Tralhas do Porão: Boomerang

Tralhas do Porão: Boomerang

Por Ronaldo Rodrigues

A história da vez orbita ao redor de um personagem importante do rock dos anos 1960, mas que depois de ter lambiscado alguns poucos anos de relativa fama, descansou serenamente nos berços do underground pelos anos seguintes. Atualmente, o protagonista desta nossa seção, Mark Stein, é pouquíssimo lembrado na generalidade dos fãs de rock por seus talentos como tecladista, vocalista e compositor.

O atualmente setentão Mark Stein nasceu em Nova Jersey, EUA, e passou a infância se alternando entre o acordeão, o piano e a guitarra. Durante seu período estudantil circulou por muitas bandinhas até que em 1965, em Nova York, formou o The Pigeons, que seria um precursor de seu mais famoso trabalho, o Vanilla Fudge. Já na época dos The Pigeons, Mark estava com Tim Bogert (baixo), Carmine Appice (bateria) e Vince Martell (guitarra), músicos que fariam o Vanilla Fudge se tornar um sucesso na onda do rock psicodélico, dividir o palco com grandes nomes do freak-rock da época e ser um dos pioneiros na evolução do hard rock.

A clássica estreia do Vanilla Fudge, de 1967

O Vanilla Fudge gravou 5 álbuns entre 1966 e 1970, fez constantes tours pelos EUA e Europa e emplacou um grande hit – uma alucinante e dramática versão para “You Keep me Hanging On” (veja aqui), original das Supremes. O primeiro disco da banda também atingiu o top 10 da Billboard em 1967 e é repleto de versões muito inteligentes para músicas de sucesso da época. O legado do Vanilla Fudge é facilmente identificável em boa parte do rock dos anos 1970 – seja pelo formidável trabalho de bateria e baixo da dupla Appice-Bogert, pelas guitarras ardidas e pelo Hammond certeiro e intenso de Mark Stein. Vale lembrar que todos eram muito jovens na época; Mark Stein tinha apenas 18 anos quando o Vanilla Fudge foi formado. Por razões pouco comentadas pelos membros, a banda se desfez em 1970; além disso, Tim Bogert e Carmine Appice chamavam a atenção da plateia e da crítica com longos solos individuais. Segundo Mark, isso os afetou a ponto de se considerarem maiores do que o Vanilla Fudge. Os trabalhos da banda já não faziam frente ao ‘novo’ rock daqueles anos e o ritmo insano de trabalho desgastou a relação entre os garotos.  Já as bandas que derivaram do Vanilla Fudge (Cactus e a pouco comentada Boomerang) essas sim, eram puro espírito de época e ajudaram a forjar o heavy-blues/hard rock tão marcante daquele começo de anos 1970.

O Vanilla Fudge ao vivo, em 1969

 

Vanilla Fudge e Led Zeppelin dividiram palco em algumas ocasiões ao longo de 1969 nos EUA

O Vanilla Fugde era contratado da Atco., subsidiária da poderosa gravadora Atlantic, que naquela época fazia algumas das mais acertadas apostas no rock – Crosby, Stills & Nash, Led Zeppelin, Yes, etc. Quando a banda acabou, na primavera de 1970, Ahmet Ertgun (executivo da Atlantic) prôpos um contrato para Mark Stein lançar-se como artista solo. Mark Stein recusou o convite e tentou reformular o Vanilla Fudge com dois novos músicos de uma banda nova iorquina chamada The Dirty Elbows – o baterista Jimmy Galluzi e o baixista Sal D’Nofrio. James Galluzi era um grande fã do Vanilla Fudge e sempre acompanhava a banda, mas a coisa não aconteceu como planejado e Mark Stein considerou reformular tudo e deixar o nome do Vanilla Fudge quieto naquele momento. Tendo recrutado um conhecido e também fã do Vanilla Fudge, Jimmy Galluzi apresenta para Mark o jovem baixista Jo Casmir e Mark então coloca tudo sob um novo nome – Boomerang. Faltava ainda um guitarrista; o produtor Phil Basile descobriu em Nova York um jovem prodígio na guitarra, um garoto de apenas 16 anos chamado Ricky Ramirez, e o colocou no meio dos tubarões.

Talvez a única foto promocional da banda, que estampa a contracapa do seu LP de 1971

A banda ensaiava freneticamente, sempre compondo ou trabalhando algum riff; o entrosamento foi alcançado à duras penas e, pelo prestígio que desfrutava na época e a qualidade do material apresentado, Mark Stein descola um contrato com a RCA para o lançamento da estreia do Boomerang, auto-intitulada, ocorrida em 1971. O disco, bem produzido e gravado com os melhores recursos da época, fracassou em todos os sentidos. Uma situação embaraçosa perseguiu a banda durante sua curta trajetória – o manager Phil Basile também empresariava o Cactus; a relação entre Mark Stein e seus ex-companheiros de Vanilla Fudge, Tim Bogert e Carmine Appice, não era das melhores. Ciúmes, inveja e politicagem rolavam soltas entre os grupos e Phil Basile, que também era manager dos Amboys Dukes, de Ted Nugent, e de outros grupos menos famosos.

A faixa de abertura, um rock peso-pesado e repleto de groove chamado “Juke It” diz muito sobre a rotina e a cabeça de Mark Stein no período; “Fisherman” é uma baladaça rasgada e emocionante e “Hard Times” é uma aula de como usar bem o violão no rock; “Cinthia Fever” e “Mockingbird” tem faiscantes duelos entre os vocais de Stein e do baixista Jo Casmir e o encerramento trovejante com “The Peddler” traz outro duelo – mas desta vez instrumental, entre Stein e o juvenil Ricky Ramirez. O disco é um primor – instrumental vigoroso e equilibrado, ótimos vocais e composições quentes. É duro aceitar a realidade de que o disco não aconteceu comercialmente e a trajetória da banda foi muito pouco além deste lançamento. Boomerang, o disco, é daqueles trabalhos que deveria ser içado da poeira do underground e posto em um pedestal por todos os apreciadores do rock setentista.

Mark Stein, em entrevistas, revela pouco sobre o Boomerang e as informações sobre a banda são bastante escassas, já que todos os outros músicos envolvidos na banda não deslancharam na carreira musical. Apenas um único show foi feito unindo Cactus e Boomerang. Segundo a visão de Mark, que aparenta ser enviesada e envolta em mágoas, a banda não era suficientemente boa ao vivo; os garotos, pela pouca experiência, não suportavam a pressão de tocar com outras bandas de renome e simplesmente ficavam paralisados no palco. O que felizmente não ocorria em estúdio, no qual todos estouraram a boca do balão.

Mesmo assim, pouco depois do fracasso comercial do disco e das poucas apresentações ao vivo, a banda retorna aos estúdios para trabalhar em um novo material já em 1972, seguindo a mesma pegada do primeiro disco. Infelizmente, o material não foi lançado na época e registros (que, creio particularmente, terem sido captados por um gravador de mão durante algum ensaio da banda) das novas músicas foram trazidas à tona de forma bastante suspeita em anos mais recentes, com o nome de Two. O material tem toda a pinta de disco pirata – reproduz a capa do primeiro álbum com uma marcação “2” escrita grotescamente  na lateral direita da capa.  A despeito da qualidade musical, o disco é feitiche completista, já que a qualidade da gravação não é boa. Vale ressaltar as faixas “Seawolf”, na qual a banda une magistralmente hard/blues rock com soul embalada por um curto e delicioso solo de flauta, e a swingada “99 and a Half”.

A insólita capa com os registros do que viriam a ser o segundo disco do Boomerang, gravados em 1972

No fim de 1972 Mark Stein chega no escritório do vice-diretor da RCA e diz que tudo está acabado, inclusive se oferecendo para trabalhar como executivo e descobridor de talentos na gravadora; ele até recebe a oportunidade mas fica pouco tempo na função. Mark ficou cerca de 1 ano em hiato, tentando colocar a cabeça no lugar, até ser convidado para integrar a Tommy Bollin Band, com o grande baterista Narada Michael Walden, durante os anos de 1974 e 1975, tendo participado do disco solo de Bollin, Private Eyes, lançado em 1976. Em 1977, Mark Stein ingressa na banda de Alice Cooper, durante a “Welcome to my Nightmare Tour”, e se consolida como músico acompanhante. Nos anos seguintes, acompanhou o ex-guitarrista do Traffic, Dave Mason, em shows e gravações de estúdio. Vários retornos do Vanilla Fudge aconteceram dos anos 80 em diante (inclusive com a gravação de discos de estúdio), mas até momento nada do Boomerang foi revisitado por Mark Stein.

A Tommy Bollin Band, ao vivo em 1976, contando com os préstimos de Mark Stein (que não aparece nesta foto)

Reedições mais recentes do primeiro álbum do Boomerang em CD trazem a poderosa “Montreal Jail”, lançada apenas em compacto em 1971, junto com a faixa “Mockingbird”.

9 comentários sobre “Tralhas do Porão: Boomerang

  1. Cito, a título de créditos, que a imagem do LP do Boomerang foi extraída do blog Sinister Salada Musikal, do amigo Marco Antonio Gonçalves!

  2. Vanilla Fudge era genuína até nos covers que faziam! Vale a pena mergulhar na carreira solo dos integrantes de bandas desse calibre. Aliás, o título dessa série de matérias (Tralhas do Porão) me remeteu ao escavacoes-sonoras.blogspot.com.br . Se não conhece, vale muito pesquisar músicas por lá. Há de tudo e mais um pouco, talvez até mais do que na saudosa ‘Feira de Caruaru’.

    Ah, não poderia de esquecer de perguntar à CR: quando vai rolar uma matéria (ou vídeo) parceria com o Alta Fidelidade? Dois lugares aonde o bom gosto há de predominar e com algumas doses undergrounds muito inspiradoras.

    1. Obrigado pelo seu comentário Erick! acompanho o Alta Fidelidade (é um ótimo canal) e tenho um certo contato virtual com Luis Felipe…mas nunca tratei com ele dessa potencial parceria, que seria bastante interessante. Obrigado pela sugestão!
      O Vanilla Fudge era ótimo mesmo…super banda!
      Abraço,

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.