Tralhas do Porão – Gypsy

Tralhas do Porão – Gypsy

Por Ronaldo Rodrigues

O cenário roqueiro no fim dos anos 60 era desafiador para qualquer banda norte-americana. Além de uma virtual concorrência com bandas de todo o país, os EUA passavam por uma espécie de fase 2 da invasão inglesa, dessa vez contando com o sucesso de nomes como os Rolling Stones, Led Zeppelin, Deep Purple, Ten Years After, The Who, Moody Blues, etc. No terreno local, grupos como Chicago, Grand Funk Railroad e Mountain, eram vistos por grandes plateias e vendiam muitos discos. O panorama era acirrado e muitas vezes, grupos de grande potencial, atingiam apenas fama local (estadual ou regional).

O Gypsy foi uma banda que conseguiu romper, momentaneamente, essas barreiras. No nordeste dos EUA, em Minnesota, o grupo foi formado pelo tecladista e vocalista James Walsh e seu colega Enrico Rosenbaum, guitarrista e vocalista. Walsh começou na bateria e na percussão, e já aos 12 já tocava profissionalmente, encorajado por sua mãe que era cantora. Com o passar dos anos, migrou para os teclados e com 17 anos já se dedicava exclusivamente à música.  Um dos grupos do qual fez parte, o Underbeats, foi o núcleo do que viria a ser o Gypsy, cuja primeira formação envolvia além de Walsh e Rosenbaum, o guitarrista Calvin James e o baixista Doni Larson.

O Underbeats acompanhava o desenvolvimento do rock nos anos 60, passando do beat ao rock psicodélico, tento lançado um punhado de compactos entre 1964 e 1969. Da última formação do Underbeats para o Gypsy, a única mudança foi o acréscimo do baterista Jay Epstein. O nome foi uma sugestão do baixista Doni Larson, já que a banda estava procurando acompanhar toda a movimentação cultural daquela virada de década. O grupo não tinha uma linha exatamente definida e nem um conjunto muito restrito de influências – o objetivo era fazer música em conjunto, buscando agregar o máximo de ideias e soar tão eclético quanto era o rock daquela época.

Aproveitando a experiência adquirida com o Underbeats, o grupo já era empresariado por Stevie Freeman e conseguiu um contrato com o selo Metromedia Records (um selo com poucos anos no mercado), que os ofereceu um bom adiantamento e um planejamento interessante de investimentos em marketing e promoção. A banda também tinha em mãos uma oferta da poderosa Atlantic, mas lá eles estariam no terceiro escalão, e por isso a oferta da Metromedia pareceu mais interessante. O primeiro álbum (autointitulado) foi rapidamente desenvolvido com o farto repertório que a banda tinha em mãos, gerando de cara um álbum duplo (algo incomum para a época). A capa utiliza uma gravura do pintor tcheco Alphonse Mucha, por sugestão do empresário, que viu uma exibição do artista na Califórnia.

O disco é difícil de categorizar – possui o senso melódico dos Beatles, algo de Allman Brothers Band ou Dobbie Brothers no ritmo de suas músicas e nas seções instrumentais, mas também alguma proximidade ao hard/progressivo como o Bloodrock, ou mesmo o Grand Funk Railroad. Os arranjos orquestrais do álbum foram elaborados e executados por Jimmie Haskel, maestro que trabalhou com Elvis Presley, Neil Diamon, Everly Brothers e Crosby, Stills & Nash. A suíte que abre o álbum foi lançada em compacto duplo e teve, assim como o álbum, boa vendagem. O compacto com “Gypsy Queen Part 1” chegou a constar do Hot 100 da Billboard em 1970. No mesmo ano, a banda acumulava grandes feitos – era residente no famoso Whiskey a-Go-Go em Hollywood, California, e fez parte do cast do Atlanta Pop Festival que teve como headliners Jimi Hendrix, Allman Brothers Band, Mountain, Procol Harum, Ten Years After, Johnny Winter e Jethro Tull. A Metromedia estava animada com a boa repercussão e incentivou a moçada a trabalhar em um disco novo.

O novo álbum foi preparado com “sobras” do material escolhido para o primeiro disco. E com a qualidade musical observada em In the Garden, de 1971, é possível ver como a moçada estava em um ápice criativo. A ousadia instrumental era ainda maior como atestam faixas como a longa “As Far as You Can See”, as duas partes de “Here (In the Garden)” e ‘Time Will Make it Better”. Rosenbaum e Walsh eram os principais compositores e a banda tinha um grande entrosamento para dar soluções muito criativas nos arranjos. Na época, a banda trocou de baterista – saiu Jay Epstein e entrou Bill Lordan, que ficou mais conhecido pelos longos anos trabalhando ao lado de Robin Trower e por ter feito parte do Sly and Family Stone. Novamente a capa do álbum contou com ilustrações de Alphonse Mucha (1860 – 1939); o álbum teve boa vendagem e permitiu que a banda continuasse com boa repercussão junto ao público. O Gypsy ficou mais de 1 ano em turnê acompanhando o Guess Who.

Talvez as qualidades da música do Gypsy – que não era nem exatamente progressiva, nem pesada e nem tão psicodélica que permitisse atingir um público amplo – causaram também uma certa dificuldade para a banda subir novos degraus no sucesso comercial. O público estava ficando menos eclético e mais segmentado – a moçada que ia aos shows de Todd Rundgreen não era exatamente a mesma que ia ver o Black Sabbath; quem comprava ingressos para ver o Canned Heat dificilmente assistiria o Yes em sua cidade. Então, a aposta em um som eclético, ainda que bem tocado, bem composto e produzido, não encontrava mais tanto eco em 1972 quanto em 1969 ou 1970.

Com a banda sentindo-se confiante, buscaram um novo contrato e conseguiram assinar com a poderosa RCA. Mas, sendo parte de um grande selo, a busca por hits e números expressivos passou a ser uma preocupação muito forte. Isso fez com que o som do Gypsy aparasse as arestas e buscasse ser mais direto, com um acento pop mais forte. Antithesis, o novo álbum, representava uma guinada da banda em direção ao soul e um som mais funkeado; contudo a qualidade instrumental do Gypsy permanecia intacta; o disco tem ótimos momentos, como “Crusader”, “Facing Time”, “Young Gypsy” e “Money”. Já o álbum seguinte, Unlock the Gates, aprofundou a veia pop comercial, mas sem o mesmo gás de antes, ainda que o disco esteja longe de ser desagradável de ouvir. Um detalhe interessante é que o naipe de metais do Chicago (já muito famosos na ocasião) foi quem cuidou dos sopros nesse disco. O sucesso não veio, e a banda se desmanchou em 1975.

Enrico Rosenbaum, guitarrista e vocalista do Gypsy, faleceu precocemente ainda nos anos 70. James Walsh prosseguiu formando a James Walsh Gypsy Band, com um disco bem sucedido, lançado em 1978. Calvin James também formou um grupo próprio, chamado The Steamers, no início dos anos 80. Ainda hoje James Walsh dá sequência ao legado do Gypsy, que tem um público cativo nos EUA.

3 comentários sobre “Tralhas do Porão – Gypsy

  1. Banda que eu considero muito subestimada. Deveria ser mais presente nas audições mundo a fora. Baita texto Ronaldo, e belo resgate de uma banda fantástica!!

  2. Conheci o primeiro disco dessa banda ainda criança, pois ele fazia parte da coleção do meu pai. Sempre achei incrível o solo de bateria cheio de efeitos, o vocal pop sem perder a pegada progressiva e as guitarras, que são lindíssimas. Hoje, essa banda me fez conhecer esse site e me deslumbrar com seu conteúdo.

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