Neil Young – The Times [2020]

Neil Young – The Times [2020]

Por Micael Machado

“Os tempos estão mudando”! Esta frase, uma tradução livre do título de uma das mais conhecidas canções de Bob Dylan, poucas vezes foi tão adequada ao momento da raça humana quanto a tudo o que ocorreu no ano de 2020, com a ameaça da COVID-19 e todas as restrições que o coronavírus impôs a todos nós (e, em alguns casos, especialmente em certos países sul-americanos liderados por negacionistas da pandemia, continua impondo). Uma das classes trabalhadoras mais afetadas foi a dos músicos, que, impossibilitados, de uma hora para outra, de excursionar e fazer shows, se viram obrigados a partir para soluções alternativas para continuar em relevância, ou mesmo, em alguns casos, conseguir pagar as contas. Muitos preferiram resgatar antigas apresentações (inéditas ou não) e transmiti-las em seus canais oficiais para seu sedento (e confinado em casa) público ao redor do mundo, enquanto outros partiram para a transmissão de “lives” pelas redes sociais, fossem elas realmente “ao vivo” ou apresentações especiais pré-gravadas.

Um dos artistas que adotou esta alternativa foi o bardo canadense Neil Young, que transmitiu através de seu site, ao longo daquele ano, uma série de vídeos chamados “The Fireside Sessions” (“Sessões ao Lado do Fogo”, em tradução livre), onde o músico, isolado em seu rancho no Colorado, acompanhado apenas por sua nova esposa, a atriz Daryl Hannah (responsável pela captação tanto do áudio quanto das imagens em seu iPad), e tendo por audiência um gato, alguns cachorros e outro tanto de aves completamente desinteressadas, como galinhas e gansos, interpretava algumas de suas muitas composições no esquema “voz e violão” (e, ocasionalmente, harmônica – ou gaita de boca, como também é conhecida), algo comum à trajetória de Young desde antes de se lançar como artista solo, ainda na década de 1960. Uma destas sessões, realizada no início de julho de 2020, teve seu lançamento oficial em setembro daquele ano no formato do EP The Times, primeiro apenas através de streaming no site de Neil e pelo serviço Amazon Music HD, mas depois também nos formatos CD e LP, pela gravadora de longa data de Young, a Reprise Records.

Neil Young durante uma de suas “Fireside Sessions”

Pode-se dizer que os pouco menos de vinte e sete minutos de The Times o tornam no lançamento mais “político” de Young desde Living With War, de 2006, cujas letras e o conceito traziam duras críticas à administração de George W. Bush. Foi daquele álbum que Neil resgatou “Lookin’ for a Leader”, que teve título (virou “Lookin’ for a Leader 2020“) e letra atualizados para se tornar uma pesada crítica à administração de Donald Trump (em versos como “América tem um líder / Construindo muros ao redor de nossas casas / Ele não sabe que vidas negras importam / E nós temos que votá-lo para fora”) e em apoio à candidatura de Joe Biden (“Sim, tivemos Barack Obama / E nós realmente precisamos dele agora /O homem que estava atrás dele / Tem que tomar seu lugar de algum jeito”, lembrando que Biden era vice-presidente durante a administração Obama), que viria, felizmente, a vencer as eleições daquele ano nos EUA. A temática política também está presente nas letras de clássicos como “Alabama” e “Southern Man” (ambas com pesadas críticas ao modo de vida e mentalidade cultural no sul dos EUA, com fortes tendências de segregação racial e absolutismo religioso tanto nos anos 1970, quando foram escritas, quanto hoje em dia) ou “Ohio”, o protesto do bardo ao massacre da Universidade de Kent State em 1970, e “Campaigner”, onde o músico cita o ex-presidente norte-americano Richard Nixon, dizendo que “mesmo ele tinha uma alma”, e que aqui aparece em uma rara interpretação ao vivo.

Fechando o track list do EP, há uma versão para a canção citada no início deste texto (para quem não “captou”, a música é “The Times They Are A-Changin’“, lançada por Dylan em 1964 – e uma composição com os versos “Venham senadores e congressistas / Por favor, atendam ao chamado / Não fiquem parados na porta / Não bloqueiem o corredor / Há uma batalha furiosa lá fora” certamente se adapta ao conceito deste lançamento) e uma raríssima rendição ao vivo para “Little Wing”, faixa lançada originalmente em 1980 (no álbum Hawks & Doves) e, a princípio, a única a fugir da temática deste disco. Mas, quando se pensa que a mesma, segundo algumas interpretações, é um simbolismo para o ressurgimento da vida na natureza após a passagem do inverno (citado na letra como “a melhor das estações”), a faixa, que encerra o EP, acaba soando como uma esperança de novos tempos, longe da obscuridade e das trevas culturais trazidas aos EUA com a administração Trump, a qual, por mais malévola e destrutiva que tenha sido, infelizmente ainda influencia governos em outras partes do mundo, especialmente, como citado antes, em certos países sul-americanos liderados por negacionistas da pandemia. Tenhamos todos, enfim, esperança de tempos melhores, afinal, “The Times, They Are A-Changin’”.

Contracapa de The Times

Track List

1. Alabama
2. Campaigner
3. Ohio
4. The Times They Are A-Changin’
5. Lookin’ for a Leader 2020
6. Southern Man
7. Little Wing

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