presentes no box A Light In The Black 1975-1984, de 2015, e não de 2014 como diz o texto, caixa que também traz uma versão para “Difficult To Cure” gravada na mesma data, mas a qual não sei se conta com o solo original ou com o regravado). Achei este dado curioso, pois o track list de Finyl Vinyl informa que as versões de “I Surrender” e “Miss Mistreated” presentes ali também foram registradas no Budokan naquele março de 1984. Seriam elas do show da noite anterior a este? Não consegui confirmar esta informação na internet…

Os dois shows da capital japonesa foram gravados e filmados com a intenção do lançamento de um álbum duplo posteriormente, mas a Polydor, selo ao qual tanto o Rainbow quanto o Deep Purple estavam ligados à época, preferiu “segurar” o lançamento destes registro para não afetar aquilo que acreditava que viria a ser o “retorno triunfal” do Púrpura Profundo, lançado na forma do disco Perfect Strangers ainda naquele mesmo ano. Como disse, estas gravações só viriam a ser disponibilizadas oficialmente (e apenas no Japão, inicialmente) apenas em 2015, sendo que, hoje em dia, a versão do DVD é facilmente encontrada em sites como o Youtube, mas a versão remasterizada do áudio presente nestes CDs é bem superior à dos vídeos que encontrei, o que torna ainda mais atraente a aquisição deste lançamento, o qual, tanto pelo repertório como pela performance da banda, a qual, ainda que apareça no auge de sua fase AOR, aparentando estar tocando “com o freio de mão puxado” (até devido a saberem que aqueles concertos na Terra do Sol Nascente eram apenas “burocráticos”, com tudo acabando logo em seguida para a banda), sem a mesma empolgação e entusiasmo dos dias de Dio ou mesmo de Graham Bonnet, soando bem mais “contida” em relação às suas encarnações anteriores (sendo que mesmo Ritchie não arrisca muitos solos “incendiários” aqui como costumava fazer em outros tempos), ainda consegue soar empolgante e de audição extremamente interessante, o que acaba fazendo deste, pelo menos até agora, o melhor registro ao vivo de Joe Lynn Turner à frente do Rainbow já disponibilizado oficialmente no mercado. Se você gosta da banda, e especialmente desta fase do grupo, não deixe de conferir. Seus ouvidos lhe agradecerão, com toda a certeza!

Contracapa da versão nacional de Live In Japan

Track List:

CD 1

1. Intro

2. Spotlight Kid

3. Miss Mistreated

4. I Surrender

5. Can’t Happen Here

6. Catch The Rainbow

7. Power

8. Keyboard Solo

9. Street Of Dreams

10. Fool For The Night

11. Difficult To Cure

12. Guitar Solo

13. Drum Solo

CD 2

1. Blues

2. Stranded (Incl. Hey Joe)

3. Death Alley Driver

4. Fire Dance

5. Maybe Next Time

6. All Night Long (Incl. Woman From Tokyo)

7. Lazy

8. Since You’ve Been Gone

9. Smoke On The Water

2 comentários sobre “Rainbow – Live In Japan [2015]

  1. Eu tinha esse show em VHS (cópia do original), e recentemente comprei essa edição em CD. O Rainbow de fato já tinha ido para as cucuias, mas a grana oferecida pelos empresários japoneses era boa demais para eles resistirem. “Difficult to Cure” orquestrada é realmente uma obra-prima!! Vale a compra do álbum só por causa dela mesmo. O show em si, para mim, é melhor do que o registrado no “Live Between the Eyes”, em especial pela performance de Chuck Bürgi na bateria, que me surpreende (em “Bent Out of Shape” você não consegue acreditar que esse cara foi selecionado para substituir Bobby Rondinelli e Cozy Powell, mas aqui ele se mostra bem seguro e criativo, especialmente no solo em que ele usa uma caixa de bateria eletrônica no seu kit). E Joe Lynn Turner se dá bem melhor com o apoio das backing vocals, pois o registro vocal dele não atinge os tons mais agudos. “Catch the Rainbow” ficou estranha sem os solos estendidos de Blackmore, mas a versão é bonita – ainda que não chegue aos pés daquelas gravadas com Dio. Agora, um show do Rainbow sem “Man on the Silver Mountain” é um sacrilégio, é como assistir o Black Sabbath e não ouvir “Paranoid”!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.