War Room: The Black Crowes – Shake Your Money Maker [1990]

War Room: The Black Crowes – Shake Your Money Maker [1990]

Por Diogo Bizotto

Com Alisson Caetano e Mairon Machado

A seção “War Room” aborda hoje o primeiro álbum de uma das bandas mais bem sucedidas do início dos anos 1990, o The Black Crowes. Liderado pelos irmãos Chris (vocal) e Rich Robinson (guitarra), o grupo da Geórgia (Estados Unidos) praticava um rock ‘n’ roll que equilibrava influências britânicas e norte-americanas com um delicioso acento southern e conquistou muitos fãs com seus primeiros discos. Confira abaixo nossas impressões a respeito de Shake Your Money Maker, redigidas ao mesmo tempo em que escutávamos suas faixas.


Diogo: Esta indicação não vem de graça. “Shake Your Money Maker” é, de longe, o álbum que mais tenho escutado nas últimas semanas. Não é que não o conhecesse antes, na verdade já conhecia este álbum e a maior parte da discografia do The Black Crowes, só que realmente o redescobri recentemente e aprecio cada vez mais suas qualidades. Cometi o erro de não indicá-lo na edição dedicada a 1990 da série “Melhores de Todos os Tempos” e busco agora compensar essa falha. Digo mais: penso que os anos 1990 poderiam ter sido musicalmente mais interessantes caso a imprensa musical houvesse dado ao Black Crowes a mesma atenção que deu ao Nirvana.


1. Twice as Hard

Mairon: Este é um dos grandes discos dos anos 1990. Uma revelação ao mundo. Para quem o descobriu na época, soava como se o Led tivesse nascido novamente, a começar por esta faixa sensacional, na qual o slide de Rich Robinson é muito similar ao de Page e os vocais de Chris Robinson são Plant puro.

Diogo: Esses acordes soltos no início da música até podem enganar e fazer com que pensemos que se trata de uma banda típica do início dos anos 1990, de sonoridade meio desleixada, em oposição aos excessos da década anterior. Bastam poucos segundos para que nos demos conta de que se trata de um grupo muito diferente disso, com foco muito grande naquilo que se densenvolveu nos anos 1970 nos Estados Unidos e no Reino Unido (com muita influência dos norte-americanos).

Alisson: Conhecia os Black Crowes de outros tempos e ouvi bastante este disco. Mesmo sabendo que era meio que uma homenagem ao hard rock 70’s e ao southern rock, sem nada de novo, sempre achei competente o que era feito pelos caras.

Diogo: Bem sinceramente, não vejo tanta relação assim com Led Zeppelin, mas ao mesmo tempo não acho que se trate de mera chupinhação de Rolling Stones, Faces ou Aerosmith, como alguns dão a entender. A identidade sulista é muito evidente e vem como um diferencial enorme.


Single para “Jealous Again”

2. Jealous Again

Alisson: Engraçado que o Brendan O’ Brien mixou este disco, que é um dos pontos positivos dele.

Mairon: Esta já tem um climão mais Lynyrd Skynyrd. Os vocais, apesar de ainda lembrarem Plant, têm aquela raiz southern muito forte. Os caras faziam música do jeito deles, com inspirações muito corretas. Há até um R de Rolling Stones (“Honky Tonk Women” e “Tumbling Dice”),

Diogo: Esta é uma das que mais incitam a comparação com os Stones. Esse piano pontuando a canção tem muito a ver com aquilo que a turma de Jagger e Richards fez no início dos anos 1970. Assim como a anterior, é uma das que mais gosto do álbum e de toda a carreira do grupo.

Alisson: O piano desta faixa me lembra muita coisa que o Lynyrd Skynyrd fez nos dois primeiros discos mesmo.

Mairon: É óbvio que o piano do Chuck Leavell tem muito a ver com essa questão do southern. Afinal, o cara fez parte da reformulação do Allman Brothers. Para mim é uma faixa ok, não a considero uma das melhores, até porque acho que as melhores vieram nos dois discos depois deste.

Diogo: Isso é verdade, bem lembrado. Na real, acho que tem mesmo mais a ver com o Allman Brothers do que com o Lynyrd Skynyrd, apesar da comparação não ter nada de absurda. Eu tenho uma pequena preferência pelo primeiro disco do que por The Southern Harmony and Musical Companion (1992), mas o nível de ambos é muito semelhante. Depois deles, acho que a banda manteve-se muito bem, mas sem nunca alcançar o mesmo resultado formidável dos dois primeiros. Gosto que eles têm um foco maior nas canções e são menos no estilo jam.

Mairon: Para mim, Amorica (1994) é uma obra-prima a ser estudada nas escolas.


3. Sister Luck

Alisson: Esta deve ser a que eu mais gosto do disco todo. Ela me lembra um pouco as baladas do Lynyrd com um pouco de Stones no meio. E é a faixa em que o baixo mais se sobressai.

Mairon: Perfeito, Alisson. Estava escrevendo isso, hehehe.

Alisson: Só para complementar o que vocês estavam falando dos outros discos, meu interesse pela banda acaba neste disco mesmo. Os outros nunca tiveram o mesmo apelo comigo.

Mairon: Nesta dá para imaginar a voz do Jagger ecoando nas caixas de som, junto de vocalizações femininas.

Diogo: Esta tem uma pegada sulista mais evidente mesmo. Algo que os britânicos muitas vezes tentaram reproduzir, e conseguiram sucesso com isso, mas sem soar com a mesma autenticidade de um verdadeiro sulista. Rich Robinson não é um guitarrista dos mais lembrados, mas tenho gostado mais e mais de seu trabalho. Não é tão rico em recursos quanto muitos outros, mas tem um bom gosto muito grande e ajudou a construir a identidade da banda tanto quanto seu irmão Chris.

Mairon: Uma coisa interessante desta música, desde que a ouvi pela primeira vez, é que há uma forte relação com a versão de “Knockin’ on Heaven’s Door” do Guns N’ Roses. Só eu acho isso?

Alisson: Só.

Mairon: Claro, excluindo o refrão. Os acordes da melodia central são idênticos, e o ritmo também.

Diogo: Há alguma semelhança estilística, mas não vejo tantas semelhanças estruturais. Posso estar enganado, pois não manjo tanto assim de música como músico.

Alisson: Esse trecho final da música me ganha, acho muito bom o lick de guitarra antes do início da repetição.

The Black Crowes em 1990: Jeff Cease, Rich Robinson, Chris Robinson, Steve Gorman e Johnny Colt

4. Could I’ve Been So Blind

Alisson: Esta faixa o Chris canta quase como o Rod Stewart.

Mairon: Esta é o Rod Stewart quem canta (risos). Pombas, Alisson (risos). Mais uma faixa Lynyrd Skynyrd, com temperos de corvos negros.

Alisson: Mas não sei, tem alguma coisa com o tempo desta faixa que sei lá. Não a curto tanto assim.

Diogo: Comparações com Rod Stewart eu aceito de boa. Acho muito exageradas as comparações com Steven Tyler, do Aerosmith. Acho que o Cinderella tinha muito mais a ver com o Aerosmith do que o Black Crowes.

Mairon: Bah, o Aerosmith não tem nada a ver com o Black Crowes. É outro mundo. Eu acho os solos do Rich Robinson simples, mas honestos e bem encaixados nas músicas.

Diogo: Cinderella que, aliás, fazia um som em uma linha não tão diferente assim, mas é muito mais comparado com um Poison da vida do que com coisas assim. Não faz o mínimo sentido. Coisa de quem nunca parou para ouvir a banda ou, no máximo, escutou alguma coisa do primeiro disco, único mais puxado para o pop metal.


5. Seeing Things

Alisson: Pega o isqueiro.

Mairon: Uma das mais belas canções da carreira deles.

Alisson: Confesso que esta eu pulava.

Mairon: Esse órgão do Leavell é de chorar.

Alisson: Adoro, de novo, o timbre de baixo desta faixa. Mas o trabalho vocal não me chama atenção.

Diogo: Esta é para fazer todos os bêbados da bodega começarem a se abraçar. Esse órgão sutil, vocal começando na manha e explodindo no refrão, backing vocals em uma linha mais gospel… Sensacional, uma das melhores da carreira da banda, das melhores mesmo. Além disso, é meio que “blueprint” para uma das grandes faixas do segundo disco, “Bad Luck Blue Eyes Goodbye”.

Mairon: A interpretação do Chris também é sensacional. Poxa, Alisson, eu acho uma baita sonzeira. Esse refrão é quase uma “With a Little Help from My Friends” …

Alisson: Tá forçando as comparações hoje, hein?

Diogo: Muito se fala sobre o grunge ter varrido para baixo do tapete o hard rock oitentista (pop metal, hair metal, como queiram), mas uma banda como o Black Crowes também acabou sendo atingida com isso. Apesar deste disco ter vendido muito e do segundo também ter tido um bom desempenho, depois disso a banda decaiu bastante em vendagens e popularidade em geral. Se tornou mais um “cult act”, apesar da juventude.

Alisson: Durante os anos 1990 para frente, surgiu uma ou outra banda com um disco mais nostálgico que chamou atenção. Meio que aconteceu com o The Darkness em 2003 (?), com a pegada mais hard rock 80’s.

Mairon: Pois é, não estou forçando comparações, mas é um disco que eu ouço há muito tempo, e sempre tive essas impressões.

Alisson: Ambas têm seus méritos, mas para mim as duas são meio que só isso mesmo, boas execuções, esse lance nostálgico no som, que só ouço de vez em quando.


Single para “Hard to Handle”

6. Hard to Handle

Mairon: Belíssima versão para o clássico de Otis Redding. Baita embalo, baita faixa para pular em uma festa. Só esse som da caixa que não curto muito. Mas é típico dos anos 1990.

Diogo: Se não me engano, foi com este cover de Otis Redding que a banda “pegou” de vez e fez amizade com a fama e o sucesso. Não foi à toa, pois trata-se de uma versão que é pura energia, swing, malícia, sacanagem e tudo mais. O refrão ficou sensacional e Chris está em ótima performance.

Alisson: A levada da faixa ficou boa demais mesmo, só não vou conseguir comparar com a original porque eu nem me lembro da original (risos).

Diogo: Enquanto esta é conduzida pelas guitarras, na original são os sopros que executam essa tarefa.

Alisson: Sempre pensei que faltou um pouco mais de “boost” na hora do solo, mas tudo bem, a música continua boa de qualquer forma.


7. Thick N’ Thin

Mairon: Rockaço. Esta sim pode ser comparada com algo do Aerosmith. Outra vertente muito boa dos corvos, essa capacidade de fazer baitas rocks. E, claro, o piano dá a regada southern que a faixa precisa.

Alisson: Esta tem esse lance country bem forte para mim, o refrão eleva o nível demais.

Diogo: As guitarras desta música têm um quê, um certo “jangle” que a diferencia do que vinha se fazendo em termos de rock no mainstream na época, mais durão, mais baseado em força bruta.

Alisson: Junto com “Sister Luck”, minha favorita do disco.


Single para “She Talks to Angels”

8. She Talks to Angels

Mairon: Que música linda. Buda que partiu. Esse dedilhado de violão, essa voz suave, tudo casa perfeito. A melhor do disco rolando agora no PC.

Alisson: Não lembro onde vi pela internet alguém tocando-a em um violão de 12 cordas. Gosto bastante desta também. Se não me falha a memória, uma das que mais estouraram, acho.

Diogo: Os bêbados que estavam se abraçando em “Seeing Things” e já deviam estar caídos no chão levantam-se e pedem mais uma pro garçom em honra a esta baita, mas BAITA música. Isto aqui não é Stones, não é Faces, Aerosmith, Allman Brothers, Lynyrd Skynyrd, o diabo a quatro, isto é uma banda que tinha identidade e sabia compor canções impactantes, de bom gosto, bem tocadas e bem cantadas.

Alisson: Vou deixar o Diogo puto, mas esta faixa me lembra coisa do Led Zeppelin no III (1970) (risos).

Mairon: Bah, não acho nada de Led III nela, hehehe.

Alisson: Não ela toda, uns trechos esporádicos.

Mairon: Acho-a bem original, conforme Bizotto.

Diogo: Novamente, o órgão de Chuck Leavell fazendo enorme diferença. Aliás, não acho nenhum absurdo uma banda ter um organista E um pianista na formação.

Alisson: “Original” também eu não usaria pro disco no todo (risos).

Diogo: Também não achei que tem nada a ver com o Led III.

Alisson: Mas não é um demérito, o disco é legal pelo que ele é.

Mairon: Original para o disco todo não. Mas para “She Talks to Angels”, sim.


9. Struttin’ Blues

Mairon: Outra que acho fraquinha. É difícil continuar ouvindo o disco depois de algo tão grandioso quanto “She Talks to Angels”. Poderiam ter encerrado com ela.

Alisson: Foi o disco todo e só deixaram espaço para um solo de teclado agora.

Diogo: Este hardzão mais solto me soa mais genérico que a grande maioria das faixas, mas compõe o tracklist sem soar como filler. Não é o tipo de música que me faz clicar no “skip”.

Alisson: “Thick N’ Thin” é boa porque sabe a hora de parar, dois minutos e meio para uma faixa deste tipo é suficiente.

Diogo: Já que estamos falando tanto de comparações, sinto uma leve semelhança com o Kiss dos primórdios. O solo, inclusive, não me parece muito diferente do que Ace Frehley faria.

Alisson: Pronto, todo mundo teve sua cota de comparações estranhas.


10. Stare It Cold

Mairon: Não vi nada de Ace Frehley na música anterior. Mas nesta, o riff me lembra o de “Firehouse” (forçado, mas lembra).

Alisson: Esta também passa completamente batida para mim.

Mairon: Só que é mais uma faixa southern na essência, com o slide se fazendo presente e tal. Só acho que deveria ter vindo antes de “She Talks to Angels”. O álbum cai depois dela.

Diogo: Este é meu momento de discordar do Mairon, que disse que o disco poderia ter se encerrado com “She Talks to Angels”. Acho que “Stare It Cold” é uma boa música, com um refrão bem legal, que fecha o tracklist normal de maneira bem empolgante.

Alisson: Na real mesmo, as duas últimas são meio forçadas, esta aqui mesmo parece em parte reciclada de outras faixas do disco.

Mairon: Exato, Alisson. Parece ter entrado para preencher o CD.

Diogo: Confesso ainda que acho meio estranho um álbum encerrar com uma balada, então esse é mais um motivo para que eu não seja a favor do encerramento com “She Talks to Angels”.

Alisson: Novamente, sei lá por que o solo de guitarra tão baixo em algumas faixas.

Mairon: Lembrando que o disco chegou a sair em vinil e virou raridade hoje em dia (por que não comprei ele na época…??).

Diogo: Realmente, não lembro de ter visto este álbum na época em que comprava vinil com frequência. Essa acelerada no fim da canção acaba sendo o encerramento ideal para o disco. Não precisa de mais nada. Acho que a escolha foi acertada. Na verdade, achei o tracklist todo muito bem equilibrado.

Mairon: Esse final é legal, mas continuo achando que ela poderia ter vindo lá no meio.


Considerações finais

Mairon: Um belo álbum de estreia. Como disse, considero os dois seguintes melhores que ele. O Black Crowes tinha tudo para ser uma banda mais venerada, mas a guerra de egos acabou com essa promessa. Shake Your Money Maker é um grande disco e, com certeza, quem curte música e coleciona itens relacionados a essa arte deve ter este disco como uma audição regular.

Diogo: Como disse anteriormente, redescobri este álbum recentemente e é um prazer compartilhá-lo com os colegas e leitores. Recomendo e muito que todos confiram o restante da discografia do grupo, pois não falta nela material de qualidade, mesmo em álbuns bem menos lembrados pelo público.

Alisson: O disco me traz certo ar de nostalgia, até porque eu o ouvi bastante com uns 16 anos, quando gostava mais de hard rock setentista. Sempre achei que a ideia nunca foi tentar algo novo, soar original ou reinventar a roda, até por conta disso eu acho que o interesse geral por eles nunca durou tanto, mas como eu nunca exijo que algo seja inovador, o fator competência conseguiu ser cumprido.

Mairon: E cumprido com propriedade. Os caras são competentíssimos.

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