Cinco Discos para Conhecer: Tom Dowd

Cinco Discos para Conhecer: Tom Dowd

Por Ronaldo Rodrigues

Mais do que um competente e renomado engenheiro de som, estamos tratando aqui de alguém que merece a alcunha de lenda. Tom Dowd nasceu em Nova York em 1925 e era um cara de múltiplos talentos – na juventude, era pródigo em física e matemática. Durante o serviço militar na 2ª guerra mundial, Dowd integrou o corpo de engenheiros do exército norte-americano que fez um dos testes das bombas atômicas, ocupando o posto de especialista em detecção de radiação. Depois de dispensado do exército, Dowd, um já apaixonado por música, passou a aplicar todo seu conhecimento e expertise na melhoria dos processos de gravação de música nos estúdios e nos palcos. Como engenheiro de som e produtor na poderosa Atlantic Records, Dowd figura nos créditos de muitos clássicos icônicos do jazz, r&b, soul e rock. Essa singela amostra de 5 álbuns é uma gota no oceano da grande obra fonográfica de Dowd, que faleceu em 2002 aos 77 anos.


John Coltrane – Giant Steps [1960]

Do aspecto musical, seria quase nula minha contribuição para uma das pedras fundamentais do jazz de todos os tempos e do genial John Coltrane que a concebeu. Mas do aspecto técnico da gravação é estatelante o quanto o som da gravação é cristalino, a divisão dos instrumentos no estéreo dos alto-falantes é surpreendente e você se sente como que na sala de gravação, tendo condições de perceber todos os detalhes de cada instrumento – bateria, baixo acústico, piano e saxofone. Se ao menos a nitidez com que essa música sai das caixas de som não te convencer da qualidade desse disco, considere fazer um exame audiométrico.


Cream – Live Cream [1970]

Lançado quando o Cream já não existia mais, esse registro capta a banda tocando na costa oeste dos EUA no seu último ano de atividade (1968), quando o ambiente do grupo já estava na pólvora. Sobre o Cream nos resta falar pouco – foi uma revolução sonora, que abriu o terreno para toda uma geração de bandas se gastar em longos solos de guitarra, usando e abusando do blues, improvisando e pirando com as possibilidades do formato trio. Tom Dowd foi, junto com Bill Halverson, o responsável pelo console de gravação dessas noites no Winterland e no Filmore West. O que sai das caixas de som é o Cream em estado bruto – baixo, bateria e guitarra em pura selvageria catártica, transformando músicas de 2-3 minutos em improvisos com no mínimo o dobro do tempo. Impressiona como os mais despretensiosos rudimentos de Ginger Baker na bateria aparecem claramente no som, coisa que até hoje muito técnico de som não consegue captar bem ao vivo.


The Allman Brothers Band – Live at Filmore East [1971]

Outro trabalho de Tom Dowd que é difícil de comentar, pois muitas laudas já foram gastas com ele. Mas nesse caso, além da qualidade da música executada pela trupe sulista dos irmãos Allman, esse disco é um marco – é a união de uma performance irretocável da banda com uma captação quase inacreditável de tão nítida. Dowd foi o capitão da nau que alcançou esse feito. Não há disco ao vivo do início dos anos 70 que tenha a qualidade de gravação de Live at Filmore East. É o documento definitivo tanto da primeira fase da carreira do ABB quanto daqueles palcos do Filmore (East e West). Novamente, destaca-se a capacidade de Tom Dowd fazer as baterias (2 no caso) soarem com tanta clareza na mixagem. O repertório do ABB é simplesmente maravilhoso e executado em plenitude de feeling e precisão.


Terry Reid – River [1973]

É uma lástima que um cara como Terry Reid seja mais conhecida por algo que ele deixou de fazer (aceitar ser o vocalista do nascente Led Zeppelin) do que pelas boas coisas que fez (a saber vários de seus discos). Reid era um vocalista sensacional, com uma voz e interpretação distinta e não seria exagero colocá-lo entre os grandes do período junto com Robert Plant, Ian Gillan, Paul Rodgers, Rod Stewart, Joe Cocker, etc. River, de 1973, é um de seus melhores trabalhos e contou com uma produção luxuosa que além de Dowd, foi co-produzido por Eddy Offord (já comentado nessa mesma seção, veja aqui, produtor do Yes e ELP, dentre vários outros). As várias guitarras do disco dialogam com perfeição pelos dois lados do estéreo, com a voz de Reid sendo a cola entre elas. A voz tem uma dinâmica fantástica – é possível ouvir os sussurros, trechos de respiração e variações no posicionamento do cantor em relação ao microfone na hora de gravar, sem que isso soe como falha de amador. Os momentos de Reid ao violão são pura inspiração. Todas essas nuances transmitem uma naturalidade absurda para o ouvinte em um disco delicioso de ouvir, seja pela qualidade de seu repertório ou de sua produção.


Rod Stewart – Atlantic Crossing [1975]

Tom Dowd assinou a produção desse disco que foi um estrondoso sucesso, quando Stewart já estava migrando para um rock mais soft e cada vez mais radiofônico. Mesmo sendo uma farra de instrumentos e overdubs, tudo soa absurdamente bem; é possível distinguir as diferentes vozes das backing vocals, por exemplo. A mesma observação feita para Terry Reid vale aqui – é possível ouvir uma certa “crueza” e naturalidade na voz de Stewart da forma como foi captada; além disso, mesmo sendo um disco de um vocalista, a voz de Stewart está no mesmo nível do instrumental – algo pouco provável de acontecer em um disco gravado nos dias de hoje. Mas aqui temos um gênio trabalhando, e não qualquer um. “I Don’t Wanna to Talk About it”, original do Crazy Horse, tem um arranjo maravilhoso, enriquecido pela produção mágica de Tom Dowd.

Um comentário em “Cinco Discos para Conhecer: Tom Dowd

  1. Muito legal essa homenagem ao grande Tom Dowd! Lembro também o trabalho dele com a Aretha Franklin, simplesmente sensacional. Difícil encontrar discos ruins produzidos por ele; acho que a única escorregada que ele deu foi com o Wishbone Ash em 1976 – mas acho que ninguém salvava “Locked In”, um dos mais fracos discos da banda.

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