The Allman Brothers Band – Live at the Atlanta International Pop Festival [2003]
Por Micael Machado
Pergunte a vários fãs de rock and roll qual o melhor disco ao vivo da história. Se eles tiverem os ouvidos abertos aos diversos ritmos que compõem o estilo, certamente o disco At Fillmore East do Allman Brothers estará entre as possíveis respostas. Lançado em 1971, originalmente em vinil duplo, este registro histórico captura o sexteto, então formado por Gregg Allman (órgão, vocais), Duane Allman e Dickey Betts (guitarras), Jai Johanny Johanson e Butch Trucks (baterias) e Berry Oakley (baixo), em pleno auge, durante shows gravados em março de 1971 na lendária casa de shows de Nova Iorque que batiza o álbum. Uma versão ampliada em CD duplo chamada Fillmore Concerts, lançada em 1992, consegue melhorar o que já era perfeito, sendo, para mim, a resposta daquela pergunta lá do início.
Mas mesmo esta versão possui um forte concorrente ao posto que lhe dediquei, e gravado pelo mesmo grupo! Lançado em CD duplo em 2003, The Allman Brothers Band Live at the Atlanta International Pop Festival captura o mesmo sexteto citado acima (com o acréscimo do amigo Thom Doucette na harmônica) durante dois shows registrados no festival ocorrido ao longo do final de semana comemorativo do quatro de julho (data da independência dos EUA) de 1970, ou seja, pouco mais de oito meses antes dos shows no Fillmore!
Recém saídos das sessões de gravação do que viria a ser seu segundo disco, Idlewild South, lançado no mesmo ano, o grupo estava literalmente em casa (segundo as informativas liner notes presentes no encarte, a área onde ocorreu o festival ficava a menos de quatorze milhas da Big House, local onde os músicos moravam), e abriu o Atlanta Pop às três da tarde da sexta-feira, três de julho, em apresentação registrada ao longo do primeiro CD. Iniciando o set com a clássica “Statesboro Blues”, a banda apresentaria quase setenta e dois minutos de uma musicalidade maravilhosa, com todas as características que os fãs do grupo se acostumaram a ouvir, sendo os maiores destaques os duelos de guitarra entre Duane e Betts, sempre amparados pelos teclados de Gregg, que, com seu vozeirão, comanda o microfone do grupo com a competência de sempre.
Nesta primeira parte, as maiores diferenças em relação aos “famosos” shows do ano seguinte (além dos improvisos que sempre mudavam de apresentação para apresentação) estão na inclusão de uma bela versão para “Hoochie Coochie Man“, de Willie Dixon (com os vocais a cargo do baixista Berry Oakley), uma execução furiosa de “Every Hungry Woman” (que já havia aparecido na coletânea Micology: An Anthology, de 1998), e uma viajante “Dreams“, clássico do primeiro disco da ABB, que aqui se aproxima dos dez minutos de puro prazer a nossos ouvidos, todas ausentes das versões gravadas nos shows do Fillmore. Também chama a atenção dos mais atentos as mudanças no arranjo de “In Memory Of Elizabeth Reed”, que dão a impressão de que o grupo ainda buscava a forma final para este clássico instrumental, e o fato de “Mountain Jam” estar dividida em duas partes, separadas por uma faixa intitulada “Rain Delay”, nada mais nada menos que um anúncio de que a banda sairia do palco devido a uma fortíssima tempestade de verão que se abateu sobre o festival, além do pedido de que todos na audiência buscassem abrigo, pois ainda haveria “muito som a rolar” ao longo do dia. A chuva causou uma interrupção de trinta minutos na apresentação do septeto, mas, acalmada a fúria das nuvens, o ABB simplesmente voltou ao palco, retomou a jam de onde haviam parado, e seguiu tocando por mais sete minutos como se nada tivesse ocorrido! Outros tempos aqueles!
No segundo CD, está a apresentação que encerrou o festival, registrada dia cinco de julho (ou, como cita o encarte, tecnicamente no dia seis, visto o show ter começado às 3:50h da manhã daquela segunda-feira, devido aos diversos atrasos ocorridos). Com os mesmos músicos, o ABB tocou por praticamente o mesmo tempo do concerto anterior, embora tenha interpretado três músicas a menos! Neste disco, é “Stormy Monday” quem chama a atenção, ao lado daquela que talvez seja a melhor versão de “Whipping Post” que já tive o prazer de ouvir (e que, assim como o registro de “Statesboro Blues” presente aqui, havia saído em uma versão editada e com mixagem diferente no disco The First Great Festivals of the Seventies, de 1971, com faixas gravadas no Atlanta Pop e no Isle of Wight Festival do mesmo ano), e de uma redenção de quase vinte e nove minutos para ”Mountain Jam”, onde Johnny Winter se juntou ao grupo na terceira guitarra para uma apresentação simplesmente acachapante, que encerra o disco e o festival de forma soberba, mostrando toda a força da melhor banda de southern rock da história!
Como disse, Live at the Atlanta International Pop Festival pode não ter a mesma fama do disco registrado no Fillmore no ano seguinte, mas, em termos de qualidade (tanto de execução quanto de gravação, cujas remixagens e masterização para este lançamento tiveram a supervisão e aprovação do grupo), não fica em nada a dever para as clássicas faixas registradas no palco novaiorquino. E, já que aquelas estão no “melhor disco ao vivo já gravado”, segundo alguns, você já tem uma ideia do que encontrará aqui! Satisfação musical garantida!
I wonder for dreams I’ve never seem…
Track List:
Disco um (“7/3/1970″):
1. Introduction
2. Statesboro Blues
3. Trouble No More
4. Don’t Keep Me Wonderin’
5. Dreams
6. Every Hungry Woman
7. Hoochie Coochie Man
8. In Memory of Elizabeth Reed
10. Mountain Jam Part 1
11. Rain Delay
12. Mountain Jam Part 2
Disco Dois (“7/5/1970″)
1. Introduction
2. Don’t Keep Me Wonderin’
3. Statesboro Blues
4. In Memory of Elizabeth Reed
5. Stormy Monday
6. Whipping Post
7. Mountain Jam
Allman Brothers Band conseguia manter um nível elevadíssimo em todas as suas apresentações, como demonstram os lançamentos de arquivo, e esses shows em Atlanta não fogem à regra. Há muita repetição nos setlists, mas os músicos, em especial Duane e Dickey, conseguiam introduzir variações de uma para outra. É difícil escolher o melhor desses lançamentos de arquivo, mas eu arrisco o “Live at Ludlow Garage”, com uma “Mountain Jam” de 44 minutos. Mas, realmente, é impossível encontrar um disco ao vivo ruim nesse período da banda.