Tokyo Blade: a confusão na noite da navalha

Tokyo Blade: a confusão na noite da navalha

Por Fernando Bueno

Foram inúmeros fatores que fizeram com que várias das ótimas bandas que surgiram ali no início da New Wave of British Heavy Metal não tivessem o mesmo sucesso de Iron Maiden e Def Leppard. No caso do Tokyo Blade, a meu ver, um dos principais desses fatores foi a inconstância na sua formação. Desde a época em que a banda se chamava Killer e depois Genghis Khan já havia esse problema até que a formação se estabilizou para a gravação de seu primeiro disco autointitulado com Andy Boulton e John Wiggins nas guitarras, Steve Pierce na bateria, Andy Robbins no baixo e Alan Marsh nos vocais.

Porém, no ano seguinte já durante a gravação do seu segundo álbum que se chamaria Night of the Blade a banda resolve trocar seu frontman – sempre um movimento traumático. Segundo a versão oficial o principal motivo para essa decisão era o fato de que Alan Marsh tinha o famoso “medo de palco”, fato que atrapalhava o grupo nas apresentações ao vivo. Porém, quem chegou à conclusão de que o vocalista não estava dando conta do recado foi a gravadora. Na verdade, a empresa queria colocar alguém de sua confiança no posto com o intuito de que o vocalista fosse mais “vendável”. A comparação com David Lee Roth foi usada. O álbum, que viria a ser o Night of the Blade, estava praticamente pronto, Marsh sabendo dessas movimentações e chateado acabou pedindo as contas, antecipando a movimentaão. Isso foi o pior dos mundos para a banda que agora nem vocalista tinha. O cantor que a gravadora escolheu não deu certo e eles ficaram na mão. Para substituí-lo foi escalado Vick Wright. Incrível saber que Vick tinha dezessete anos na época e foi encontrado depois de responder um anúncio que saiu na revista Melody Maker. Ele estava numa banda chamada BoBo e foi chamado meio que as pressas para uma turnê que o Tokyo Blade faria na França ao lado do Mama’s Boys. Ele diz que teve que aprender 12 músicas em 24 horas para a turnê ouvindo o material em um walkman durante as viagens, mas a parte boa disso tudo foi que eles executaram várias das músicas de Night of the Blade durante um mês antes dele entrar em estúdio para regravar os vocais do disco. Essa turnê foi um fiasco para a banda que teve seu equipamento roubado – roubaram até o walkman – e ficaram sem dinheiro para tudo, até mesmo para comer. Acabaram recebendo uma ajuda mais do que necessária do pessoal do Mama’s Boys.

Formação do lançamento original: Andy Wrighton, Vic Wright, John Wiggins, Steve Pierce e Andy Boulton

Alan Marsh fez um ótimo trabalho em estúdio nos primeiros lançamentos e a inevitável comparação com o que Vick Wright entregou é baseada nos estilos vocais de cada um. Num primeiro momento a voz de Wright se apresenta mais exuberante, com agudos altíssimos, alguns exageros, porém mostrava uma personalidade incrível quando se lembra da idade do vocalista. Por outro lado, quando se tem acesso as gravações de Marsh para as faixas do álbum fica claro que os dois performaram as músicas de maneira bastante parecida, principalmente em relação aos timbres vocais. Conheço muitos fãs que preferem a versão de Marsh por acharem que Vick exagera nos tons. Mas esse é um caso clássico de preferência pessoal. Para mim, que conheceu e passou a gostar da banda por esse disco na sua versão original, fica na memória afetiva a admiração com a potência vocal de Wright. Alguns ainda vão lembrar da clássica resenha que saiu na Rock Brigade em que o vocalista é apontado como o ponto fraco do disco – dizia a resenha que ele era muito americanizado e choroso.

Alan Marsh deixou 10 faixas prontas, pouco mais de 40 minutos. Seria o suficiente para os dois lados de um LP. Não sabemos se, caso fosse lançado, seria usado tudo em um único disco. Depois da regravação de tudo por Vick Wright, duas novas músicas foram compostas e ambas entraram no álbum: “Rock Me to the Limit” e a ótima “Lightning Strikes (Straight to he Heart)”. Essa última foi o primeiro single do álbum e no lado B duas faixas regravadas que não entraram em Night of the Blade: “Fever” e “Attack, Attack”. Outras duas músicas que faziam parte daquelas dez também saíram fora do álbum, “Madame Guillotine” e “Break Out” foram incluídas em um EP com nome de Madame Guillotine. Quem está acompanhando as contas percebeu que junto das duas novas músicas mais seis faixas inicialmente compostas junto de Alan Marsh fazem parte do álbum, a saber: “Someone to Love”, “Night of the Blade”, “Warrior of the Rising Sun”, “Unleash the Beast”, “Love Struck” e “Dead of the Night”. Uma curiosidade que passa despercebido para muita gente é que para agilizar a regravação e o lançamento do álbum, além de baixar os custos com o estúdio, decidiu-se que os backings vocals inicialmente gravados por Alan Marsh seriam mantidos, dessa forma podemos dizer que os dois vocalistas estão presentes no álbum. isso desagradou todo mundo, mas não tinha muito o que ser feito. Para quem for ouvir com mais atenção vai perceber que as duas faixas já compostas com Vick na banda eram muito mais alinhadas ao hard rock do que o resto do repertório. Em uma entrevista já depois de muitos anos que ele já tinha saído da banda o vocalista conta que quando entrou percebeu que os outros caras tinham aspirações de ser o novo Iron Maiden, enquanto ele era mais chegado ao Aerosmith e o Rose Tattoo. Boulton ficou insatisfeito com o resultado do disco, porém teve que se render à boa repercussão que o disco teve.

Formação do relançamento: Andy Boulton, Alan Marsh, John Wiggins, Steve Pierce e Andy Wrighton

Conseguimos comparar tudo isso hoje em dia por conta do lançamento em 1998 de Night of the Blade: The Night Before, que trazia aquelas dez faixas gravadas por Alan Marsh. A existência desse material era de conhecimento de todos, mas demorou 14 anos para ser disponibilizados aos fãs. Junto desse material, como bônus, mais seis faixas gravadas sob o nome de Mr. Ice, banda que Alan Marsh e Andy Boulton chegaram a ter no início dos anos 90, antes de uma das várias reformulações que o Tokyo Blade teve ao longo dos anos. Porém, quem está disposto a conhecer todo o material dessa época pode procurar a edição nacional lançada pela Classic Metal ainda em 2022. Uma edição linda com poster, vários encartes e o principal, o álbum original, os dois singles além de algumas músicas gravadas ao vivo em estúdio em 1985 que chegou a sair na época com o nome de The Cave Sessions – Official Bootleg e, claro todo o material gravado pelo Alan Marsh. Uma edição completa para qualquer fã ficar satisfeito.

Edição nacional da Classic Metal

Depois de Night of the Blade, a banda ainda gravou mais um álbum com Vick Wright chamado Blackhearts & Jaded Spades, já com a colaboração maior do vocalista e isso fica claro pelo estilo abordado nas músicas. Andy Boulton julga que essa guinada no estilo foi a maior burrada que eles fizeram e quem ouve o álbum percebe que ele está certo. Quando mais crescia a aproximação ao hard americano e a quantidade de laquê no cabelo, mais caía sua popularidade. O problema, é claro, não é o hard rock americano, que particularmente adoro. A questão é que quando se ouve o material não parece algo feito com naturalidade. Ouçam as duas baladas “Loving You Is An Easy Thing To Do” e “You Are the Heart” e tentem descrever com algum outro adjetivo que não seja ‘constrangedor’. No fim das contas a banda se separou e cada um foi fazer alguma coisa. Vick comprou uma passagem só de ida para os Estados Unidos e foi morar em Los Angeles. Chegou a ter algumas bandas, quase entrou no L A Guns e teve no Johnny Crash seu trabalho mais importante, chegando a gravar com Matt Sorum e Dizzy Reed um álbum que nunca foi sequer lançado. Andy Boulton chamou outros músicos, fez o Andy Boulton’s Tokyo Blade e gravou Ain’t Misbehavin… que se não é um primor, pelo menos supera o anterior. Muitas idas e voltas depois, e recentemente a banda da formação clássica se juntou, com Alan Marsh, e estão gravando novamente. Talvez sem a notoriedade que podiam ter, mas vale a pena correr atrás.

2 comentários sobre “Tokyo Blade: a confusão na noite da navalha

  1. A resenha me fez voltar ao passado e buscar os discos do Tokyo Blade, que eu não ouvia desde o início dos anos 90 – neste caso, abençoado seja o streaming!! É uma pena que a banda não deu muito certo; mudar o vocalista nunca é fácil, obviamente, mas o Deep Purple acertou duas vezes e o Iron Maiden, uma… Acho que Tokyo Blade simplesmente não era para fazer sucesso…

    1. Os primeiros lançamentos (os EPs, os dois álbuns) tem material de nível para alavancar a carreira de qualquer banda. Mas não deu…infelizmente

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