Tralhas do Porão: Banchee

Tralhas do Porão: Banchee

Por Ronaldo Rodrigues

O injusto contar do tempo tratou de pôr na gaveta pérolas e mais pérolas da música. E continua colocando. Em mais um capítulo revirando tralhas, trazemos hoje Banchee, formidável banda dos EUA. A banda foi formada como um quarteto de imigrantes (portugueses e italianos) dos arredores de Nova York. Eram eles – Peter Alongi e José Miguel de Jesus nas guitarras, Victor William Digilio nas baquetas da bateria e Michael Gregory Marino no contrabaixo.

A “pré-história” do grupo começa com José Miguel de Jesus e Peter Alongi, que formaram o grupo The People. A especialidade do grupo era tocar os hits das paradas de sucesso em clubes noturnos da área boêmia de Nova York. Músicos dedicados que eram, faziam uma boa grana nesta função e logo começaram a chamar a atenção e a se destacar dentro daquele competitivo cenário musical. Quando a banda decidiu entrar na seara do repertório autoral e se encontava já preparada para tal, o baterista Victor Digilio contatou um amigo endinheirado para dar aquela mãozinha para a banda, que havia se rebatizado como Banchee. O cara era dono de uma casa noturna em Long Island e fez uma boa propaganda sobre a estreia da promissora banda. O Banchee estava a postos e a casa lotada pela expectativa gerada. O grupo subiu ao palco e não decepcionou nenhum dos presentes. Dentre eles estavam os produtores Stephen Schlacks e Warren Schatz. Os dois gostaram muito da performance da banda, do repertório e de um esquema de projeções de imagens e fotografias, bastante inovador para a época, que complementava a parte musical apresentada. Em um pequeno intervalo de tempo, os produtores já estavam articulando a gravação do primeiro disco da banda.

Schlacks e Schatz levaram a banda para gravar em um estúdio no Brooklyn chamado Associated Studios, onde Schatz era engenheiro de som. Segundo o relato de ambos, o Banchee não teve nenhuma dificuldade em gravar o material rebuscado apresentado no disco, contudo, todos eram imbuídos de um perfeccionismo que fez o processo todo de gravação e finalização consumir vários meses, algo incomum para a época e principalmente para uma banda estreante. No dia do casamento de Peter Alongi, o restante da banda estava em estúdio finalizando partes do disco! Todo esse esmero foi reconhecido de imediato quando os produtores apresentaram o material para Atlantic Records, que na época estava despontando no rock com os badalados Crosby, Stills & Nash, Led Zeppelin e Yes. Um contrato foi assinado para o lançamento do álbum, com a banda recebendo um adiantamento em dinheiro e todas as despesas de estúdio quitadas posteriormente pela estampa. Tudo parecia muito bom para o Banchee.

O som do Banchee no primeiro disco, apesar de ser descrito por José Miguel como pouco comercial, dava tintas próprias a um som com reminiscências dos Byrds, do Quicksilver Messenger Service ou do Moby Grape, mas que também dialogava facilmente com os ingleses do The Move e tinha uma forma própria de acelerar e distorcer o som de suas guitarras, acompanhando a tendência daquele turbulento 1969. Com exceção de Victor, todos na banda cantavam e os vocais divididos são uma boa marca ao longo de todo o álbum. José Miguel era o compositor principal da banda e as composições da banda eram inteligentemente construídas e bem executadas.

O início do álbum é tranqüilo com “Night is Calling” em caprichosas linhas de guitarra e vocais entrosados; “As me Thinks” é um bom trago de psicodelia, com vocais azeitados e timbres de guitarra acidamente saturados, com uma surpreendente levada latina no meio da canção. Já “Follow a Dream” é uma canção bucólica com rebuscado arranjo de orquestra e “Beatifully Day” tem ares de mini-suíte. A psicodelia abre alas na seção final do disco com “Evolmia”,  e seus andamentos quebrados, “I Just Don’t Know”, “Hands of Clock” e uma seção frenética de solos de guitarra em “Tom’s Island”.

Apesar de toda a perspectiva positiva, a Atlantic não deu muita atenção a promoção do disco do Banchee na ocasião.  Os produtores recordam que a Atlantic possuía uma página inteira de promoção de lançamentos na revista Billboard mas que o disco do Banchee não foi nem sequer citado nas edições daquele ano. José Miguel, em retrospectiva, afirma que se recorda bem da feliz sensação de entrar na Sam Goody’s (que era a maior loja de discos de NY na ocasião) e ver o disco do Banchee em destaque por lá. O resultado da falta de promoção da Atlantic se reverteu em poucas vendas e pouca repercussão para o álbum. Além do mais, por razões pouco conhecidas, a banda nunca teve um agente para shows e se manteve restrita na costa leste dos EUA. As músicas “I Just Don’t Know” e “Train of Life” chegaram a ser lançadas como compacto no início de 1970.

Apesar de abrir shows para o Rhinoceros (que José Miguel destaca como a mais memorável performance da banda) e para o Blood Sweat and Tears além de apresentações próprias ou com bandas pouco conhecidas, nada de muito relevante aconteceu nos meses seguintes. O contrato com a Atlantic não foi renovado e o desânimo se abateu sobre todos. Eis que um contato de José Miguel chega com a notícia de que Michael Jeffrey, que tinha sido empresário de Jimi Hendrix, estava interessado na banda. O fim de 1970 representa um novo gás para a banda, que incorpora o percussionista brasileiro Fernando Luiz Roman na sua formação, passando a ser um quinteto.

Michael Jeffrey coloca os garotos dentro do famoso Electric Lady Studios, construído por Hendrix e Eddie Kramer, para gravar o segundo disco. A banda entrava de cabeça nos anos 70, incorporando mais peso, solos de guitarra mais longos e um trabalho de percussão que a aproximava do som do Santana. Michael Jeffrey dava um pitaco aqui e ali e vendo o potencial do material, consegue sem grandes dificuldades fechar um novo contrato para a banda, dessa vez com a Polydor. Em agosto de 1971, é lançado Thinkin’, o segundo e derradeiro álbum.

A banda usou muito bem os recursos técnicos que estavam disponíveis (estéreos, wah-wah, fades, etc) em um trabalho muito bem capturado nos sulcos do vinil. A energia fluía das novas composições, na qual a banda usa e abusa das percussões e de andamentos quebrados. Thinkin’ é um disco que tem uma tendência ao hard-rock um pouco mais definida, mas com o toque de inventividade da banda. O disco começa com “John Doe”, que é o momento mais pesado do disco. A faixa título do disco lembra bastante o clima do primeiro trabalho, como se fosse um novo cruzamento de The Move com o Byrds, mas já com aquele cara de anos 70 e “Willya” é um groove delicioso com guitarras e percussões aos montes.

As faixas “John Doe” e “Children of the Universe” sairam também em compacto em 1971. Novamente o disco não se saiu bem comercialmente e tudo se acaba pouco tempo depois dessa sobrevida da banda. José Miguel de Jesus continuou nos bastidores da produção musical e seus outros companheiros de banda desistiram da carreira musical. Peter Alongi faleceu na década de 90. Em 2001, o selo Lizard relançou os dois discos do Banchee em um único CD, o que propiciou que uma nova geração de garimpadores de bons sons pudesse tomar parte dessa pepita.

2 comentários sobre “Tralhas do Porão: Banchee

  1. Faço a minha visita diária à Consultoria e sou surpreendido positivamente com um artigo sobre essa banda subestimadíssima chamada Banchee! Nos subterrâneos do início dos anos 70 do século XX, ficaram muitas bandas escondidas por falta de apoio de suas gravadoras, e o Banchee é um caso emblemático. “John Doe” (a música que me chamou a atenção para essa banda), “Beautifully day”, “Evolmia”, “Iceberg”, “The night is calling”, “38”, “Searcher’s life”… A banda tinha um repertório de ótimas composições, e os caras eram músicos da maior qualidade. Difícil entender como eles não alcançaram o sucesso… Ronaldo, ótimo artigo!

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