Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: Dee Snider – Dee Does Broadway [2012]

Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: Dee Snider – Dee Does Broadway [2012]

Por Othon Pantoja

Em qualquer profissão é muito cômodo passar toda a carreira fazendo exatamente a mesma coisa, principalmente quando a fórmula dá certo. A carreira musical não foge à regra, assim o nova yorkino Dee Snider, líder e vocalista da banda Twisted Sister, conhecido por seu Hard Rock Glam, segue a contra mão dessa máxima e apostou no ousado projeto em regravar clássicos da Broadway em versões mais pesadas. Sim, ele encabeçou diversos outros projetos, no entanto estava mais tentando seguir a tendência musical da época e não obteve o sucesso esperado. É sabido que musicais não são exatamente uma novidade no rock, contudo, não diminui a audácia em fazer algo diferente do habitual pelo cantor.

1700Em entrevista à revista Roadie Crew de junho/2012, Snider explica que a Broadway faz parte de sua vida, pois cresceu em Nova York e foi frequentador assíduo desde a tenra infância, bem como já estrelou o musical Rock of Ages em 2010. O embrião do projeto se deu em 2009, a partir de troca de SMS entre Alice Cooper e Dee Snider, mas a agenda de ambos impediu a continuidade da parceria.

Por ter um orçamento reduzido, foi obrigado a contar com a “camaradagem” dos artistas convidados para montar o cast do álbum. Surpreendendo-se com os convites aceitos de músicos que sempre admirou, estrelas como Bebe Neuwirth, atriz e cantora da Broadway de grande sucesso nos anos 1980 e 1990, da cantora pop Cindy Lauper e muitos outros.

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O single de “Cabaret”

As músicas são clássicos do século XX, muitas delas das primeiras décadas, aonde o jazz clássico estava em voga, as regravações ganharam guitarras distorcidas, ficando como uma espécie de fusão entre jazz clássico, jazz contemporâneo e heavy metal. Os links apresentados no textos são os das versões originais.

O disco abre com a música “Cabaret” pertencente ao musical homônimo, cujo enredo se passa na Alemanha e sua decadente República de Weimar do início da década de 1930, junto com o notório crescimento do Partido Nazista. Estreou na Broadway em 1965 (teve diversos revivais), levando oito premiações do Tony Awards de 1967. A canção é o único single do álbum e possui uma ótima interpretação de Snider com uma versão inacreditavelmente pesada, muito interessante mesclar guitarras distorcidas com metais, o que não ficou forçado e tampouco exagerado e de agradável audição.

capa412A segunda faixa é “The Ballad of Sweeney Todd“, composição de Stephen Sondheim, pertecente ao musical Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet. É um musical de suspense situado no século XIX na Inglaterra. O musical conta a história de Benjamin Barker, conhecido como Sweeney Todd, que retorna a Londres após 15 anos de exílio devido as falsas acusações de um juiz corrupto. Quando ele descobre que sua esposa se envenenou após ser estuprada pelo juiz que o exilou, ele jura vingança contra o mesmo e contra o mundo todo. Abre uma barbearia em que ele corta as gargantas de clientes e os cozem em tortas. O musical virou filme em 2007 sob a direção de Tim Burton e seu inseparável Johnny Depp no elenco, com sua interpretação rendendo indicação ao Oscar. A versão pesada, apesar da interpretação claramente teatral, caberia tranquilamente em qualquer disco de heavy metal, contando com arranjos crus e frases de guitarra. Tal mescla poderia ser até uma resposta estadunidense ao power metal europeu na década de 1990, agregando elementos de sua cultura ao heavy metal.

“Big Spender”, do musical Sweet Charity, vencedor do prêmio Tony de coreografia, de autoria do Bob Fosse, mesmo autor do imenso sucesso “Chicago”, é inspirado no filme Noites de Cabíria (1957), de Federico Fellini. Contando com a participação da cantora Cindy Lauper, mostrando toda sua versatilidade e poder de interpretação e formando um excelente dueto com Snider, que alternou entre momentos suaves e mais altos/agressivos, abusando dos drives.

“Mack the Knife”, é uma composição do início do século XX, pertencente a ópera alemã Die Moritat von Mackie Messer (A Ópera dos Três Viténs,), estreando em 1928 em Berlim, tornando-se muito famosa nos Estados Unidos, a música foi interpretada por nada menos que Frank Sinatra, Louis Amstrong, Ella Fitzgerald, entre outros. É a minha faixa preferida do álbum. Possui clima de musical e inicia-se com jazz clássico, acompanhada por piano, contrabaixo vertical e metais. Snider interpreta de forma bem tranquila, evoluindo para guitarras pesadas, além de ter combinado bem a fusão, ficou um belo contraste. Snider demonstra ser um excelente cantor, já o considerava muito bom, mas me surpreendeu nesse disco. Foi a única faixa que ganhou um video clipe, que contém a participação do arroz de festa Mike Portnoy.

Já “Whatever Lola Wants, pertencente ao musical Damn Yankes de 1955, comédia musical, que possui como enredo a releitura moderna da lenda alemã de Fausto, onde o autor da trama vende a alma ao diabo para obter respeito e notoriedade. À época o time de beiseball New York Yankees tinha supremacia na Liga de Beiseball. A música possui um quê de dramaticidade contando com a participação da experiente cantora de musicais Bebe Neuwirth, mostrando a ousadia do projeto em pegar músicas que são verdadeiros símbolos da cultura estadunidense e modificar vários arranjos originais, tornando-os mais modernos e pesados.

1.158967Oriundo do musical The Phantom of the Opera de 1986, “Music of the Night”, adapatação do romance francês Le Fantôme de l’Opéra de 1910, bateu o recorde de apresentações da Broadway e já foi assistido por mais de 100 milhões de pessoas. A música conta com a participação do violinista elétrico Mark Wood, formando um dueto com a voz de Snider em interpretação soberba por sinal , haja vista tamanha qualidade dos arranjos de violino, remetendo a trilhas sonoras de filmes épicos (Wood compõe para trilhas sonoras de cinemas e televisão).

“The Joint is Jumpin”, do musical Ain’t Misbehavin’idealizado pelo pianista de jazz Fats Waller durante década de 1930. Tem como escopo uma homenagem aos músicos negros dos anos 1920 e 30 que faziam parte da Renascença do Harlem, uma era de crescente criatividade, consciência cultural e orgulho étnico. Era uma época em que haviam em Manhattan casas noturnas como o Cotton Club e o Savoy Ballroom, além do Lenox Avenue, contando com pianistas reproduzindo a então a nova batida conhecida como swing. Cinco artistas apresentam uma noite de canções atrevidas e irreverentes que sintetizam o estado de espírito da época e refletem a visão de Waller da vida como uma viagem de prazer e diversão. O musical se tornou espetáculo da Broadway em 1978, levando o prêmio Tony nas categorias melhor musical e melhor direção musical. Snider faz dueto com seu filho Jesse Blaze Snider, sendo a canção mais pesada do álbum. Seu filho possui um timbre bem similar, no entanto um pouco mais grave e é possível distinguir bem pois o Snider pai inicia cantando. A canção, assim como praticamente todo o álbum, é um fusion de heavy e jazz, mas aqui sendo tocado com pedal duplo na bateria, riffs de guitarra e ótimas interferências de metais muito bem arranjados.

dee-snider-200-010511“Luck be a Lady” de Guys and Dolls, escrito e composto por Frank Loesser, inspirado nos livros The Idyll of Miss Sarah Brown e Blood Pressure, de autoria de Damon Runyon, estreou em 1950, vencendo o prêmio Tony de Melhor Musical. Em 1955 foi feita uma adaptação ao cinema, estrelado por Marlon Brandon e Frank Sinatra. A música segue a linha pesada do disco e conta com a participação de Clay Aiken, participante do programa American Idol de 2003, ficando em segundo lugar. O cantor possui uma carreira musical consistente e com passagens pela Broadway. O dueto é de arrepiar, apesar de Aiken não possuir a versatilidade da voz Snider, tem uma ótima potência vocal e um timbre tão alto quanto.

“I Get a Kick Out of You“, do Anything Goes, musical com letra e música e Cole Porter, estreou na Broadway em 1934. Contendo um enredo bem humorado sobre passageiros em um transatlântico, teve seu roteiro modificado várias vezes com o passar das décadas. Já essa versão é mais uma com vários riffs de guitarra, mas a considero a mais fraca do álbum. Snider é um tanto quanto repetitivo em sua intepretação o que a tornou um pouco maçante. Seu único momento interessante é após o solo de guitarra, mas não salva a faixa de ser apenas mediana.

A divertida “There Is Nothin’ Like A Dame”, de South Pacific, estreou na Broadway em 1949 e foi baseado no livro Tales of a South Pacific de James A. Michener, vencedor do Pulitzer Prize em 1947. A história se passa durante a 2ª Guerra Mundial abordando preconceito racial, tendo como personagens centrais uma enfermeira que se apaixona por um francês e a dificuldade de se relacionar com seus filhos mestiços e um Tenente estadunidense que possui uma namorada asiática e teme as possíveis consequências de assumir tal relacionamento. A gravação conta com a participação de Will Swenson, Tony Sheldon e Nick Adams, todos atores de teatro, possuindo timbres bem distintos, deixando a canção com vários backing vocals tornando-se uma típica interpretação musical e teatral.

O famosíssimo musical Chicago não poderia deixar de ser lembrado. Sua versão cinematográfica chegou a vencer o Oscar de melhor filme em 2002. Porém “Razzle Dazzle” não possui qualquer atrativo em sua versão e interpretação, uma faixa um pouco burocrática.

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A faixa final “Tonight/Somewhere”, de “West Side Story”, um musical americano, com um livro de Arthur Laurents, música de Leonard Bernstein , letras de Stephen Sondheim e coreografia de Jerome Robbins. Inspirado na obra Romeu e Julieta de William Shakespeare, a história se passa nos anos 40 e 50 do Upper West Side, bairro de Nova York, qu era comandado por um grupo étnico blue-collar. No início dos anos 1950 a maior parte do bairro passou uma renovação urbana projeto denominado Lincoln Center, aonde vários arquitetos foram contratados para construírem edifícios, principalmente voltados para arte e cultura, sendo dezenas de teatros reformados ou construídos. O musical explora a rivalidade entre os Jets e os Sharks, duas gangues de adolescentes de grupos étnicos distintos, os membros dos tubarões de Puerto Rico são insultados pelos Jets, um polonês-americano da classe trabalhadora do grupo. O jovem protagonista, Tony, um dos Jets, se apaixona por Maria, irmã de Bernardo, líder dos Sharks. O tema escuro, a música sofisticada, cenas de dança estendidas, caracterizadas por problemas sociais marcou um ponto de virada no teatro musical americano. A música contém o típico clima de fim de espetáculo, fechando o disco com chave de ouro, além do ótimo dueto de Snider com Patti LuPone Ann, vencedora do Tony Awards de 1979, pela interpretação de Eva Perón no musical Evita.

O disco soa bem diferente nas primeiras audições, mesmo aos mais habituados às canções no estilo das originais. Aconselho a ouvirem diversas vezes até se acostuamrem à mistura de estilos. Pode soar até estranho no primeiro momento, mas indico a ouvir com a mente aberta, pois valerá a pena. Apesar das canções serem regravações, ensina que há muito que se explorar na música, devido o rock/metal ser um estilo agregador, não tem limites, necessita-se, entretanto de criatividade.

Track List

  1. Cabaret
  2. The Ballad Of Sweeney Todd
  3. Big Spender (with Cyndi Lauper)
  4. Mack the Knife
  5. Whatever Lola Wants (with Bebe Neuwirth)
  6. Music Of The Night (with guest violinist Mark Wood)
  7. The Joint Is Jumpin’ (with Jesse Blaze Snider)
  8. Luck Be A Lady (with Clay Aiken)
  9. I Get A Kick Out Of You
  10. There Is Nothin’ Like A Dame (with the stars of “Priscilla Queen of the Desert: Will Swenson, Tony Sheldon and Nick Adams)
  11. Razzle Dazzle
  12. Tonight/Somewhere (with Patti LuPone)

 

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