Dos porões da alma: um relato sobre o Type O Negative – Parte 1

Dos porões da alma: um relato sobre o Type O Negative – Parte 1

Por Marcella Matos

Guardamos determinados sentimentos por não vermos razão em externalizá-los: depositamo-los em pequenas caixas, e acredito que o nosso cérebro é uma delas. Uma vez lacradas, estão imune às ‘intempéries’ do esquecimento que por ventura podem vir a danificá-las… Com muito cuidado, confiamos este pequeno tesouro num recinto longe dos olhos e olhares de todos –  a nossa alma. Neste tão íntimo e distante ‘lugar’ depomos o que há de mais puro e nobre acerca daquilo que nos fazem ser o que somos, ao mesmo tempo em que ‘empurramos’ escada abaixo tudo aquilo que parcamente empobrece o espírito… É nós porões da alma que preferimos mantê-lo…

Nada mais apropriado para falarmos de Type O Negative, banda que traz em sua bagagem uma atmosfera repleta de elementos mórbidos, soturnos, ora salpicado de um sexualismo exacerbado, que se une ao universo vampiresco numa fusão que reforça a faceta criativa e original de uma das bandas que marcaram com ‘ferro e fogo’ (acho que sangue seria um termo mais apropriado!) seu espaço musical nos anos 90.

Esse caldeamento lúdico dificilmente irá encaixá-los em apenas um subgênero dentro do heavy metal: gothic metal, doom metal… Até de vampiric metal alguns veículos especializados já o retrataram – ainda que a sonoridade dos músicos não tenha experimentado vastas mudanças ao longo dos anos, como veremos mais à frente.

Se o ano de 1989 foi o início de tudo para Type O Negative; o Carnivore, banda anterior de Peter, foi o prelúdio daquilo que viria a ser futuramente o Type; pois nota-se, ainda que sutilmente, características sonoras e levemente visuais daquilo que seria Peter e companhia mais à frente.

Peter Steele (centro) no Carnivore – 1986

Teremos que voltar no tempo para entendermos a trajetória sonora dos rapazes: Exatamente no ano de 1976, com a formação do Northern Lights (posteriormente Fallout); banda de Peter juntamente com Josh Silver, tecladista que faria parte do Type O Negative 13 anos depois… O Fallout tinha uma sonoridade que vagava entre o HardCore e o Thrash Metal. Nesta época, Peter compunha “corrosivamente” sobre religião, decorrência da sua criação cristã. Suas letras sobre relacionamentos, traições, morte e sexo só seriam recorrentes em lançamentos que estavam por vir. Após o encerramento das atividades do Fallout, Peter formou o Carnivere.

Peter Steele (à direita) tocando no Fallout

Originária da cidade de Nova York (EUA), Type O Negative só viria lançar seu  debut (Slow, Deep and Hard) dois anos após o início de suas atividades. Conseguiram uma gravadora sem grandes dificuldades, pois dispunham de uma proposta musical bem diferenciada. Encabeçada por Peter Steele (vocal e baixo) e seu amigo de longa data, Sal Abruscato (bateria); a banda se completaria com  Kenny Hickey (guitarra) e  Josh Silver (teclado), antigo parceiro do Fallout.

A primeira apresentação do grupo ocorreu no dia 23 de março de 1990 em L’Amour, no Brooklyn, segundo Mike Scondotto (vocalista do Inhuman), amigo de Peter:

“Eu estava lá e tinha 16 anos, verificando Peter do Carnivore e sua banda nova! Eu os amei desde aquele dia. Eles eram chamados de Repulsion e, em seguida, foram vendendo a demo de cor verde que eu comprei naquela noite e que possuo até hoje. Se chamavam antes de New Minority, depois viraram Repulsion, Sub-Zero e finalmente Type O Negative”.

Slow, Deep and Hard (1991) tem uma sonoridade muito similar à antiga banda de Peter, o Carnivore; seja pelo vocal mais agressivo, pela crueza das músicas, com faixas mais diretas e velozes, numa combinação de elementos sonoros do Punk, Metal Industrial  e Doom Metal; este, percebido através de guitarras mais ‘sujas’ (som mais encorpado, com ganho de volume e distorção) e andamentos ora mais lentos, ora mais rápidos; numa clara influência de bandas como Black Sabbath, por exemplo. Todavia, aquela ambiência desesperadora, fúnebre, que seriam ‘marca registrada’ da banda (em lançamentos posteriores), já está levemente presente nesta fase.  Com letras mais intimistas, Peter e companhia destilam as mazelas de um relacionamento fracassado, com alusão à traição, descrença, desespero, vingança, morte e suicídio… As letras foram compostas em apenas uma noite e são um reflexo das más experiências vividas por Peter naquela época.

A arte gráfica da banda, como o uso recorrente das cores verde e preto (que se tornaria a ‘assinatura’ do Type O Negative) já era bem empregada desde o primeiro disco.

Destaque para a sonoridade do baixo (tocado por Steele), muito bem acentuado ao longo das faixas. Até um coral sacro é incorporado em uma das canções do disco. É justamente a soma das distintas ‘unidades’ que virá a compor o ‘todo’, e dará como resultado final o que se ouve em Slow, Deep and Hard.

O segundo disco do quarteto nova-iorquino deveria ser um simples relato da banda ao vivo, sem muitas variações em relação ao disco anterior… Mas dizem às ‘más línguas’ que Peter gastou todo o dinheiro da produção do disco, e no estúdio mesmo regravou as faixas em novas versões, mixando-as posteriormente para que parecessem tocadas ao vivo; adicionaram-se aplausos, gritos, xingamentos… Até uma possível interação da banda com a plateia, etc. Em se tratando do conhecido senso de humor da banda, não é de se estranhar que a história toda não passou de uma grande ‘piada’ por parte dos músicos; pois perceptivelmente que The Origin of The Feces (1992) não é um disco ao vivo.

É um álbum com uma sonoridade muito próxima do antecessor, com pequenas interferências, claro, faixas mais curtas e a inclusão de dois covers: “Paranoid” do Black Sabbath  e “Hey Joe/Hey Pete” de Jimmi Hendrix, ambas são encontradas apenas no relançamento do disco em 1994.

O humor “ácido” era uma característica da banda

Bloody Kisses (1993) alçou Type O Negative ao topo: Reconhecimento por parte da mídia e público, disco de platina, turnê mundial, clipes e prêmios na MTV… Com esse álbum a banda angariou um número maior de fãs. Composições como “Christian Woman” e “Black n°1” em um disco coeso, de bons arranjos e linhas mais melódicas (principalmente pela presença dos teclados de Josh Silver) fizeram com que a banda ficasse para sempre no imaginário do público. Aquela identidade visual e sonora: Atmosfera gótica, vampiresca e soturna a partir de agora estava intrinsecamente associada à banda. Enfim, Bloody Kisses possibilitou ao Type O Negative seu merecido lugar ao sol (meio inapropriado para vampiros…), mudando sua trajetória no cenário do Metal para sempre.

Uma curiosidade: Neste ínterim ninguém menos que Peter Steele pousou digamos… Como  veio ao mundo, para a revista “feminina” PlayGirl. Pessoas próximas disseram que Peter se arrependeu da empreitada ao descobrir que o público feminino da revista era de apenas 20%.

A segunda parte será publicada no dia 5 de fevereiro.

10 comentários sobre “Dos porões da alma: um relato sobre o Type O Negative – Parte 1

  1. Eu gosto bastante do Type O Negative, inclusive, tenho o Bloody Kisses na minha coleção. A banda soa diferenciada dentro do gothic/doom e o fato de não se levarem a sério se reflete nas letras das composições.

    Agora essa última história de que ele posou nu em uma revista gay sem saber eu ri aqui hahahahahahahaha.

    Ótima matéria Marcella!

    1. Obrigada, André!

      A pessoa faz um “nudes artístico” (cof cof cof) com a intenção de ser Sex Symbol, e é trolado dessa forma hehehe

    1. Pior que não, Cleibsom. A data está correta e ele era só um piá de 14 anos quando cantou e tocou baixo nessa época.

  2. Conheci o TON em meados dos anos 90 com o Bloody Kisses e desde então a banda se tornou uma das minhas preferidas do cenário metálico daquela década. Este álbum é fenomenal de tão criativo e bem arranjado. Mas o melhor, na minha opinião, ainda está por vir. No aguardo da continuação.

  3. Eu confesso que não tenho interesse na banda. Mas também confesso que não consegui parar de rir quando a história do arrependimento de posar nu veio à tona xD

  4. Desde que eu conheci o Type O Negative, se tornou uma das que mais admiro. Sempre senti que eles tinham pegada bem diferente dentro do doom/gothic metal, nem sei se classificaria eles nesse estilo. Sempre achei o som do grupo muito mais alternativo do que a maioria das bandas dentro desses dois gêneros, com uma variação maior de sonoridade dentro dos álbuns.

    Enfim, é uma banda que respeito muito! Sempre procurei coisas parecidas mais nunca encontre!

  5. Só consegui ler o texto hoje.
    Parabéns Marcella e bem vinda à Consultoria do Rock!

    Sobre o Type O Negative já tentei alguma vezes e não me cativou. Vou ouvir agora o Bloody Kisses de novo.

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